Há poucos dias o presidente Lula afirmou que aqueles que se dedicam a administração pública quando poderiam ganhar salários muito mais altos na iniciativa privada são “heróis”. Realmente. Além do salário baixo, você, leitor que não é funcionário público ou mandatário de cargo público, já imaginou a chatice de, a cada aumento de salário, agüentar aqueles hipócritas que vivem berrando que você ganha muito? Agüentar esses fariseus que, enquanto propalam que os outros estão ganhando fortunas, enchem o forâmen de dinheiro? Deve ser de amargar.
Os deputados querem, no momento, um aumento de 26%, numa situação em que seu salário-básico real é o menor de toda a História da República, porque em 8 anos de governo tucano, deu-se preferência a corromper, e não a reajustar o salário dos parlamentares. Com esse aumento, o salário-básico na Câmara passaria de R$ 12.487 para R$ 16.250.
Enquanto isso, nossas fontes na Globo revelam que o ilustre sr. Ali Kamel, por exemplo, capataz dos seus telejornais, fatura mensalmente seus R$ 120 mil, fora as bonificações que os diretores da empresa dos Marinho recebem quando diminuem as despesas de seu departamento, ou seja, quando conseguem cortar o salário ou o emprego dos outros. Como se dizia antigamente, trata-se de um salário das arábias – o que não impede o sr. Kamel de ficar, através dos locutores de telejornal, acusando deputados que ganham 10% do que ele ganha, por desejarem passar a ganhar 15% dos seus proventos.
Já o Bonner, aquela flor de pessoa, um sujeito que sabe tudo sobre tudo o que não sabe, ganha R$ 80 mil, é verdade que como “pessoa jurídica” (é só olhar com atenção que a gente percebe que ele não pode ser uma pessoa física). Sua esposa, aliás muito mais interessante, quer dizer, mais capaz no trabalho (esta, sim, tem cara de pessoa física), ganha a metade. Certamente, mais justo seria se ela ganhasse o dobro. Mas, o que importa aqui é que dois Bonner valem um Kamel: a família fatura mensalmente pelo menos R$ 120 mil.
Perguntaria algum marciano de bom senso, recém-chegado à Terra, informado dos salários do Kamel e dos Bonner e de que boa parte dos trabalhadores recebe R$ 350, assim como que o brasileiro que vence uma eleição para a Câmara – e só 513 conseguem, em 180 milhões de pessoas – recebe R$ 12.487: “mas, para ganharem tanto, esses cavalheiros e essa dama devem ser muito competentes, não é?” (como se sabe, o regime dominante em Marte é a meritocracia).
Acertou em cheio. O Kamel, por exemplo. Que incríveis reportagens! Que revelações tremendas, verdadeiras e precisas que seu trabalho desencavou! Quanto o país deve a ele por seu destemor em prol da coletividade!
A senhora nunca ouviu falar disso, leitora? Pois é, nós também não. Mas existe a sua famosa tese de que não há racismo no Brasil, apenas diferenças de renda entre negros e brancos. Uma descoberta espetacular. Só tem o problema de não ser jornalismo, mas apenas ignorância crassa – e interessada -, do tipo que em pleno século XXI é capaz de isolar em compartimentos estanques as questões sociais, econômicas e ideológicas. Se ele escrevesse isso há 160 anos, seria uma idiotice. Hoje, até como estupidez, é uma banalidade, pois já houve centenas de tentativas semelhantes, ainda que ninguém lembre mais nem o nome dos seus autores.
Quanto aos Bonner, não há dúvida de que eles são competentes no que fazem: ler textos que outros escreveram, de acordo com o interesse do patrão. Pode ser que eles façam outras coisas, mas o que justifica esse salário é essa capacidade de ler aquelas coisas sem corar de vergonha, e empostando a voz para dar força a elas. Mas, diria o marciano de bom senso: “quantas pessoas no Brasil ganham tanto apenas por ser alfabetizadas?”.
Fonte Jornal Hora do Povo