Instinto de Lula não se enganou quando ele falou, com Meirelles presente, na reunião ministerial: “esta mesa aqui parece a Santa Ceia”
Disse o presidente Lula, na reunião do seu Ministério na quarta-feira, que “esta mesa aqui parece a Santa Ceia”. Mais uma vez não se enganou o instinto operário do nosso presidente. Veja, leitor, o que aconteceu.
Na tarde do mesmo dia, um dos participantes da reunião esgueirou-se em meio ao crepúsculo vespertino que anunciava a noite, lentamente encobrindo a capital da República, escoando-se sorrateiramente em direção ao Banco Central. Poucas horas depois, o Copom – isto é, a diretoria do BC – anunciou que a taxa básica de juros estava mantida em 11,25% e sem qualquer perspectiva (“viés”) de baixa. Pior ainda, foi a terceira vez seguida que os juros foram mantidos inalterados, sem que existisse qualquer razão para isso – e existindo todas as razões para baixá-los.
O elemento que se esgueirou da reunião do Ministério para a atmosfera crepuscular de Brasília foi o presidente do BC e do Copom, Henrique Meirelles.
INFORMANTE
Portanto, razão tem o nosso presidente. A reunião do Ministério foi uma verdadeira Santa Ceia. Não faltou nem mesmo um Judas Iscariotes. Dizem até que havia dois, se contarmos com o ministro da cultura alienígena, aliás, “globalizada”. Mas este, pelo menos, não proferiu mais um aforismo sobre o não-ser sendo um ser sem ser um não-ser sendo – notória especialidade filosófica que desenvolveu ao longo dos anos etéreos de sua existência.
Já Meirelles, na falta do ministro Mantega, acometido por um mal-estar odontológico, foi o informante da reunião. Conseguiu dar um informe sobre a crise americana e seus reflexos no Brasil em dez minutos. Dentro em breve ele conseguirá resumir a obra de Adam Smith em menos tempo ainda… Se é que ele ouviu falar nesse pensador escocês. Embora, pensando bem, 10 minutos de Meirelles devem ter sido muito mais do que a maioria dos ministros – e demais seres humanos – pode suportar sem que apareçam sinais premonitórios de convulsões e outros fenômenos desagradáveis.
Na reunião, Meirelles disse que não havia perigo para o Brasil na crise norte-americana, já que nossas exportações para aquele país são apenas 15% do total que vendemos no exterior. Em suma, parece ter repetido o que já havia dito alguns dias antes – a de que nosso crescimento está baseado no mercado interno, por isso a crise dos EUA não nos afetará.
Tudo isso é verdade – ou, pelo menos, tem tudo para ser verdade. Com o mercado interno que temos, uma crise nos EUA pode ser muito benéfica para o Brasil. A condição primordial para isso, naturalmente, é o aumento do poder aquisitivo da população, ou seja, o aumento do salário real e o aumento do crédito aos consumidores e às empresas. O que implica, evidentemente, na queda dos juros. Mercado significa, precisamente, gente que possa comprar mercadorias produzidas pelas empresas e, também, empresas que, para produzir, possam comprar mercadorias de outras empresas. Com os juros nos níveis atuais, boa parte, talvez a maior parte da população, ainda está fora do mercado – simplesmente porque não tem dinheiro para comprar nem mesmo produtos essenciais para uma vida civilizada.
Porém, Meirelles, depois de garantir ao presidente e aos ministros que o Brasil não será afetado, foi fazer jus aos trinta dinheiros – aliás, meio bilhão de dólares – que recebe do BankBoston. Na reunião do Copom, a taxa básica de juros brasileira, a Selic, foi mantida em patamares próximos ao pico do Monte Elbert, ponto mais alto das Montanhas Rochosas norte-americanas.
E os juros altos foram mantidos porque, segundo disse o Meirelles do BC, ao contrário do que disse o Meirelles do Ministério, “o Brasil não está imune à crise”. Realmente, mantendo os juros no espaço, não está mesmo.
Interessante que o banco central dos EUA, o FED – instituição privada mantida pelos monopólios financeiros dos EUA – acaba de baixar os juros em 0,75 pontos percentuais. Antes disso, já havia baixado os juros em setembro, outubro e dezembro. Ou seja, se o problema fosse manter uma taxa “atrativa” para o capital especulativo forâneo, Meirelles poderia baixar os nossos juros e ainda manter essa “atratividade”. Mas é óbvio que o problema dele não é só manter uma taxa “atrativa” para os especuladores externos, e sim encher os cofres deles com o máximo de recursos do nosso país que seja possível. Daí a manutenção dos juros em 11,25%.
A crise norte-americana é uma oportunidade do Brasil crescer de forma mais desimpedida. Aliás, sempre foi assim em todas as crises econômicas nos países centrais, quando o país foi governado a partir de dentro do Brasil e não a partir de fora. Manter os juros altos agora é o sinal para que os especuladores de outras bandas do planeta, em especial Wall Street e adjacências, saqueiem o nosso país para tentar cobrir seus prejuízos.
Ao mesmo tempo, os juros altos restringem o mercado interno, questão que se torna aguda no momento em que é provável uma diminuição em nosso saldo comercial (exportações menos importações). Por isso, a queda dos juros, o aumento do crédito, é essencial para as empresas, para a população e, portanto, para o país. Mantê-los altos é importar a crise dos EUA em troca de exportar dinheiro para lá.
Os juros altos, portanto, restringem o mercado, restringem a produção – e com isso a capacidade do país se desenvolver com a crise dos países centrais, que é também uma crise de sua dominação econômica sobre os países periféricos.
Mas, segundo Meirelles, “avaliando o cenário macroeconômico e as perspectivas para a inflação, o Copom decidiu, por unanimidade, manter a taxa Selic em 11,25% ao ano, sem viés. O Comitê irá acompanhar a evolução do cenário macroeconômico até sua próxima reunião, para então definir os próximos passos na sua estratégia de política monetária”.
FIGUEIRA
A inflação entrou aí – já que o presidente falou em Santa Ceia – como Pilatos no credo. Não há nenhuma ameaça de surto inflacionário. E, mesmo que houvesse, só os cabeças de bagre do Copom é que acham – se é que acham – que a solução para a inflação é aumentar os juros, isto é, deixar todo mundo sem dinheiro, exceto meia dúzia de bancos e monopólios privados, em geral externos.
Quanto ao resto da macro-bobagem acima citada, não é novidade perceber que todo Judas é um vigarista – e há alguns que são, mesmo, macro-vigaristas. Porém, não é todo Judas que tem a decência de se enforcar na primeira figueira à beira da estrada. Como não temos a pretensão de ser Jesus Cristo, é preciso botá-los fora da Santa Ceia para que o país não seja crucificado, morto e sepultado.
CARLOS LOPES
Hora do Povo
Rizzolo: Fica claro que se temos que fortalecer o mercado interno para blindarmos ainda mais nossa economia, a manutenção das taxas de juros não faz sentido; até porque não existe um perigo eminente de inflação. Também fica patente provável possibilidade da queda dos preços das commodities, o que justificaria também um aquecimento maior do mercado interno. Assim sendo, a quem interessaria as taxas de juros nesse patamar? A resposta é: aos especuladores internacionais, ao dinheiro nervoso, do ganho rápido, que não é investido na produção e que não gera desenvolvimento, emprego, robustez econômica.
Outro fator de defesa da economia brasileira e que vem corroborar as justificativas contra a manutenção destas taxas, são as reservas internacionais – US$ 185,024 bilhões até o dia 18, conseqüência dos saldos comerciais elevados que o país gerou desde 2003. Essas reservas poderão ser usadas pelo governo, para defender o real e evitar fortes e bruscas desvalorizações originadas de um colapso de capitais internacionais para o país, caso isso venha a ocorrer. Isso neutralizará possíveis riscos de reaceleração inflacionária, evitando que o Banco Central eleve a taxa de juros o que provocaria uma retração econômica. Agora, realmente foi a reunião do Ministério foi uma verdadeira Santa Ceia. Não faltou nem mesmo um Judas Iscariotes, e o sacrificado, se continuar prevalecendo essa política de Cassino, vai ser mais uma vez o povo brasileiro.