Discípulos de Juan Carlos querem calar a OAB

Foi durante a ditadura militar que a Nobre Ordem dos Advogados do Brasil, juntamente com a Igreja e outros representantes da sociedade, demonstraram sua indignação, coragem, e posturas destemidas, aos que na época jogaram os direitos de cidadania do povo brasileiro numa escuridão sem limites, onde a censura, a falta de informação, o sigilo de cunho fascista, levava aos porões da ditadura aqueles que se levantavam contra toda ordem de injustiça que na época reinava.

Na falta de informação, na férrea censura da imprensa e de todos os meios de comunicação, crimes contra a humanidade corriam por todos os cantos do País sob a égide da legitimidade, nos pretextos da segurança nacional. Como uma voz destemida, surgia a OAB na defesa dos interesses da nação, forte, rígida, representada por advogados na sua maioria paulistas que não se intimidavam de forma alguma, frente aos impiedosos do regime de exceção. A nossa Ordem como guardiã da cidadania, sempre se levantou em oposição aos regimes totalitários e aos desmandos de governos autoritários, promovendo a defesa intransigente do Estado Democrático de Direito. Talvez seja esse orgulho, que impulsiona até hoje velhos advogados como meu pai, que aos 82 anos se reúne todos os anos com seus colegas de turma, em lembrança aos tempos da velha Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, trincheira de luta de renomados advogados.

Mas a advocacia mudou, não há mais a cordialidade e a distinta urbanidade que havia entre os advogados e demais membros do Judiciário. Alguns por se acharem chancelados por um concurso público, numa ” metamorfose ambulante”, parafraseando nosso presidente, viram as costas para a advocacia e seus membros. Se alçam face ao cargo, numa posição superior, soberba, muitas vezes humilhando o pobre advogado no árduo exercício de suas funções, intimidam-no com ordens de prisão descabidas vindas do alto do “parquet”, para que de forma submissa se posicione o pobre advogado resignado, aos desígnios de sua autoridade. Por sorte, poucos são os magistrados, membros do Ministério Público e autoridades públicas em geral, que desta forma agem. Por virtude ainda, existe nos corações dos muitos membros do judiciário e do executivo, as lembranças e o respeito aos colegas de carteira que hoje transitam na labuta jurídica solitária do dia-a-dia, por muitas vezes estressados e vivenciando problemas financeiros.

Mas o brado na defesa intransigente daqueles que sofrem os efeitos dos desmandos de autoridades públicas existe na nossa Ordem. As violações às prerrogativas dos advogados estão previstas pela Lei Federal 8.906/94, nela encontra-se o amplo direito ao contraditório, e se constatado o abuso, há, sim, o ato de publicidade. Ao contrário dos desmandos ocorridos na época do regime militar, a Ordem exercita aquilo de mais nobre, que jamais houve nos regimes ditatoriais ou de exceção: a publicidade dos atos, dos nomes dos servidores autoritários, e repito, que após terem passado pelo direito de ampla defesa, se constatou a violação. Por muito menos se faz ao pobre, ao simples cidadão devedor, a publicidade de seu nome em listas de cunho averiguatório comercial.

Como poderíamos como defensores da cidadania sermos alvo de desmandos por parte de autoridades públicas, por muitas vezes humilhados publicamente, e ficarmos calados? Pronta foi de fato, as respostas dos dirigentes da OAB Federal e paulista, esta última, na pessoa do Nobre presidente da seccional Luiz Flávio D´Urso, que rechaçaram as acusações com veemência vindas de instituições que outrora caminhavam lado a lado com a OAB na busca dos interesses do povo brasileiro.

Lamentavelmente, acredito que o episódio envolvendo o procurador-geral de Justiça de São Paulo, ao adjetivar como “fascista” a atuação da OAB-SP na defesa das prerrogativas dos advogados, seja fruto do pouco senso de cordialidade, do pouco coleguismo do antigamente, e talvez, da impossibilidade de ter vivenciando o senso de coleguismo tão comum entre os profissionais do direito onde impera o respeito mútuo. Hoje, jornalistas como Elio Gaspari e alguns poucos membros do Judiciário, tentam amordaçar a OAB, desqualificando-a numa tentativa de faze-la serviçal aos interesses que não pertencem à essência da instituição, que é acima de tudo, discutir o Brasil e levar ao povo brasileiro a defesa da ética e da liberdade. Se pudessem diriam em bom tom ” Porque non te callas OAB?”

Fernando Rizzolo

Demanda é que não vai faltar

A Europa que exige pedigree dos nossos bois é a mesma que tenta nos impingir a importação de suas montanhas de pneus usados. Querem vacas com check-up, enquanto nos empurram o lixo deles

Há alguns dias, a principal revista americana sobre a indústria do cinema publicou um texto para dizer que o filme brasileiro Tropa de elite é fascista. Foi o que bastou para despertar aqui as vozes de sempre, ecoando a tese e apresentando o veredicto da Variety como prova de que estariam corretas as críticas ao filme de José Padilha.

Num outro episódio, aparentemente desconectado desse, o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, protagonizou na quarta-feira o inusitado espetáculo de comparecer ao Congresso Nacional para fazer o papel de advogado do protecionismo europeu contra a carne bovina brasileira.

Nada a ver? Tudo a ver, infelizmente. São ainda marcantes entre nós os traços mentais resultantes de séculos de dominação colonial. Se alguém com sobrenome anglo-saxônico deita falação na Variety, ou no The New York Times, tem razão a priori. Se a Europa, a pretexto de “proteção sanitária”, estabelece unilateralmente o número de fazendas brasileiras das quais importará carne, também está certa, por definição.

Qual foi o último filme americano que merece ser celebrado como crítica radical ao mercado de consumo de drogas nos Estados Unidos? O problema dos gringos com Tropa de elite tem a mesma raiz dos ataques desferidos contra a obra pelos nossos círculos supostamente bem-pensantes. Não aceitam o fato de que o consumo pelas classes média e alta é o principal estímulo à produção crescente de drogas e ao narcotráfico. E, portanto, à disseminação da violência e da insegurança. A questão está sintetizada numa das frases antológicas do Capitão Nascimento:

Eu sempre me pergunto: quantas crianças a gente tem que perder para o tráfico só para um playboy rolar um baseado?

Talvez por ignorância, não me lembro de um filme americano que tenha colocado a questão nesses termos. Dirão os cínicos que é porque os Estados Unidos são o maior mercado consumidor de drogas do planeta. Para compensar esse detalhe, despejam dinheiro, armas e soldados na repressão aos mercados produtores, em países da periferia do sistema. O único problema é que de vez em quando topam com um Evo Morales.

O tratamento que os americanos dão ao flagelo da droga supõe a existência de duas categorias de cidadãos. Os deles, que merecem ser afagados e compreendidos — e cujas escolhas comportamentais devem ser lançadas na conta dos tempos modernos. E os demais, sobre quem vai recair o ônus de pagar pelos pecados de uma sociedade doente.

Ora, também no tema da carne brasileira exportada para a Europa institucionalizam-se duas categorias de consumidores. Se o Ministério da Agricultura considera que determinada carne é adequada ao consumo dos brasileiros, por que razão não seria adequada à mesa dos europeus? Em outras palavras, se um certo produto alimentar não tem condições sanitárias para entrar no mercado europeu, tampouco deveria ter sua venda autorizada aqui.

Os países desenvolvidos compensam a ineficiência de sua agricultura com pesados subsídios e com barreiras protecionistas, algumas vezes embaladas com roupas “ecológicas” ou “sanitárias”. É justíssimo que haja preocupações sanitárias e ecológicas quando se trata de produzir alimentos, mas isso não deve nos condenar à ingenuidade ou à subserviência nas relações comerciais com o Velho Mundo.

Até porque, recorde-se, a Europa que exige pedigree dos bois brasileiros é a mesma que tenta nos impingir a todo custo a importação de suas montanhas de pneus usados. Enquanto pedem de nós vacas com check-up, empurram-nos o lixo deles em forma de borracha.

Se o Brasil acha que as exigências sanitárias da União Européia são razoáveis, deve implantá-las internamente. Se houver lógica em mais de duas mil fazendas brasileiras de primeira linha serem proibidas de exportar para os europeus, elas também devem ser impedidas de colocar seu produto na casa do cidadão brasileiro. Mas, se o governo acha que os obstáculos são apenas protecionismo disfarçado, deve reagir. Na Organização Mundial do Comércio (OMC) e no mercado. Retaliando. Que os europeus sintam no bolso as conseqüências da arrogância imperial.

De vez em quando, orgulho nacional nos faria bem. Na cultura e nos negócios. Ainda por cima quando os fatos ajudam. Tropa de elite é ótimo e nada tem de fascista. E, no ritmo em que cresce o consumo chinês, demanda por carne de vaca é que não vai faltar.

Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje (15/02/2008) no Correio Braziliense
por Alon Feuerwerker

Rizzolo: Com efeito, o problema do embargo à carne brasileira é bem complexo, passa por questões internas da própria União Européia onde produtores irlandeses se posicionam pressionando os governos, e muito pela incompetência do governo representada na sua postura indisciplinada, quando do não atendimento das exigências básicas para o fornecimento da carne a EU. Tudo foi muito mal conduzido, do ponto de vista técnico e político. Questões primárias como apresentar o número exato de fazendas credenciadas, 300 e não mais; apresentaram 2500, e pior, o governo não se conforma com as devidas exigências, apostou, sim, no ” jeitinho europeu” que não existe por lá. Entendo que tudo é uma questão de disciplina, capacidade de gerenciamento e de gestão, o que não há nesse governo, onde tudo é resolvido na base do acordo, da negociação, bem típico de sindicato, de negociação ” trabalhista”, isso não funciona. Um País não se administra dessa forma. Hoje o governo tem desde o segundo escalão ao terceiro ” líderes comunitários petistas “, pessoal despreparado, sem cultura que acaba influenciando de certa forma ” a jeito petista de gerir as coisas públicas “. O resultado é desastroso, desde a carne ao desmatamento, passando também pela seara da ética.