Luta de classes na Venezuela
por Umberto Martins*
Karl Marx e outros pensadores notaram que a luta de classes tem sido o fio condutor do movimento da sociedade humana na história pelo menos desde o fim do chamado comunismo primitivo. “A história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história das lutas de classes”, proclama o famoso “Manifesto Comunista”, de 1848, escrito por ele e Friedrich Engels.
Esta verdade, reiterada depois por Lênin e outros líderes revolucionários, não transparece à primeira vista na superfície dos fatos nem é percebida pelo senso comum; no mais das vezes é falseada ou escamoteada pelo pensamento dominante. Por isto, é oportuno evocá-la na análise da conjuntura política atual, em especial tendo em vista os acontecimentos em curso na Venezuela, onde a marcha de uma revolução que não faz segredo dos seus objetivos antiimperialista e anticapitalista acirra as contradições políticas, divide opiniões e desperta fortes paixões.
Uma guerra entre capital e trabalho
Sob uma ótica marxista não é difícil enxergar na agitada arena política do país vizinho a evolução radicalizada da luta de classes, cujos personagens principais são, nesta altura da vida, os mesmos que Marx apontava, no século 19, como protagonistas do drama social moderno: o capital, de um lado, e o trabalho, do outro.
Parece claro, hoje, que as pessoas que lideram a oposição ao governo Chávez, assumindo uma posição abertamente contrarevoluciária e pró-imperialista, encarnam os interesses do capital. São representantes da grande burguesia financeira, das transnacionais dos Estados Unidos e outras potências capitalistas; do imperialismo em geral; associados às classes dominantes locais (burgueses e latifundiários).
De outro lado, não devemos duvidar que o programa e as iniciativas da revolução bolivariana têm por fundamento os interesses e as aspirações históricas da classe trabalhadora, aqui compreendida, num sentido mais amplo que o habitual, como o conjunto da população trabalhadora, assalariados da cidade e do campo, desempregados, subempregados, autônomos, camponeses sem terra e pequenos proprietários rurais.
A bandeira do socialismo
São muitos os exemplos concretos que ilustram os vínculos da revolução e de seu principal dirigente, o presidente Hugo Chávez, com a classe trabalhadora. É o caso, entre outros, dos decretos sobre a reforma agrária, as pescas e os hidrocarbonetos; valorização do salário mínimo (agora o maior da América Latina); redução da jornada de trabalho para 35 horas semanais até 2010; revisão das privatizações promovidas pelos governos neoliberais e nacionalizações em setores estratégicos da economia que estavam sob controle das multinacionais.
O compromisso com a construção do socialismo do século 21 e as iniciativas que têm sido adotadas nesta direção – incluindo a instalação de fábricas socialistas, as nacionalizações, a aposta na democracia participativa e a instalação de conselhos populares (já foram criados cerca de 20 mil desde 2006) – definem e fortalecem o caráter social, proletário, da revolução bolivariana. A este respeito, é oportuno lembrar, aqui, as palavras proferidas por João Amazonas em entrevista à revista “Debate Sindical” (nº 41):
“Os trabalhadores devem ter presente que o socialismo é a sua grande bandeira, a sua grande aspiração de progresso e de libertação da opressão capitalista”.
Histeria capitalista
A defesa do socialismo reveste-se de particular importância neste momento histórico, ainda fortemente influenciado pelas idéias e políticas neoliberais que ganharam ares de verdades absolutas após a queda do Muro de Berlim. Não é de estranhar, portanto, a reação histérica das hostes capitalistas e de sua famigerada mídia contra a revolução e o presidente Hugo Chávez, taxado pelos representantes do capital financeiro de autoritário, populista, fanfarrão e demagogo devido à sua firme determinação de destruir o velho regime e abrir caminho para o socialismo do século 21. O ruído reacionário dos meios de comunicação monopolizados pela burguesia reflete a luta de classes no plano ideológico.
Assim como não se faz um omelete sem quebrar os ovos é também impossível promover uma verdadeira revolução social sem contrariar interesses de classes, que no caso estão profundamente enraizados. A reforma agrária se choca com os interesses dos latifundiários, as nacionalizações não são do agrado das transnacionais, a semana de trabalho de 35 horas assusta os capitalistas e assim por diante. A dura experiência histórica sugere que uma revolução que se preza não pode se dar ao luxo de tratar um inimigo poderoso e sem escrúpulos à base da paz e amor.
Hipocrisia burguesa
A mídia capitalista recorre ao expediente nazista de transformar mentira em verdade à base da repetição e massificação para mascarar o verdadeiro caráter de classes da luta política em curso na Venezuela e vilipendiar seus líderes, apresentando o drama político como um embate entre autoritarismo e democracia. É uma hipocrisia sem medidas.
Conforme notou o grande escritor e comunista português José Saramago, Hugo Chávez já se submeteu “sete vezes às urnas e venceu todas” (www.vermelho.org.br/base.asp?texto=21352). Foram os inimigos do presidente que recorreram a um golpe militar fascista, em abril de 2002, na vã e desesperada tentativa de reverter o processo revolucionário, defendido com vigor pelo povo e setores (majoritários) das Forças Armadas. O tiro saiu pela culatra, a radicalização da luta política renovou as energias revolucionárias.
Ficou fartamente comprovado que o putsch malfadado foi urdido em Washington. Para que não restassem dúvidas quanto à sua natureza de classe, foi liderado por um destacado líder capitalista, o breve Pedro Carmona, que à época presidia a Fedecamera, principal associação empresarial venezuelana. Seria preciso mais para comprovar a oposição do capital e dos capitalistas (enquanto classe) à revolução bolivariana?
Pequena burguesia em disputa
Para Marx e Engels, capitalistas proprietários dos meios de produção (burgueses), de um lado, e trabalhadores despojados desses meios (proletários), do outro, constituem as duas classes fundamentais do sistema social moderno, classes antagônicas e em perpétua luta. Porém, não são os únicos atores desta nossa história
É certo que, no jogo político, formações sociais intermediárias entre as duas classes fundamentais, geralmente identificadas como a classe média ou pequena burguesia (assalariada ou proprietária), também têm seu peso e papel, oscilando (no caso) entre as trincheiras do capitalismo neoliberal e a revolução bolivariana.
Vacilante por natureza, conforme já observava Lênin, a pequena burguesia é particularmente sensível ao canto de sereia da mídia capitalista em torno da “democracia” e tem sido alvo freqüente das manipulações contra-revolucionárias golpistas lideradas pelos porta-vozes do capital financeiro. Seu posicionamento político não é desprezível e pode ser decisivo. Por isto, é um segmento em disputa, que as forças da revolução devem procurar ganhar ou, ao menos, neutralizar.
Classe e nação
É notável na experiência da revolução bolivariana o entrelaçamento entre as chamadas questões nacional e social. O caráter antiimperialista do processo em curso, que tem nos EUA seu principal inimigo, é indubitável. Trata-se da iniciativa política mais ousada e avançada na América Latina em prol do direito à autodeterminação dos povos e da soberania nacional. E os fatos sugerem que, na atualidade e destacadamente em nossa região, não é possível desvincular a questão nacional da luta de classes.
Há muito, os grandes capitalistas da Venezuela andam de mãos dadas com os imperialistas dos EUA e da Europa; já nada têm de patriotas; capitularam à concupiscência das transnacionais, a quem cederam a exploração sem peias das riquezas naturais do país; seus representantes governaram de costas para o povo e penhoraram os interesses da nação junto à banca internacional e ao FMI, em nome da “globalização neoliberal”. Por tudo isto, a questão nacional vem assumindo, simultaneamente, um nítido caráter de classe.
O presidente Hugo Chávez percebeu, depois de muitas provas, que o projeto de libertação nacional e integração solidária dos povos latino-americanos não pode ser conduzido a bom termo pelas mãos sujas da grande burguesia; que o capitalismo neoliberal não rima com soberania. Com razão, defende a valorização do trabalho e enxerga no proletariado o protagonista da transformação social. A revolução que dirige vem em boa época e o tempo parece conspirar a seu favor na história.
Embora possa não parecer, o sistema imperialista hegemonizado pelos EUA não é perene e está em crise (econômica, política e militar), a ordem monetária ancorada na supremacia do dólar, corrompida pelo déficit comercial e pelo parasitismo, entrou em decomposição. O inimigo é poderoso, mas não é invencível. As forças políticas identificadas com a luta antiimperialista e a justiça social não devem vacilar em empenhar toda solidariedade à revolução bolivariana e ao presidente Chávez. É na batalha entre sombra e luz que se fecunda a história e o futuro pede passagem.
Viva o socialismo do século 21!
Umberto Martins, Jornalista, membro da Secretaria Sindical Nacional do PCdoB.
Site do PC do B
Rizzolo: Começar a edificação do socialismo implicaria substituir prevalência de um regime sujeito às leis do lucro, por um outro em direção às necessiades sociais. Na realidade mudar as relações de produção subordinar as mesmas aos ditames e interesses das forças produtivas. A questão do equlíbrio entre as relações de produção e as forças produtivas é na realidade a meta do soicialismo . A partir do momento em que um, modelo econômico e político, dirigido pela vontade majoritária da população, assume tais características,teria começado a vigorar uma forma embrionária de socialismo. Fica patente que nada se relaciona com a gestação de um modelo neodesenvolvimentismo, não há como as duas concepções interagirem ao mesmo tempo, vez que são radicamente contrárias, até porque a concorrência pelo lucro impede a progressiva formação de ilhéus coletivistas no capitalismo o que quase sempre é distorcido pela concorrência que impede essa formação social.
No Brasil e na Argentina acredita-se que a etapa anterior ao socialismo é o neodesenvolvimentismo, Tanto Lula quanto Kirchner, lideram esse eixo de centro esquerda, eu particularmente não compactuo dessa corrente acredito que postular que o socialismo pode ser iniciado num período contemporâneo leva a defender sem disfarces a identidade socialista, ao invés disso favorecer uma etapa neodesenvolvimentista induz ao titubeio à luta anticapitalista.