Na quinta-feira (14/2), em uma audiência pública no Senado Federal sobre a transposição do Rio São Francisco, o deputado federal e ex-ministro Ciro Gomes (PSB-CE) assumiu que as populações difusas do semi-árido brasileiro não serão beneficiadas.
Ciro defendeu o projeto afirmando que há vazão suficiente no rio para se retirar o mínimo de 26m³/s previstos para a transposição, sem prejudicar nenhuma das funcionalidades do rio. Por outro lado, reconheceu que “essa conversa mole de ‘um copo d’água pra quem tem sede’, isso tudo é papo furado. Não é a redenção do Nordeste nem nada, mas resolve a questão da segurança do abastecimento humano e dessedentação animal para 12 milhões de pessoas na área de influência do projeto”, disse o deputado.
“Para chegar a 12 milhões de pessoas [até 2025], eles consideram cidades de médio e grande porte como Fortaleza, Mossoró, João Pessoa… cidades que não vivem situações alarmantes de seca. Quando falam de segurança hídrica, significa que a água vai para a onde ela já está concentrada, para os grandes reservatórios”, rebateu Luciano Silveira, da coordenação da Articulação do Semi-Árido (ASA), lembrando que, pela primeira vez, os defensores do projeto assumem que a população rural do Semi-Árido continuará excluída. “Isso corresponde à metade da população do Semi-Árido (10 milhões de habitantes). Fica evidente a incoerência do projeto, excluindo a população que mais sofre com a seca, que é também a que mais migra”, acrescentou.
Dom Luiz alerta que projeto é “anti-ético”
Em sua fala, a primeira da audiência, Dom Luiz Cappio, bispo de Barra/BA, mostrou que a transposição beneficiará os grandes produtores nordestinos, em detrimento da população sertaneja que não tem acesso à água. Ele comparou o projeto com alternativas propostas para a região como as obras do Atlas do Nordeste, desenvolvido pela Agência Nacional de Águas, do próprio governo federal. Enquanto a transposição pretende atender 12 milhões de pessoas em 4 estados, o Atlas pode beneficiar 34 milhões de pessoas em 10 estados pela metade do custo. Ele reforçou que o projeto de transposição tem fins econômicos, como produção de frutas para exportação e criação de camarão em cativeiro.
O bispo reafirmou que o governo faz uma propaganda enganosa em torno da transposição. “O projeto é antiético, pois usa a boa-fé das pessoas. A população deveria ser prioridade, se fosse assim, seríamos a favor”, disse. Dom Luiz criticou a postura do governo em desconsiderar os impactos ambientais da transposição; os impactos sociais para 156 comunidades quilombolas, 34 povos indígenas e diversas comunidades ribeirinhas; além de ignorar a legislação brasileira, incluindo a Lei de Recursos Hídricos. “Água temos em abundância, o que nos falta é a democratização da água”, concluiu.
Nova audiência será marcada
Alguns senadores propuseram que um novo debate para maiores esclarecimentos ocorra no Senado. Além disso, uma comissão de senadores deve visitar o Rio São Francisco em julho. A intervenção de todos os participantes pode ser lida no site http://www.senado.gov.br/Agencia/verNoticia.aspx?codNoticia=71510&codAplicativo=2
“Hoje foi um dia de cidadania. Pena que está acontecendo depois das obras terem começado”, disse Dom Luiz ao agradecer a oportunidade. Em 2005, após o primeiro jejum do frei em protesto contra a transposição, Lula havia se comprometido a debater o projeto antes do início das obras. Ao encerrar a audiência, o bispo fez uma proposta ao plenário: “não seria mais interessante colocar o Exército a serviço da revitalização do São Francisco e de outras bacias, já que a revitalização é um consenso nacional?”.
A audiência, requerida pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP), durou mais de 6 horas, com a participação de vários oradores. O público acompanhou o debate na Tribuna de Honra e nas galerias do plenário. A audiência foi transmitida ao vivo para todo o Brasil pela TV Senado.
Contrários ao projeto falaram na tribuna: Dom Luiz Flávio Cappio, bispo de Barra (BA); Luciano Silveira, da coordenação da Articulação do Semi-Árido (ASA); Luciana Khoury, promotora de Justiça da Bahia e coordenadora da Promotoria de Justiça do Rio São Francisco; Apolo Heringer Lisboa, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas e coordenador do projeto Manuelzão (UFMG); João Abner, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte; Henrique Cortez, ambientalista e coordenador do portal EcoDebate; Letícia Sabatella, Osmar Prado e Carlos Vereza, atores e integrantes do Movimento Humanos Direitos.
Ao chegar ao plenário, Dom Tomás Balduino, bispo emérito de Goiás, foi convidado pela presidência da mesa a se dirigir à tribuna. Breve e taxativo, o bispo enfatizou que essa discussão não diz respeito somente à água, mas ao modelo de desenvolvimento e à convivência com o Semi-Árido.
Defenderam a transposição: Geddel Vieira Lima, ministro da Integração Nacional; Ciro Gomes (PSB-CE), deputado federal e ex-ministro da Integração Nacional; João Reis Santana Filho, secretário de Infra-Estrutura Hídrica do Ministério da Integração Nacional; Marcondes Gadelha (PSB-PA), deputado federal; Rômulo Macedo, gerente do Programa São Francisco, de responsabilidade do Consórcio Logos-Concremat; Paulo Canedo de Magalhães, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro; Dom Aldo Di Cillo Pagotto, arcebispo da Paraíba e presidente do Comitê Paraibano em Defesa da Integração de Bacias e de Transposição das Águas do Rio São Francisco.
A audiência foi realizada pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), em conjunto com as Comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE); de Serviços de Infra-Estrutura (CI); e de Desenvolvimento Regional e Turismo (CDR).
Projeto de Transposição – O governo pretende construir canais de concreto a céu aberto que somam 720km, correspondendo aproximadamente à distância, por rodovia, entre Belo Horizonte e Brasília. Partindo de dois pontos de captação em Pernambuco, as águas do São Francisco percorreriam dois caminhos: o Eixo Norte (Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte) e o Eixo Leste (Pernambuco e Paraíba). O volume a ser retirado continuamente do rio para transposição, outorgado pela Agência Nacional de Águas, é 26,4m3/s. A estrutura projetada é para uma vazão máxima de 127m3/s.
por Renina Valejo (Cáritas Brasileira). Colaborou Marcy Picanço (Cimi).
Caritas Brasileira CNBB
Rizzolo: A transposição do rio São Francisco é uma obra do ponto de vista técnico pródiga, sem sentido, visando apenas os interesses dos poderosos. Em um artigo meu na revista Cáritas da CNBB, tento discorrer sobre esse tema. Na verdade, a transposição não passa de mais uma gastança excluindo os pobres promovida pelo governo, e árduamente defendida pelo Sr. presidente Luiz Inácio da Silva e por aqueles que se dizem pertencer a ” esquerda”.