Turbulência global ameaça o crescimento da América Latina, diz “FT”

Os desdobramentos nos mercados globais neste ano sugerem que a América Latina poderá perder seu brilho, diz reportagem desta sexta-feira do jornal “Financial Times” (íntegra disponível para assinantes).

O texto justifica a previsão dizendo que as bolsas de toda a região caíram mais rapidamente do que a maioria do restante do mundo, com um declínio médio de quase 16% desde o início do ano.

O “FT” reconhece que houve uma diminuição da dependência dos Estados Unidos, que atualmente absorvem menos de 20% das exportações do Brasil, Argentina, Chile e Peru. Mas ressalta que muitos mercados para os quais a América Latina se diversificou serão duramente atingidos por uma desaceleração americana.

Outra ressalva é o fato de os governos sul-americanos não terem promovido as reformas que aumentariam a produtividade e a perspectiva de crescimento a longo prazo. O Brasil – como outros países do continente – aumentou seus gastos, mas fez pouco para reformar um sistema previdenciário deficitário e a carga tributária aumentou.

Analistas dizem que muitos mercados emergentes estão particularmente vulneráveis, já que a quantidade de dinheiro que atraíram para portfólios de investimento é alta e a fuga de capital poderia se tornar uma torrente caso o sentimento permaneça ruim.

“Não há como a região escapar do que está acontecendo internacionalmente. Há um amortecimento, mas ele desaparecerá”, diz Walter Molano, da BCP Securities.

Folha de São Paulo

Rizzolo:Na realidade, a tese do deslocamento (decoupling), onde alguns economistas otimistas afirmam que as economias emergentes manterão seu dinamismo, apesar dos problemas na potência número um dando um impulso necessário para movimentar outros países, entendendo que o mundo não depende mais de um único motor, não é correta, e tem que ser vista com cautela. No nosso caso específico, que dependemos muito dos preços das commodities, a partir do momento que outros países como China e Índia diminuírem seu consumo face a interrelação econômica com os EUA, fatalmente sentiremos e iremos verificar que não estamos tão ” descolados” como emergente. A saída, como sempre digo, é o mercado interno aquecido.

Copom mantém juros nas alturas e sem viés de baixa

Instinto de Lula não se enganou quando ele falou, com Meirelles presente, na reunião ministerial: “esta mesa aqui parece a Santa Ceia”

Disse o presidente Lula, na reunião do seu Ministério na quarta-feira, que “esta mesa aqui parece a Santa Ceia”. Mais uma vez não se enganou o instinto operário do nosso presidente. Veja, leitor, o que aconteceu.

Na tarde do mesmo dia, um dos participantes da reunião esgueirou-se em meio ao crepúsculo vespertino que anunciava a noite, lentamente encobrindo a capital da República, escoando-se sorrateiramente em direção ao Banco Central. Poucas horas depois, o Copom – isto é, a diretoria do BC – anunciou que a taxa básica de juros estava mantida em 11,25% e sem qualquer perspectiva (“viés”) de baixa. Pior ainda, foi a terceira vez seguida que os juros foram mantidos inalterados, sem que existisse qualquer razão para isso – e existindo todas as razões para baixá-los.

O elemento que se esgueirou da reunião do Ministério para a atmosfera crepuscular de Brasília foi o presidente do BC e do Copom, Henrique Meirelles.

INFORMANTE

Portanto, razão tem o nosso presidente. A reunião do Ministério foi uma verdadeira Santa Ceia. Não faltou nem mesmo um Judas Iscariotes. Dizem até que havia dois, se contarmos com o ministro da cultura alienígena, aliás, “globalizada”. Mas este, pelo menos, não proferiu mais um aforismo sobre o não-ser sendo um ser sem ser um não-ser sendo – notória especialidade filosófica que desenvolveu ao longo dos anos etéreos de sua existência.

Já Meirelles, na falta do ministro Mantega, acometido por um mal-estar odontológico, foi o informante da reunião. Conseguiu dar um informe sobre a crise americana e seus reflexos no Brasil em dez minutos. Dentro em breve ele conseguirá resumir a obra de Adam Smith em menos tempo ainda… Se é que ele ouviu falar nesse pensador escocês. Embora, pensando bem, 10 minutos de Meirelles devem ter sido muito mais do que a maioria dos ministros – e demais seres humanos – pode suportar sem que apareçam sinais premonitórios de convulsões e outros fenômenos desagradáveis.

Na reunião, Meirelles disse que não havia perigo para o Brasil na crise norte-americana, já que nossas exportações para aquele país são apenas 15% do total que vendemos no exterior. Em suma, parece ter repetido o que já havia dito alguns dias antes – a de que nosso crescimento está baseado no mercado interno, por isso a crise dos EUA não nos afetará.

Tudo isso é verdade – ou, pelo menos, tem tudo para ser verdade. Com o mercado interno que temos, uma crise nos EUA pode ser muito benéfica para o Brasil. A condição primordial para isso, naturalmente, é o aumento do poder aquisitivo da população, ou seja, o aumento do salário real e o aumento do crédito aos consumidores e às empresas. O que implica, evidentemente, na queda dos juros. Mercado significa, precisamente, gente que possa comprar mercadorias produzidas pelas empresas e, também, empresas que, para produzir, possam comprar mercadorias de outras empresas. Com os juros nos níveis atuais, boa parte, talvez a maior parte da população, ainda está fora do mercado – simplesmente porque não tem dinheiro para comprar nem mesmo produtos essenciais para uma vida civilizada.

Porém, Meirelles, depois de garantir ao presidente e aos ministros que o Brasil não será afetado, foi fazer jus aos trinta dinheiros – aliás, meio bilhão de dólares – que recebe do BankBoston. Na reunião do Copom, a taxa básica de juros brasileira, a Selic, foi mantida em patamares próximos ao pico do Monte Elbert, ponto mais alto das Montanhas Rochosas norte-americanas.

E os juros altos foram mantidos porque, segundo disse o Meirelles do BC, ao contrário do que disse o Meirelles do Ministério, “o Brasil não está imune à crise”. Realmente, mantendo os juros no espaço, não está mesmo.

Interessante que o banco central dos EUA, o FED – instituição privada mantida pelos monopólios financeiros dos EUA – acaba de baixar os juros em 0,75 pontos percentuais. Antes disso, já havia baixado os juros em setembro, outubro e dezembro. Ou seja, se o problema fosse manter uma taxa “atrativa” para o capital especulativo forâneo, Meirelles poderia baixar os nossos juros e ainda manter essa “atratividade”. Mas é óbvio que o problema dele não é só manter uma taxa “atrativa” para os especuladores externos, e sim encher os cofres deles com o máximo de recursos do nosso país que seja possível. Daí a manutenção dos juros em 11,25%.

A crise norte-americana é uma oportunidade do Brasil crescer de forma mais desimpedida. Aliás, sempre foi assim em todas as crises econômicas nos países centrais, quando o país foi governado a partir de dentro do Brasil e não a partir de fora. Manter os juros altos agora é o sinal para que os especuladores de outras bandas do planeta, em especial Wall Street e adjacências, saqueiem o nosso país para tentar cobrir seus prejuízos.

Ao mesmo tempo, os juros altos restringem o mercado interno, questão que se torna aguda no momento em que é provável uma diminuição em nosso saldo comercial (exportações menos importações). Por isso, a queda dos juros, o aumento do crédito, é essencial para as empresas, para a população e, portanto, para o país. Mantê-los altos é importar a crise dos EUA em troca de exportar dinheiro para lá.

Os juros altos, portanto, restringem o mercado, restringem a produção – e com isso a capacidade do país se desenvolver com a crise dos países centrais, que é também uma crise de sua dominação econômica sobre os países periféricos.

Mas, segundo Meirelles, “avaliando o cenário macroeconômico e as perspectivas para a inflação, o Copom decidiu, por unanimidade, manter a taxa Selic em 11,25% ao ano, sem viés. O Comitê irá acompanhar a evolução do cenário macroeconômico até sua próxima reunião, para então definir os próximos passos na sua estratégia de política monetária”.

FIGUEIRA

A inflação entrou aí – já que o presidente falou em Santa Ceia – como Pilatos no credo. Não há nenhuma ameaça de surto inflacionário. E, mesmo que houvesse, só os cabeças de bagre do Copom é que acham – se é que acham – que a solução para a inflação é aumentar os juros, isto é, deixar todo mundo sem dinheiro, exceto meia dúzia de bancos e monopólios privados, em geral externos.

Quanto ao resto da macro-bobagem acima citada, não é novidade perceber que todo Judas é um vigarista – e há alguns que são, mesmo, macro-vigaristas. Porém, não é todo Judas que tem a decência de se enforcar na primeira figueira à beira da estrada. Como não temos a pretensão de ser Jesus Cristo, é preciso botá-los fora da Santa Ceia para que o país não seja crucificado, morto e sepultado.

CARLOS LOPES
Hora do Povo

Rizzolo: Fica claro que se temos que fortalecer o mercado interno para blindarmos ainda mais nossa economia, a manutenção das taxas de juros não faz sentido; até porque não existe um perigo eminente de inflação. Também fica patente provável possibilidade da queda dos preços das commodities, o que justificaria também um aquecimento maior do mercado interno. Assim sendo, a quem interessaria as taxas de juros nesse patamar? A resposta é: aos especuladores internacionais, ao dinheiro nervoso, do ganho rápido, que não é investido na produção e que não gera desenvolvimento, emprego, robustez econômica.

Outro fator de defesa da economia brasileira e que vem corroborar as justificativas contra a manutenção destas taxas, são as reservas internacionais – US$ 185,024 bilhões até o dia 18, conseqüência dos saldos comerciais elevados que o país gerou desde 2003. Essas reservas poderão ser usadas pelo governo, para defender o real e evitar fortes e bruscas desvalorizações originadas de um colapso de capitais internacionais para o país, caso isso venha a ocorrer. Isso neutralizará possíveis riscos de reaceleração inflacionária, evitando que o Banco Central eleve a taxa de juros o que provocaria uma retração econômica. Agora, realmente foi a reunião do Ministério foi uma verdadeira Santa Ceia. Não faltou nem mesmo um Judas Iscariotes, e o sacrificado, se continuar prevalecendo essa política de Cassino, vai ser mais uma vez o povo brasileiro.

Paulo Nogueira Batista Jr: “Ansiedade e pânico nos EUA”

Aqui nos a situação econômico-financeira é tenebrosa, como se sabe. Imigrantes brasileiros, por exemplo, começam a retornar ou a planejar o retorno para casa. O diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, declarou que a situação é “séria”. Muitos já perderam a esperança de que uma recessão possa ser evitada.

Por Paulo Nogueira Batista Jr*

Isso me faz lembrar uma história de Winston Churchill. Certa vez, quando ele era primeiro-ministro, Churchill teve um encontro com a sua contraparte da República da Irlanda. Os dois países enfrentavam grandes dificuldades na época.

Churchill disse ao primeiro-ministro irlandês que a situação da Inglaterra era “serious but not hopeless” (séria mas não desesperançada ou irremediável). E o irlandês respondeu, segundo relato de Churchill, que a situação no país dele era “hopeless but not serious”.

A situação atual dos EUA está mais para a da Inglaterra ou a da Irlanda de então? Difícil dizer. Os americanos talvez estejam pagando o preço econômico por ter conferido dois mandatos consecutivos a George W. Bush. Oito anos! Eis o resultado: em algumas áreas importantes da economia e do sistema financeiro, a superpotência acumulou ao longo desses anos indicadores dignos de uma república bananeira, como já tive ocasião de comentar nesta coluna.

O presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, ao depor na quinta-feira passada em uma comissão do Congresso, tinha a ansiedade estampada no rosto. O pacote de estímulo fiscal, cujas linhas gerais foram anunciadas pelo presidente Bush na sexta, foi considerado vago e insuficiente, desencadeando uma situação de quase pânico nos mercados financeiros internacionais. Em resposta, o Fed acabou antecipando em uma semana o corte de 0,75 ponto percentual que seria feito na reunião regular dos dias 29 e 30 – decisão pouco usual que demonstra o grau de preocupação da autoridade monetária.

O Fed está correndo atrás do prejuízo. As autoridades monetárias e fiscais subestimaram a extensão da crise e agora têm pouco tempo para agir. Reina uma certa afobação, tanto no Fed como no Executivo e no Congresso. A decisão de antecipar o corte de juros, por exemplo, pode ter impacto ambíguo, sobretudo quando tomada de afogadilho. Por um lado, o efeito é positivo – o Fed finalmente acordou para a gravidade da crise. Por outro, pode gerar mais insegurança – o que é que o Fed sabe que nós não sabemos?

A ansiedade dos responsáveis pela política econômica é compreensível.

É perigoso entrar em uma recessão com o sistema financeiro tão fragilizado e vários bancos importantes tão vulneráveis. A recessão, ao gerar dificuldades adicionais de pagamento para pessoas físicas e jurídicas, levaria a um agravamento dos problemas dos bancos e de outras instituições, colocando em risco a solvência do sistema financeiro. Por sua vez, o agravamento dos problemas financeiros realimentaria as forças recessivas, criando um círculo vicioso que pode ser difícil de quebrar mais à frente.

A insistência na urgente adoção de um pacote de estímulo fiscal (com aumentos de gastos e redução de tributos) também tem sua razões. O peso de evitar ou amenizar a recessão não pode recair exclusivamente sobre o Federal Reserve. Se tudo depender de diminuições adicionais da taxa de juro, o dólar ficará sob pressão nos mercados internacionais. A depreciação pode transformar-se em colapso, solapando a confiança no dólar como moeda internacional de reserva.

* Economista e diretor-executivo do FMI

Artigo publicado na edição desta quinta-feira (24) da Folha de S.Paulo

Rizzolo: O efeito ansiedade não é bom para a economia, contudo, não restou outra alternativa ao Federal Reserve a não ser as medidas tomadas às pressas. O fato de Bush estar tanto tempo na presidência, contribuiu para que sua política de beligerância se tornasse mais importante do que uma eventual regulamentação financeira, dentro do mercado americano. Especuladores do calibre de Soros admitem essa falha. Eu já não definiria que a situação não é “serious but not hopeless” ou “hopeless but not serious”, mas na verdade ” quite serious “. No tocante ao medo sobre o que pode acontecer, “Quem sabe teme. Quem sabe muito, não sai de casa. Quem sabe ainda mais, tranca-se no armário. Quem sabe demais, fica mesmo no cofre . ” ( risos..)