A bandeira da carga tributária, um tigre de papel

Na ânsia de ter em mãos, uma bandeira para dar sentido à visão neoliberal e impressionar o povo brasileiro, a oposição “descobriu”, um tema já surrado: carga tributária. Entusiastas do DEM e do PSDB, enxergam que, com esta bandeira, terão enfim argumentos convincentes a desqualificar tudo que é gasto público, e enfim, apregoar a velha e desgastada iconografia; até porque, para a oposição, gastar em inclusão é gastar mal. Como não podem fazer uso desse discurso, o fazem de forma velada, atacando a carga tributária que é alta, sim, proporcionalmente para o pequeno e médio empresário, mas não para as grandes transnacionais que justamente são as financiadoras das campanhas anti arrecadatórias.

O que vemos hoje na oposição, é uma letargia intelectual e a falta de propostas capazes de sensibilizar a sociedade. A carga tributária, é a meu ver, o argumento mais fácil de ser derrubado, vez que a carga tributária no Brasil é de aproximadamente 37% do PIB, pouco para um país pobre. Na Inglaterra, por exemplo, um país onde não há necessidade de tanta intervenção estatal, está por volta de 38% do PIB. Ademais gastos de um governo devem ser analisados pelos benefícios que podem gerar. Como afirma o economista José Sicsu, gastos de custeio, capital pessoal e previdenciários geram benefícios para a sociedade, geram empregos e bem-estar social. Há gastos que não geram empregos nem bem-estar.

Um exemplo é o gasto do governo com o pagamento de juros referentes à divida pública. Quem recebe essa transferência, em geral não transforma essa renda em de consumo ou investimento. Normalmente compram mais títulos da divida. Por outro lado, quem recebe Bolsa Família transforma a sua renda adicional em gasto de consumo, o que reduz a insatisfação e gera empregos.

Deveria haver uma regra que limitaria o quanto o governo poderia gastar na rubrica despesas de juros: o governo gastou cerca de R$ 660 bilhões. Essa despesa não gera empregos nem bem-estar. A carga tributária no Brasil cresceu na última década porque as despesas públicas com juros cresceram demasiadamente apesar das privatizações dos anos 90 terem sido justificadas, face ao ” pseudo fato ” de que iriam reduzir a divida pública. O ponto é que temos a carga tributária elevada, porque praticamos juros elevados, e isso tem a ver com o Banco Central e sua autonomia, nada salutar ao país.

Mesmo assim, os arautos do neoliberalismo vasculham argumentos vazios, e que com certeza não terão o apoio popular. A reforma tributária deve visar a unificação dos impostos, mas não a diminuição da arrecadação, não há como fazer transferência de renda, sem que aqueles que lucram de uma forma ou de outra paguem impostos. Bisonhamente a oposição tenta induzir o povo a relacionar reforma tributária com diminuição da carga tributária, repete qual mantra os mesmos sofismas com o intuito de criar uma bandeira, ou melhor um tigre de papel que não irá sensibilizar ninguém num país pobre como o Brasil.

Fernando Rizzolo

‘NYT’: O futuro do Brasil já chegou, e os motivos são cinco

Juan Bautista Alberdi, um constitucionalista e liberal argentino, notou em 1837 que “as nações, como os homens, não têm asas; elas precisam fazer suas jornadas a pé, passo a passo”. A América Latina, há muito suscetível a miragens utópicas de revolucionários e caudilhos e ainda não imune a eles, tem lutado para absorver esta verdade. Mas, como observa Michael Reid em seu novo livro, Forgotten Continent (Continente Esquecido), democracias de massa duráveis despontaram por toda a região.

Por Roger Cohen, para o The New York Times

Nos últimos anos, essas democracias têm rolado os dados com uma extraordinária variedade de líderes, incluindo Michelle Bachelet no Chile; Luiz Inácio Lula da Silva, o metalúrgico que se tornou presidente do Brasil; e o militar Hugo Chávez da Venezuela.

Os resultados são desiguais. Chávez tem testado a paciência de todos com seus brados de revolução socialista alimentada pelo petróleo. Mas passo a prosaico passo, o continente tem se movido rumo às sociedades abertas e à economia global.

Este progresso ocorreu apesar das disparidades de renda, que tornam cidades como São Paulo labirintos de riquezas e ruína. A ascensão improvável de Lula refletia a esperança de que estas desigualdades sociais pudessem ser superadas, assim como os sucessos iniciais de Barack Obama e Mike Huckabee refletem uma sociedade faminta por mudanças e cansada de titãs de fundos ‘hedge’ driblando os impostos que as pessoas comuns pagam.

Enquanto realizam sua jornada a pé, as nações também sonham. As democracias são inventivas e avessas a concessões. Suas imperfeições são muitas, mas também são seus mecanismos de auto-renovação. Elas exigem esperança. A dinâmica, com o tempo, vence o aspecto dinástico.

A jornada brasileira sempre foi hesitante, gerando a idéia de que este era um país com grande futuro condenado à sua contemplação eterna. Os números anuais de homicídios de dezenas de milhares testemunham os duradouros problemas sociais. Tom Jobim, que compôs “Garota de Ipanema”, notou que o Brasil não é para iniciantes.

Ainda assim, como Lula intuiu com seu pragmatismo astuto – quem mais é amigo tanto de Chávez quanto do presidente Bush? – a maré está fluindo na direção de seu país. O futuro do Brasil é agora. Há cinco motivos: terras, matérias-primas, energia, meio ambiente e a China.

A vastidão define o Brasil; o uso agrícola de seu território está longe do esgotamento. Já o maior exportador mundial de café, carne bovina, açúcar e suco de laranja, ele está aumentando rapidamente suas exportações de outros alimentos, incluindo frango (US$ 4,2 bilhões em 2007, em comparação a US$ 2,9 bilhões em 2006) e soja. Mais de 90 milhões de hectares – uma área ainda maior do que a atualmente cultivada – permanece inexplorada fora das florestas tropicais.

Outra exportação em crescimento é a de minério de ferro. A China, que já está investindo pesadamente no Brasil, deseja tudo o que puder conseguir, tanto quanto deseja alimento (assim como a Índia) e energia. O Brasil possui abundância do segundo e poderá ter ainda mais.

Ponha de lado por um momento os vastos recursos hidrelétricos do Brasil e sua recente descoberta de um imenso campo de petróleo em águas profundas além de sua costa sudeste.

O que contará em longo prazo é sua liderança mundial em combustíveis de origem vegetal, particularmente o etanol de cana-de-açúcar, que produz oito vezes mais energia por hectare do que o milho com o qual grande parte do etanol americano é feito. Combine isso às terras agrícolas quase ilimitadas e o importante deslocamento do futuro para o presente no Brasil entra em foco.

Como Reid escreve: “Se a China se transformou na fábrica do mundo e a Índia o seu departamento administrativo, o Brasil é sua fazenda – e potencialmente seu centro de serviços ambientais.”

A liderança do Brasil em combustíveis não-fósseis e a biodiversidade sem paralelo de sua floresta Amazônica tornam o país em um líder natural na luta do século 21 contra o aquecimento global.

Nada do que foi dito acima seria significativo se o Brasil fosse instável. Mas como grande parte do continente, ele se tornou mais previsível. A China percebeu isso e está rapidamente desenvolvendo suas relações comerciais com o Brasil e outros países latino-americanos. Os Estados Unidos também têm buscado uma série de acordos de livre comércio, com resultados desiguais.

Mas no geral o continente foi deixado com um sentimento de negligência por parte dos Estados Unidos, aprofundado pela promessa pré-11 de Setembro de Bush de um novo foco que refletiria a presença de mais de 40 milhões de latinos nos Estados Unidos. O próximo presidente deve tornar tal foco no sul uma prioridade, com o Brasil como pivô para um maior engajamento.

A transformação da América Latina nas últimas décadas foi subestimada. Ela foi política e econômica, mas também cultural. Os profundos preconceitos contra as populações indígenas, mestiças e mulatas foram confrontados e, se não vencidos, ao menos minados. Em termos históricos, este tem sido um momento de maior poder para aqueles com pele escura.

As Américas estão mudando e, apesar da retórica antiianque de Chávez, se tornando, passo a passo, mais integradas.

Tradução: George El Khouri Andolfato

Fonte: The New York Times

Rizzolo: Concordo na íntegra com Michael Reid, o Brasil possui todos os itens necessários para assegurar um desenvolvimento como fornecedor de matérias-primas, e principalmente alimento. Contudo é necessário organizar esse desenvolvimento para que de forma ordenada possamos manter a soberania em determinadas áreas como o Etanol. Hoje o Brasil tem sido palco de investimentos maciços nessa área, mega investidores como Soros e outros numa relação com os produtores de cana-de-açúcar estão se apropriando desse mercado sem a devida regulamentação por parte do governo. Na verdade, teríamos que criar um órgão regulador, um tipo de “Etanolbrás”, vez que a Petrobras não poderia absorver face a particularidades do setor que envolve, terra, plantio, e mão-de-obra.

Hoje, os cortadores de cana nos canaviais paulistas estão comendo o pão que o diabo amassou. A jornada de trabalho não tem limite de tempo, mas de tarefa: “são obrigados a cortar em torno de dez toneladas de cana por dia”. Para cada tonelada, segundo informa a pesquisadora, eles “são obrigados a desferir mil golpes de facão”, daí a “birola”, que são as dores provocadas por câimbras. Quem não consegue esta marca espantosa é obrigado a ouvir, durante a terrível jornada, o chicote verbal do feitor: “fraco, “facão de borracha”, “borrado”, vagabundo”. Os que não respondem positivamente a esta emulação macabra serão demitidos ao final da jornada.

O salário é pago por produção na base de R$ 2,50 por tonelada. Ou seja, depois de dez mil golpes de facão, restará ao suplicante a quantia de R$ 25,00 como ganho diário pelo trabalho estafante. Com um agravante: “livre” da senzala, o escravo moderno é quem custeia a sua bóia fria e o alojamento precário na cidade-dormitório. No tempo da escravatura, os antigos senhores eram mais generosos com suas “peças”. O futuro do Brasil existe, mas seu desenvolvimento organizado está nas nossas mãos.