O que dizer quando uma revista pertencente aos racistas sul-africanos – aqueles mesmos, os do apartheid – resolve colocar nas alturas um negro, exibi-lo na capa e ainda declarar em letras garrafais que “O BRASIL NUNCA TEVE UM MINISTRO COMO ELE”, ao lado de mais uma foto agigantada do mesmo cidadão afro-descendente? O leitor, provavelmente, diria que, das duas uma: ou os racistas querem tapeá-lo e usá-lo para seus repulsivos interesses, ou o cidadão não é muito fiel às suas origens. O autor destas linhas, com raízes familiares que vêm da África, diria que o leitor está coberto de razão.
Pois foi exatamente isso o que a “Veja” fez com o ministro Barbosa, do STF. Tendo como um dos seus donos o grupo sul-africano Napster, mídia oficial dos nazistas afrikaaners durante longos e terríveis anos, e pregadora da nada interessada tese de que o racismo não existe, a revista, após o relatório sobre a aceitação das acusações contra José Dirceu e outros líderes, descobriu que Barbosa é o maior ministro do Supremo que já houve. Maior do que Nelson Hungria, Evandro Lins e Silva, Vitor Nunes Leal, Orozimbo Nonato – e qualquer outro luminar que já passou ou ainda está no STF. Mais ou menos a mesma coisa fez a “Época”, ou seja, a “Globo”, cujo principal expoente jornalístico é o sr. Ali Kamel, um inimigo das “políticas afirmativas” para os negros, sobre as quais o ministro Barbosa escreveu um livro.
MÍNIMA
O ministro, acreditamos, não é idiota. Mas que a “Veja” está tentando tratá-lo como idiota, lá isso é verdade. O pior é que não há absolutamente ninguém que não perceba o ridículo a que a revista o submeteu. Menos ainda – se isso é possível – há quem não perceba qual o interesse, golpista, anticonstitucional, fascista, nessa promoção de Barbosa a novo Cícero.
É verdade que em seu voto no STF, Barbosa trouxe uma inovação ao Direito bem ao gosto da “Veja”, com o conceito de “prova mínima”, usado contra José Dirceu. A “prova mínima” é aquela que prova que o réu é culpado exatamente porque não há provas contra ele. Se não há provas, isso é o bastante para provar que ele é culpado. Portanto, a rigor, deveria se chamar “prova máxima”. Que melhor demonstração da culpabilidade de alguém a quem se quer culpar de alguma coisa do que a não existência de provas da sua culpa? Não é exatamente a doutrina jurídica de que a “Veja” sempre foi adepta?
Mas vejamos uma declaração de Barbosa, dada ao “O Estado de S. Paulo”, jornal que defendeu pela última vez uma causa progressista em 1875, quando colocou “seis negros libertos” (sic) para imprimir sua primeira edição, porque era contra a escravidão. Diz Barbosa, sobre a sua atuação no STF: “A tradição aqui é examinar a situação de cada denunciado. Um por um. É assim que se faz em matéria penal. Pensei: isso não vai dar certo com 40 denunciados. Vai ser uma confusão, não vai dar. Então vamos estudar cada tópico, cada item da denúncia é uma historinha. Vou analisar. Vou costurar essa historinha para apresentá-la de maneira sintética e clara” (grifos nossos).
Isso foi exatamente o que ele fez. Barbosa o admite, considerando-o um mérito. Mas o problema é, precisamente, o que ele fez.
É óbvio que em “matéria penal” é necessário “examinar a situação de cada denunciado, um por um”. A razão é óbvia: porque é preciso provar que existem indícios – ou provas – contra cada um. Caso contrário, estaríamos diante da injustiça por atacado, em que um réu é acusado daquilo para o qual não há indícios nem provas de que cometeu. Nesse caso, só existe uma solução: “costurar uma historinha”. Toda a acusação do procurador Souza é somente isso: a costura de uma historinha. Barbosa acrescentou alguns alinhavos a essa costurinha, isto é, à costura da historinha.
Trata-se de mais uma inovação, bastante coerente com a outra. Na “prova mínima”, a prova é a falta de provas. Na costurinha, continuam faltando as provas contra cada um dos acusados. Mas o que importa não são as provas, mas a historinha. E, realmente, sem essa historinha costurada, nada seria “sintético e claro”, pela simples razão de que a realidade não é assim, e não é assim, exatamente, porque nela estão ausentes os elementos que poderiam torná-la sintética e clara: os indícios e as provas.
A necessidade de “costurar essa historinha” corresponde a um método peculiar de encarar as questões jurídicas: parte-se do pressuposto de que os réus são culpados e, a partir disso, tenta-se “provar” a sua culpa. Se não há provas, costura-se uma historinha. Em suma, desiste-se de mostrar que existem indícios contra o acusado (ou seja, desiste-se de considerá-los “um a um”) porque senão será insustentável o pré-julgamento de culpa do qual se partiu. Como no Direito medieval, na Inquisição, e em certos sistemas jurídicos particularmente atrasados que ainda subsistem sobre a Terra, a culpa do réu é uma certeza. O resto, faz-se em função dessa suposta certeza.
MÍDIA
No entanto, esse esquisito modo de conceber as coisas não é um problema jurídico. É um problema de submissão à mídia. Pois a única razão pela qual se quer provar a culpabilidade à toda custa, por cima dos fatos, por cima da verdade, é meramente para coonestar a mídia. É, mais ou menos, uma transposição para o campo do Direito daquela velha ingenuidade, segundo a qual a prova irretorquível de que algo é verdade é que saiu na imprensa… Levada às últimas conseqüências, isso significaria que não são necessários os tribunais, os juízes, os promotores e procuradores, e, certamente, os ministros do STF. Basta a mídia para julgar culpado um cidadão. Para que, então, as instituições? Para repetir o que a mídia já disse?
No entanto, não são assim, em geral, os nossos tribunais, juízes e ministros do STF. Principalmente numa época em que a crença geral quase se inverteu: a julgar pelas eleições passadas, há mais gente hoje acreditando que aquilo que a mídia diz é a prova de que é mentira, do que o inverso. Talvez não seja ainda assim. Mas que estamos caminhando aceleradamente para tal, sem dúvida. Os juízes e ministros são parte da sociedade brasileira. Por isso mesmo, se antes já o percebiam, agora está mais do que claro que trocar a verdade e a busca da justiça por um momento sob os refletores da mídia não é a melhor opção para quem faz parte de uma instituição chamada Justiça. Até porque existe o dia de amanhã – e essa gente que maneja os refletores é sempre muito, muito ingrata.
CARLOS LOPES
Hora do Povo
Rizzolo: Realmente no mundo do Direito a “prova mínima” é capaz de levar o Provimento Jurisdicional representado pelo Juiz a agir “in dubio pro reu”, não condenando-o, até porque se é mínima o conceito probatório fica prejudicado; contudo no caso em questão o ministro Barbosa inovou. Mas como decisão judicial não se discute, fica uma lacuna quanto a essa questão. Agora, que a mídia golpista está usando a imagem do ministro Barbosa, não há dúvida, espero que ele esteja percebendo, pois os históricos dessa revista e de seus acionistas não deixam a menor duvida, que do ponto de vista racista, não são um exemplo, como diz artigo, “quando uma revista pertencente aos racistas sul-africanos – aqueles mesmos, os do apartheid – resolve colocar nas alturas um negro, exibi-lo na capa e ainda declarar em letras garrafais que” “O BRASIL NUNCA TEVE UM MINISTRO COMO ELE”. Agora ele deve ter percebido, não ? Ou será que os nazistas tem consideração com negros e judeus que não atendam seus interesses ? Não era o que acontecia na Alemanha de Hitler, nem muito menos agora.
Já segundo artigo do HP, O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, confirmou que se sentiu com “a faca no pescoço” pela pressão da mídia durante a apreciação do tribunal da denúncia do procurador-geral contra 40 pessoas. “Eu é que estava com a faca no pescoço. Me senti profundamente mal e abalado”, disse o ministro. Perguntado se outros ministros votaram constrangidos pelo grampo da mídia que violou uma correspondência entre ele e a ministra Cármen Lúcia, ele disse que “se um magistrado do STF não puder se expressar com independência é melhor fechar o tribunal”.
Lewandowski reafirmou que não identificou na denúncia contra o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, nada que caracterizasse o crime de formação de quadrilha. Ele disse que ficou surpreso por ter sido o único que votou contra a aceitação da denúncia, mas que se mantém fiel ao seu ato por acreditar ser este o entendimento e jurisprudência do Supremo. O ministro esclareceu que usou o termo “amaciar” em relação a Dirceu porque tinha a avaliação de que “determinados pontos da denúncia cairiam pela inconsistência”. O ministro lembrou que os votos são públicos e fundamentados. “Meu compromisso aqui é com as leis, a Constituição e com a minha consciência”.
“A imprensa tem o direito de trabalhar livremente, mas, no meu caso, não respeitou o limite da intimidade. Eu senti e entendi o que significa ter sofrimento moral”. diz o Hora do Povo. Enfim temo que regular a atuação da mídia nesse país, não podemos continuar refém do “Partido da Mídia”, uma vergonha para o povo brasileiro.