
criança cortando cana
A edição de dois de outubro da “Folha de S.Paulo” traz, em sua página três, um artigo que todo brasileiro consciente deveria recortar. Nele, a professora Maria Aparecida de Moraes Silva, doutora em sociologia pela Universidade de Paris 1 e docente da Universidade Estadual Paulista, pede um “dedinho de prosa” com o presidente da República para falar de “coisinhas simples”, referentes ao cotidiano de trabalho e da vida de alguns brasileiros.
Recolho do artigo (“Atrás das cortinas no teatro do etanol”) alguns dados reveladores. Os cortadores de cana nos canaviais paulistas estão comendo o pão que o diabo amassou. A jornada de trabalho não tem limite de tempo, mas de tarefa: “são obrigados a cortar em torno de dez toneladas de cana por dia”. Para cada tonelada, segundo informa a pesquisadora, eles “são obrigados a desferir mil golpes de facão”, daí a “birola”, que são as dores provocadas por câimbras. Quem não consegue esta marca espantosa é obrigado a ouvir, durante a terrível jornada, o chicote verbal do feitor: “fraco, “facão de borracha”, “borrado”, vagabundo”. Os que não respondem positivamente a esta emulação macabra serão demitidos ao final da jornada.
O salário é pago por produção na base de R$ 2,50 por tonelada. Ou seja, depois de dez mil golpes de facão, restará ao suplicante a quantia de R$ 25,00 como ganho diário pelo trabalho estafante. Com um agravante: “livre” da senzala, o escravo moderno é quem custeia a sua bóia fria e o alojamento precário nas cidades-dormitório. No tempo da escravatura, os antigos senhores eram mais generosos com suas “peças”.
Não há saúde que resista a um processo tão brutal de exploração. O resultado, além do elevado numero de acidentes do trabalho, é a fieira de doentes que sobrecarregam o precário atendimento público aos desvalidos. Tendinite nos braços e mãos por esforço repetitivo, vias respiratórias entupidas pela fuligem da cana queimada, deformações nos pés pelo uso dos “sapatões”, desgaste da coluna vertebral e encurtamento das cordas vocais devido a postura encurvada do pescoço durante o trabalho são algumas das doenças típicas do inferno verde. Sem falar no absurdo supremo: os mortos por exaustão.
São jovens brasileiros, entre 16 e 35 anos, que estão sendo esfolados vivos. Não é por bala perdida, nem por vício, estão morrendo por conta de um regime desumano e cruel de exploração do trabalho. Segundo afirma a pesquisadora, “minhas pesquisas em nível qualitativo na macrorregião de Ribeirão Preto apontam que a vida útil de um cortador de cana é inferior a 15 anos, nível abaixo dos negros em alguns períodos da escravidão”. Sem dúvida, em pleno século 21, na região mais rica do Brasil, uma informação estarrecedora.
Os magnatas supremos do capitalismo ensandecido estão eufóricos com as oportunidades de negócios que se abrem com esta nova fonte de energia renovável. Um novo ciclo de prosperidade para os donos do poder, montado na devastação do ambiente, na concentração ainda maior de terras e rendas, na exploração e morte dos trabalhadores. Por considerar normal e inevitável semelhante absurdo (os mineiros do carvão também foram esfolados), o presidente Lula já recebeu do “companheiro” Bush o título infamante: “envagelizador do etanol”.
Léo Lince é sociólogo.
Correio da Cidadania
Rizzolo: Em algumas oportunidades discorri da necessidade de estabelecermos normas através de um órgão ragulamentador para a questão do etanol, que envolveria aspectos diversos, como mão de obra, investimentos estrangeiros, terras a serem cultivadas, e soberania nacional. Observem que existe uma verdadeira invasão de investimentos especulativos em terras brasileiras, já existe até uma cumplicidade entre os proprietários de terra no caso do Etanol com os investidores internacionais em Usinas, precisamos regulamentar essa questão, é interessante, quando era para criar as “agências reguladoras” como as que foram criadas na época do FHC a elite correu e emprestou seu apoio incondicional, agora quando há necessidade patriótica de analisarmos de perto essa questão que já de há muito tempo sabida, fica-se no aguardo.
Está mais que na cara que o internacionalismo se faz através de empresas brasileiras “laranjas”, isso é tão óbvio quanto o contraventor de jogo do bicho que tem sua banca na padaria. Agora precisamos nos mexer, um Incra sozinho não faz verão.
A questão do Etanol com relação às terras no Brasil e os investimentos estrangeiros, é pior ainda. Esta disputa pelo controle acionário das empresas sucro-alcooleiras brasileiras por investidores estrangeiros se demonstra agora na luta pelo controle do segundo maior grupo do Brasil, a companhia açucareira Vale do Rosário. O grupo é disputado pelo maior produtor de álcool do Brasil, o grupo Cosan, pelo Bradesco, pela Bunge, transnacional do agronegócio. Os investidores estrangeiros estão por trás do ex-ministro privatizador Antonio Kandir e do ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga.
Pelo que podemos inferir até agora, os empresários brasileiros do grupo Etalnac, vão administrar as destilarias e entregar toda a produção de álcool para a Sempra, que exportará para os EUA e o Japão, em outras palavras, a burguesia brasileira se tornará “administradora” dos negócios imperialistas. Neste ramo, se repetirá, em escala superior, o que aconteceu com a produção de soja no Mercosul, que foi totalmente dominado pelas grandes transnacionais do agronegócio como a Cargill, Bunge, Archer Daniels Midland, Louis Dreyfus, etc.
Temos que constituir uma empresa ou um órgão regulador da produção de etanol, uma “Etanolbras” que se aterá aos aspectos específicos dessa área que difere do petróleo, envolvendo questões ligadas à produção, transporte, comercialização, exportação, etc, que precisam ser controladas e reguladas pelo governo. No presente momento não nos resta defender a imediata retirada dos “projetos nefastos” que estão prontos paras serem votados na Casa, como medida de conter o avanço daqueles que tem como o lucro e a exploração seu ideal de vida.
A participação ativa do Ministério Público do Trabalho deve ser aprofundada, visando coibir a superexploração de trabalhadores nessa área, no interior de São Paulo, estamos verificando em mortes de trabalhadores por absoluta exaustão. O trabalhador é obrigado a cortar 12, 13, às vezes 15 toneladas de cana por dia, o trabalho escravo não é caracterizado na legislação com essa expressão específica. O artigo 149 do Código Penal considera crime a redução à condição análoga de escravo, caracterizada pelo trabalho forçado e pelas condições degradantes de trabalho. Dados informam que de 1995 até março deste ano, fiscais do trabalho já libertaram 21.774 trabalhadores em situações semelhantes à de escravos. Um cadastro de empregadores desse tipo de mão-de-obra foi criado em 2004 pelo Ministério do Trabalho e pela Secretaria Especial de Direitos Humanos. Alista conta hoje conta com 166 empregadores registrados. É a sede lucro combinado com a impunidade, até porque essas explorações muitas vezes ocorrem em lugares distantes. Tenho pena do povo brasileiro, viu.