Octavio Frias, falecido no último dia 29, era muito mais honesto do que os seus puxa-sacos na “Folha de S. Paulo”. Sempre se disse “comerciante”, o que ele era. Jamais teve pretensões a ser “grande jornalista”, “tremendo repórter”, nem foi ele o inventor desse ridículo título de “publisher”, expressão americana que significa apenas que ele era o dono do jornal. Também, façamos justiça, não gostava de ser tratado por “doutor”, porque não era. Trata-se de um mérito, num meio em que barões da imprensa de baixa escolaridade fazem questão de ser tratados como se “doutores” fossem.
Ele gostava de ser chamado de “seu” Frias, exatamente como os quitandeiros e merceeiros de antigamente. Forçoso é reconhecer que era um bom comerciante, que fazia suas escolhas a partir de seus interesses comerciais. Por isso, depois de se tornar banqueiro, especulador imobiliário, empreiteiro, dono da rodoviária de São Paulo, negociante de algumas – como diria a “Folha” – commodities, adquiriu um jornal. Era, para ele, um meio de facilitar os negócios. Com o tempo, os próprios jornais se transformaram em negócios.
O resto, sobretudo a política, foi uma conseqüência: cultivou relações amistosas com Juscelino e Jango – para depois apoiar a ditadura. Assinou o manifesto dos donos de jornais brasileiros contra a penetração do capital americano na mídia e na publicidade – e depois colocou os seus jornais a serviço desses mesmos americanos. Transformou a “Folha” num boletim da Oban e outros órgãos de repressão, como fez nenhum outro jornal – para depois, com a ditadura de vela na mão, condenar seus protetores de outrora. Seus jornais foram órgãos radicalmente malufistas – para depois promoverem as mais desarvoradas campanhas contra Maluf. Apoiou Fernando Henrique e todos os atos de traição nacional, assim como, contra Lula, apoiou e açulou a escória mais reacionária, golpista e sem escrúpulos. Porém, era tudo uma questão de negócios. O notável é apenas que, ao contrário de seus puxa-sacos, ele jamais tenha achado que fossem outra coisa.
Era inevitável que, agora, aparecessem esses puxa-sacos – como acontece com os puxa-sacos nessas horas, todos, na verdade, doidos para enterrar logo quem lhes deu um emprego e um salário que jamais conseguiriam por capacidade própria.
Um deles, que se considera um Catão nessa sociedade corrupta, revelou que, graças ao Frias, a “Folha” foi a “força motriz (sic) da arrancada” do movimento que derrubou a ditadura – e que se dane o povo, o PMDB, o Ulysses, o Tancredo, o Lula e demais grandes personagens daquela quadra da História. Outro, descobriu que o Frias era mais do que “doutor”. Era, na verdade, “professor doutor”, “grande repórter”, “autor de furos anônimos”, “aguda intuição”, e só faltou dizer que o Frias era o verdadeiro autor de “Grande Sertão: Veredas”.
E houve também um outro – esse verdadeiramente imbatível, como puxa-saco e como idiota – que depois de definir o comerciante como um “tremendo repórter”, conta como ficou emocionado com a preocupação de Frias com ele, sugerindo que se escondesse em sua granja, depois que, nos anos 80, o escriba publicou na “Folha” um artigo dizendo que o DOI-CODI estava por trás dos atentados a bancas de jornais – artigo que, informou o patrão, havia causado muito “ruído”. O puxa-saco não advertiu que, com isso, confirmou a intimidade de Frias com os órgãos de repressão da ditadura. Afinal, de que outra forma o Frias poderia saber de tal “ruído”? Mas, naturalmente, a granja de Frias era um dos lugares menos indicados para esconder um repórter da “Folha” que estivesse sendo perseguido pelo DOI-CODI. É evidente que o objetivo da sugestão de Frias era fazer com que essa lorpa deixasse de falar de corda em casa de enforcado. No entanto, até hoje ele não captou a mensagem. Talvez, daqui a mais 20 anos…
Não nos deteremos no artigo do senador Suplicy sobre o falecido. Realmente, é perda de tempo. Quanto aos elogios incríveis do Serra, segundo o qual o dono da “Folha” era a condensação de todas as virtudes humanas e mais algumas outras que estão além do humano, a sorte do dono da “Folha” é que já está morto. Não pode mais ser traído.
C.L.
Editorial do Jornal Hora do Povo
Obs. Concordo em gênero, número e grau !