
Procurador Antonio Fernando de Souza
O Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou por volta das 20h30 desta quarta-feira (22) a sessão que analisa a denúncia apresentada pela Procuradoria Geral da República sobre o suposto envolvimento de 40 pessoas no episódio que a imprensa e a oposição convencionaram chamar de “escândalo do mensalão”. Durante mais de cinco horas, os advogados bombardearam a denúncia apresentada ao STF pelo procurador Antônio Fernando de Souza. “Sem fundamento”, “inepta”, “falha”, “vaga”, “ficcional”, “imprestável” e até um “panfleto partidário”, foram alguns dos adjetivos usados para qualificar a peça acusatória sustentada por Souza.
por Cláudio Gonzalez,
com agências
Segundo a unanimidade dos advogados que se pronunciaram, além de seu caráter político-panfletário, a denúncia está repleta de erros, generalidades, inconsistências e até de ilegalidades, já que o procurador lançou mão de provas ilícitas para tentar sustentar suas acusações.
Durante o julgamento, os ministros do STF vão decidir se aceitam ou não a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República contra os acusados. Os trabalhos serão retomados às 10 horas desta quinta-feira, quando os advogados dos acusados terão tempo de 15 minutos cada —exceto aqueles que defendem mais de um cliente– para apresentar suas defesas.
Assim como ocorreu na sessão de ontem, a argumentação dos advogados deve se concentrar na desqualificação da denúncia. Uma tarefa que parece não ser difícil já que a peça acusatória preparada pelo procurador Antonio Fernando de Souza está repleta de falhas.
Induzido pelos holofotes
Para os advogados, o procurador foi “induzido pelos holofotes da mídia” ao apresentar a denúncia e cedeu a “modismos” ao enquadrar parte dos acusados em crime de formação de quadrilha. Um dos advogados, já na terceira pausa do julgamento, chegou a dizer aos colegas de função que a denúncia era mais um “roteiro de cinema” do que uma peça legal.
“Vi afirmações vagas sem qualquer individualização de conduta. Chama meu cliente de chefe de organização criminosa e não fala quais as condutas por ele praticadas. Essa denúncia é uma peça de ficção”, disse José Luiz de Oliveira Lima, advogado do ex-ministro José Dirceu, apontado como chefe da “quadrilha” pelo procurador-geral. “Meu cliente é um homem com 40 anos de vida pública sem qualquer macula, sem qualquer mancha”, emendou.
“O meu cliente foi envolvido na denúncia por um simples capricho do procurador-geral. O procurador faz ilação de que o meu cliente praticou corrupção e peculato”, afirmou Luiz Fernando Sá e Souza, advogado do deputado José Genoino (PT-SP), que na época do escândalo do mensalão era presidente do PT.
Uma das principais reclamações dos advogados foi a falta de tipificação da conduta individual de cada um dos acusados. “Lembro que quando defendi perseguidos políticos que as denúncias pecavam por generalizações. E essa denúncia é um pouco assim: peca pela generalização”, afirmou José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso, e advogado da direção e dos proprietários do Banco Rural.
“A denúncia deve ser rejeitada até como lição para o Ministério Público”, defendeu o ex-ministro, ao acusar o procurador-geral de modismo ao enquadrar seus clientes no crime de formação de quadrilha. “Estão sendo chamados de quadrilheiros porque isso pega bem junto a opinião pública”, disse.
Sérgio Salgado Badaró, advogado do ex-secretário-geral do PT Sílvio Pereira, foi outro que teceu críticas ácidas ao procurador-geral. “Se há uma defesa indefesa é a nossa. Nem sei do que defender meu cliente. Não sabemos do que ele foi acusado; temos de nos defender às cegas”, afirmou. “É difícil formular uma defesa porque não há individualização de condutas”, alegou José Antero Monteiro, advogado de Cristiano Paz, sócio de Marcos Valério Fernandes de Souza, apontado como o principal operador do mensalão.
O advogado Marcelo Leonardo, que defende Valério e sua ex-funcionária Simone Vasconcelos, acusou o Ministério Público de “banalizar” as acusações de formação de quadrilha (que aparece contra 24 dos 40 acusados na denúncia do procurador-geral) e de lavagem de dinheiro (contra 34 denunciados do mensalão). “Estamos diante do supremo abuso do poder de denunciar”, criticou o advogado, citando um debate sobre denúncias do Ministério Público ocorrido há uma semana em sessão do próprio STF.
Ele disse ainda que grande parte das provas foi obtida de forma ilícita. Segundo ele, há dados bancários obtidos pelo Ministério Público diretamente com os bancos, sem autorização judicial. Ele reclama ainda que algumas das provas utilizadas pela acusação são provenientes de material colhido pela CPMI dos Correios depois de vazamento de documentos para a imprensa, o que invalidaria a prova, já que essas informações tinham caráter sigiloso, que foi quebrado.
O advogado José Roberto Leal de Carvalho, que defende o ex-ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) Luiz Gushiken, fez duras críticas ao procurador-geral da República. “Desgraçadamente (a técnica do procurador-geral), se fosse praticada por advogado, seria alvo de processo disciplinar. Na denúncia foram pinçados trechos de depoimentos. Isso é leviandade”, afirmou.
Carvalho disse ainda que “houve a deturpação da prova para apontar a autoria de Luiz Gushiken nos quatro crimes de peculato de que foi acusado”.
Ao criticar o pedido do procurador ao Supremo para que seja aberta ação penal contra os acusados, os advogados optaram por fazer defesas individuais de seus clientes, sem defender em conjunto os acusados. Foi o caso, por exemplo, de Sérgio Badaró que afirmou ser “um equívoco” do procurador considerar Sílvio Pereira “uma estrela de primeira grandeza do PT”. “O Sílvio foi colocado no núcleo central do esquema, mas ele nunca participou de uma campanha do presidente Lula, nunca indicou ninguém para cargo. Ele aparece como quadrilheiro porque em determinado momento ocupou cargo de secretário geral do PT”, observou Badaró.
Já Arnaldo Malheiros, advogado do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, argumentou que nunca foi provada a existência de esquema de pagamento mensal de recursos a parlamentares em troca de voto favorável a propostas do governo. Disse ainda que os recursos do Fundo Visanet – do qual o Banco do Brasil é um dos acionistas – não são públicos. “Não existe dinheiro público no caso”, afirmou Malheiros, ao observar que Delúbio Soares não teve participação nas transações de repasse de recursos do Visanet para empresas de publicidade SMPB e DNA Propaganda, de propriedade de Marcos Valério.
Antonio Fernando de Souza permaneceu impassível durante a apresentação das defesas orais pelos advogados. Ora mexia no computador que tinha a sua frente, ora esboçava um sorriso irônico diante das reclamações contra a acusação apresentada contra os 40 políticos, empresários e assessores.
Pressão da mídia
A apreciação pelo STF das denúncias apresentadas pelo procurador fizeram o chamado “escândalo do mensalão” reocupar os espaços nobres do noticiário político. Existe uma evidente pressão da grande imprensa para que a cobertura enviesada destas sessões do STF sirva de combustível apara reavivar o clima de caça às bruxas instalado durante a crise política de 2005-2006.
O próprio STF percebeu esta manobra da mídia e alertou, através de nota à imprensa, que “a tentativa de antecipar o voto dos ministros é especulação gratuita, sem base em fatos reais”. A nota diz ainda que “ao longo de toda sua história, o Supremo Tribunal Federal tem se notabilizado pela independência de seus integrantes, cujas decisões são baseadas no livre convencimento a respeito dos fatos e na aplicação do direito”.
Mas a corporação midiática resolveu não engolir o “grito de independência” dos magistrados e tratou de responder, de forma subliminar, ao STF. A Folha Online, por exemplo, usando maliciosamente uma reportagem publicada pelo jornal argentino Página 12, deixou claro a estratégia da mídia ao dizer que o que estava em jogo neste julgamento é a “imagem do judiciário”. Ou seja, a oposição midiática não vacilará em apontar seu dedo acusador para os integrantes do STF no caso das denúncias, especialmente contra os petistas, serem rejeitadas pelos ministros do Supremo.
Desinteresse
Esta é a derradeira chance que a oposição midiática tem de fragilizar o governo Lula, já que a dita “opinião pública” parece não se impressionar mais facilmente com o discurso acusatório da imprensa.
A ausência de mobilização oposicionista durante a sessão de ontem do STF é um sinal disso. Enquanto o procurador-Geral da República reiterava suas acusações panfletárias contra o que chamou de “quadrilha dos 40”, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se encontrava com o movimento social das mulheres do campo e fazia um aplaudido discurso para os “pobres” da nação.
Na mais alta corte do país, apenas uma estudante protestava do lado de fora. Solitária, ela empunhava uma faixa de “basta” para os fotógrafos e cinegrafistas. Um grupo de três médicas do Rio de Janeiro que fazia turismo em frente ao prédio do STF, rodeado por jornalistas, confessava não ter idéia do que se passava lá dentro.
No interior da bela construção de Oscar Niemeyer, o plenário não estava lotado e o público se restringia a advogados, estudantes de direito e jornalistas.
A classe política também passou ao largo do julgamento. No cafezinho dos deputados, lugar privativo aos parlamentares e à imprensa, a televisão ligada transmitia o amistoso Brasil x Argélia. Somente dois políticos marcaram presença no STF: os deputados Antônio Carlos Pannunzio (SP), líder do PSDB, e Osmar Serraglio (PMDB-PR), relator da extinta CPI dos Correios.
“Eles não estão julgando nada ainda. Só estão lendo coisas”, afirmou o deputado Silvio Costa (PMN), resumindo o desinteresse. O Supremo só deve decidir se acata ou recusa a denúncia do Ministério Público na próxima sexta-feira.
Tranquilo no plenário da Casa, um deputado do Democratas, membro da CPI que investigou o caso à época, revelou, na condição do anonimato, o nível de preocupação com o julgamento.
“Mensalão? Estamos mais preocupados em resolver a crise interna da oposição que cuidar desse assunto. Lula foi reeleito. Teria sentido fazer algo? Talvez sim, mas não fizemos.”
Site do PC do B
Rizzolo:No desespero e numa posição ditatorial e antidemocrática diante de um julgamento estritamente técnico, a mídia nacional de Washington, quer de toda forma interferir na decisão do Judiciário já alertando sobre uma possível “imagem maculada do Judiciário” caso o mesmo se demonstre contra seus interesses.O próprio STF percebeu esta manobra da mídia e alertou, através de nota à imprensa, que “a tentativa de antecipar o voto dos ministros é especulação gratuita, sem base em fatos reais”. A nota diz ainda que “ao longo de toda sua história, o Supremo Tribunal Federal tem se notabilizado pela independência de seus integrantes, cujas decisões são baseadas no livre convencimento a respeito dos fatos e na aplicação do direito”.
Do ponto de vista jurídico, a denúncia na base em que foi elaborada, com um forte esteio político, mas sem preencher os requisitos essenciais de uma exordial, não deve prosperar, até porque no seu caráter inepta, não tipifica os crime de forma a atribuir a cada réu sua correspondência, na verdade, a denúncia deveria detalhar que crime foi cometido, quem o cometeu e que provas sustentam a acusação,o que vemos, é uma denúncia vaga, baseada em testemunhas temerárias, e provas sem sustentação.
Contudo, não podemos nos esquecer do conteúdo político, da pressão da mídia, e, muito embora o Judiciário se sinta independente, existe uma possibilidade da denúncia ser recebida. Aí, é claro, inicia a Ação Penal, e então, os réus irão poder exercer o princípio do contraditório no decorrer da ação penal; que com certeza muitos provarão sua inocência. Agora, o que me deixa perplexo, e que me causa espécie, é a brutal interferência da mídia, desta feita utilizando o Judiciário como instrumento de vingança, atiçando, e fazendo de uma peça inepta se panfleto político. Uma vergonha.