O Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) debaterá nos dias 3 e 4 de setembro a proposta de uma Assembléia Nacional Revisora da Constituição, eleita pelo povo exclusivamente para fazer a reforma política. O anúncio foi feito pelo presidente nacional da OAB, Cezar Britto, após a apresentação da proposta nesta segunda-feira (6) pelo seu autor, o jurista Fábio Konder Comparato. A idéia é de que a Assembléia seja disciplinada e convocada pelo Congresso, via emenda constituição.
O Conselho Federal, com 81 membros, reuniu-se na sede da Ordem em Brasília e ouviu a proposta, mas deixou a deliberação para a reunião do próximo mês. A mesma reunião negou o apoio da OAB à iniciativa da sua seção paulista, de lançar o Movimento Cívico pelo Direito dos Brasileiros, mais conhecido como ”Cansei”.
Comparato, 69 anos, foi advogado da acusação no processo de impeachment de Fernando Collor em 1992 e preside a Comissão de Defesa da República e da Democracia da OAB. Para ele, a Assembléia Revisora se impõe pela necessidade de ampla e profunda reforma política, “como pressuposto incontornável para o cumprimento dos objetivos fundamentais do nosso Estado republicano, declarados no artigo 3° da Constituição Federal”. Pela proposta, seria fixado um prazo improrrogável de funcionamento da Assembléia, cujas decisões seriam submetidas a referendo popular.
Necessidade para haver reforma política
A revisão na Constituição, defende o jurista, é fundamental para se quebrar “o monopólio que se arroga o Congresso Nacional para reformar a Constituição por meio de emendas”. Comparato renovou sua defesa da votação de uma reforma política ampla e profunda. Mas contestou a legitimidade dos poderes do Congresso para revisar a Constituição (ele distingue entre emenda e de revisão constitucional).
“Abusando desse monopólio, já de si indefensável segundo o princípio da legitimidade democrática, o Congresso acaba freqüentemente por decidir em causa própria, não só ao alterar o texto constitucional, mas também quando muda a legislação ordinária, notadamente em matéria eleitoral”, afirmou.
Fábio Comparato sugere também outras formas de revisão constitucional por decisão direta do povo: em plebiscito convocado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE); a previsão expressa de outras formas de apresentação de propostas de revisão constitucional, não só por cidadãos, mas também por associações e órgãos de classe de âmbito nacional; e a fixação de um interregno (não inferior a dez anos) para a convocação de plebiscitos sobre a revisão constitucional.
Veja a íntegra da proposta de Comparato:
“Senhor presidente:
Tenho a honra de apresentar a Vossa Excelência, a fim de ser submetida à competente deliberação do Conselho Federal de nossa entidade, a proposta de emenda constitucional cujas razões passo a expor.
1. Nos últimos anos, evidenciou-se, em todos os quadrantes do país, a necessidade de uma ampla e profunda reforma política, como pressuposto incontornável para o cumprimento dos objetivos fundamentais do nosso Estado republicano, declarados no art. 3º da Constituição Federal:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
2. Sucede que essa reforma política ampla e profunda, implicando a mudança de várias disposições constitucionais, só pode ser feita de acordo com os princípios e as regras que a própria Constituição estabeleceu para a alteração de suas normas.
Nesse sentido, é preciso distinguir entre os procedimentos de emenda e de revisão constitucional. A primeira tem por objeto pontos determinados, enquanto a segunda abre a possibilidade de mudança geral das disposições do sistema.
Essa distinção entre as duas modalidades de reforma encontra-se nas Constituições da Espanha e da Confederação Helvética.
A Constituição espanhola dispõe, em seu art. 168, que uma vez decidida a realização da reforma, seja parcial, seja total, as Cortes Gerais são automaticamente dissolvidas, a fim de permitir que os eleitores elejam novos representantes, especialmente incumbidos de votar a mudança constitucional. Encerrado o processo de votação, a reforma da Constituição é obrigatoriamente submetida ao referendo popular.
Já a Constituição Federal suíça organiza o processo de reforma, parcial ou total, mediante iniciativa popular, submetendo igualmente o texto alterado ao referendo do povo (arts. 118 e seguintes).
3. A Constituição Federal de 1988 dispôs que a mudança de seu texto se fizesse por meio de emendas (art. 60). A revisão, prevista no art. 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, foi um procedimento excepcional e temporário de mudança da Constituição, iniciado em 5 de outubro de 1993 e encerrado em 7 de junho de 1994.
Por isso mesmo, é duplamente inconstitucional a Proposta de Emenda à Constituição nº 157-A, de 2003, ora em tramitação na Câmara dos Deputados, pela qual o Congresso transformar-se-ia, ipso iure, em assembléia revisora da Constituição. De um lado, porque o instituto da revisão geral não foi inserto no corpo da Constituição. De outro lado, porque o Congresso Nacional atribui com essa proposta, a si próprio, um poder revisor que a Constituição não prevê.
Importa lembrar que o Conselho Federal da OAB pronunciou-se oficialmente, com fundamento em parecer da Comissão de Estudos Constitucionais, elaborado pelo eminente Professor José Afonso da Silva, pela inconstitucionalidade da mencionada Proposta de Emenda Constitucional nº 157-A, de 2003.
4. Toda essa matéria de reforma política, porém, acha-se também submetida a outro princípio constitucional, este de ordem substantiva e não apenas formal. É a questão da legitimidade do processo de mudança.
O Congresso Nacional, enquanto poder constituído, não deveria ser titular, sem o expresso consentimento do povo, do monopólio da competência reformadora da Constituição por meio de emendas. Ora, abusando desse monopólio, já de si indefensável segundo o princípio da legitimidade democrática, o Congresso acaba freqüentemente por decidir em causa própria, não só ao alterar o texto constitucional, mas também quando muda a legislação ordinária, notadamente em matéria eleitoral.
Acresça-se a isso o fato de que, desde há muito, o Congresso Nacional e os partidos políticos já não gozam da confiança do povo brasileiro em sua grande maioria; situação que, ultimamente, agravou-se sobremaneira com a revelação pública de vários escândalos envolvendo parlamentares. Os brasileiros manifestam, de modo crescente, um repúdio à pessoa dos políticos e uma descrença nas instituições. Escusa lembrar que a legitimidade política, no Estado Democrático de Direito, é basicamente uma questão de confiança popular. Se os delegados do poder soberano agem em causa própria, sem o consentimento do poder delegante, é todo o sistema político que passa a girar em falso.
5. Por essas razões, parece indispensável e urgente enfrentar a questão da reforma política no Brasil de modo radical, mediante:
a) a introdução preliminar, no texto constitucional, do instituto da revisão, em complemento às emendas;
b) a atribuição do poder de revisão constitucional a uma assembléia de representantes do povo, constituída exclusivamente para essa finalidade, e cujos membros devem ser eleitos pelo povo como unidade soberana, sem as enormes e indefensáveis desigualdades, políticas e demográficas, entre os eleitorados estaduais;
c) o lançamento do processo de revisão constitucional por decisão direta do povo, em plebiscito convocado pelo Tribunal Superior Eleitoral;
d) a previsão de um prazo improrrogável de funcionamento da Assembléia Nacional Revisora, cujas decisões serão obrigatoriamente submetidas a referendo popular, no seu conjunto, sem prejuízo da possibilidade de destaque de determinadas matérias;
e) a previsão expressa da possibilidade de apresentação de propostas de revisão constitucional, não só diretamente por um grupo de cidadãos, mas também por associações e órgãos de classe de âmbito nacional, como a Ordem dos Advogados do Brasil;
f) a fixação de um interregno não inferior a dez anos para a convocação de plebiscitos sobre a revisão constitucional.
Uma vez aprovada a introdução do instituto da revisão no texto constitucional, pode-se prever a convocação do povo diretamente pelo órgão supremo da Justiça Eleitoral, para decidir em plebiscito a instauração do primeiro processo de reforma geral de nossa Constituição.
São essas as razões justificativas da proposta de emenda constitucional anexa, que tenho a honra de apresentar a Vossa Excelência, a fim de ser submetida à prudente apreciação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
Fabio Konder Comparato”
Site do PC do B
Rizzolo: O Prof. Fábio Konder Comparato, professor titular aposentado da Faculdade de Direito da USP, e presidente da Comissão de Defesa da República e da Democracia do Conselho Federal da OAB, é uma das figuras mais nobres da Advocacia, é um defensor da democracia participativa. Muitos representantes do povo – os políticos eleitos – não vêem com bons olhos a democracia participativa pois enxergam nela uma espécie de “usurpação” de seus poderes. Grande parcela da classe social mais abastada e melhor instruída também não simpatiza com essa idéia de democracia, por sentir certo desprezo pela opinião do povo pouco instruído e sem posses. Para essa classe social é mais cômodo investir e eleger os seus próprios pares que farão a defesa de seus interesses no âmbito parlamentar.
A iniciativa popular de propor o plebiscito é algo que devemos lutar pela sua implantação, a desculpa de que o ” povo não sabe votar, ou que o povo é ignorante ” , e que essas questões devem passar pelo legislativo é a retórica da elite que se alçam como ” democratas e liberais” que prestigiam apenas os parlamentares que eles manipulam e que a eles prestam vassalagem sugando assim o povo brasileiro, essa é que é a verdade, vamos cerrar fileira com a OAB Federal, é com isso que a OAB-SP deveria se preocupar em nome do povo brasileiro.