Lula descobriu que Matilde é inimputável

Um novo conceito de inimputabilidade surgiu ontem nas palavras do presidente Lula, quando pretendeu dar uma nova embalagem ao que chamamos de eventual desvio de dinheiro público; passou entende-lo como uma simples questão de caráter administrativo. Parafraseando o presidente, “nunca antes nesse País” a inimputabilidade fora argüida e defendida de forma tão apaixonada, não por debates jurídicos nos tribunais, tampouco por jurisprudências emanadas das instâncias forenses, mas sim vindas da popularidade e da visão simplória de Lula.

O presidente, defendeu nesta quarta-feira, 20, a ex-ministra da Igualdade Racial Matilde Ribeiro, que deixou o cargo por conta das denúncias de mau uso do cartão corporativo do governo, como se a mesma fosse uma incapaz, uma inimputável. Segundo Lula, “Ela saiu do governo sem ter cometido nenhum crime, não cometeu nenhum delito, teve apenas falhas administrativas”.

Não tardou o presidente, ao saber que sua popularidade encostava ao céu, para afirmar que Matilde, nada fez, postulando sua inocência numa postura confortável, condizente de quem se dá ao luxo de dizer o que quer face a sua popularidade. Lamentavelmente, o presidente Lula ao chancelar que os eventuais gastos com o erário público através do mau uso do cartão corporativo, não é crime, desqualifica uma norma moral se não penal, e se alça numa posição acima dos conceitos mínimos de ética e da boa gestão administrativa.

Mas como não existe pecado aos que queridos e populares são ao povo, o Brasil esvazia os toneis da probidade e legitima posturas amorais que deveriam ser rechaçadas com veemência. O problema toma corpo quando a questão racial é levantada de forma a encobrir os fatos. Da maneira em que foi colocada a questão, nos leva a imaginar que a condição racial de Matilde contribuiu para que o governo tomasse medidas drásticas, e isso não ocorreu, o que houve, sim, foi uma atitude face a um ato de improbidade, que não deve ser justificado ou abrandado. Na verdade ela saiu mesmo porque, se ficasse tendo comprovadamente desviado dinheiro público para compras particulares, os massacrados seriam Lula e a defesa do governo no uso dos cartões corporativos.

Fico a imaginar como deve se sentir aqueles que julgados cometeram delitos de menor potencial delitivo, que causaram menor lesão patrimonial, e que no rigor da Lei, cumprem penas nas penitenciárias. Infelizmente as afirmativas presidenciais denotam um aspecto simplório e distorcido na análise dos fatos que envolveram o uso do dinheiro público . É de se pensar, que da forma que as coisas caminham, aqueles que lotam as fétidas prisões do Brasil, se lembrarão com certeza dessa visão presidencial abrandada sobre o que vem a ser um ato condenável, e ao olharem para o teto úmido da povoada cela na fria madrugada, se lembrarão enfim, de suas terríveis ” falhas administrativas “, que acabaram levando-os às barras da Justiça. Compreenderão então, o quanto o Direito é interpretativo.

Fernando Rizzolo

O otimismo é o grande eleitor

Como é possível que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva atinja picos de popularidade e aprovação enquanto as simulações de voto apontam liderança folgada dos candidatos da oposição na corrida pela sucessão presidencial em 2010? Esse aparente paradoxo aparece nos números da pesquisa CNT/Sensus, que pode ser conferida em reportagem às páginas 2 e 3 desta edição [do Correio Braziliense].

Há algumas hipóteses imediatas, no terreno do senso comum. Pesquisa a tanto tempo da eleição não diz muita coisa, objetam alguns. É um argumento razoável, ainda que os mesmos que torcem o nariz para a suposta antecedência excessiva fiquem eles próprios de orelha em pé a cada informação sobre intenção de voto para presidente.

Uma segunda linha é que os números refletem mais o recall do que a disposição real de votar neste ou naquele. A memória de eleições passadas certamente tem importância. Mas não explica, por exemplo, o bom desempenho de um político como Aécio Neves — que nunca disputou eleição fora de Minas Gerais e a quem falta presença nacional equivalente à de seus concorrentes pela indicação no PSDB. Aliás, se recall fosse tudo, certamente Geraldo Alckmin apareceria à frente de Aécio na espontânea, e não atrás.

Um terceiro caminho é creditar o desempenho presidencial ao “lulismo”, ao carisma de um presidente supostamente descolado de sua base partidária e cuja influência eleitoral estará limitada por não poder ele próprio concorrer a um novo mandato. “2010 será a primeira eleição sem Lula, desde a volta das diretas para presidente”, repete-se. É verdade. Lula não poderá se candidatar ele próprio daqui a três anos. Mas nada impede que venha a apoiar um “Lula”, alguém que signifique a continuidade das políticas de seu governo.

O fato é que o presidente vai muito bem, obrigado. Depois de anos de polêmicas, já há consenso de que as políticas sociais e a economia respondem estruturalmente pela popularidade de Lula e pela musculatura política dele. A variável a analisar é outra: deseja-se avaliar se, e quanto, ele será capaz de “transferir” musculatura e popularidade a um candidato.

Uma questão da pesquisa divulgada ontem pode contribuir para clarear o caminho da análise. O Sensus quis saber por quanto tempo o entrevistado acha que o Brasil vai continuar a crescer. Quase 61% responderam que o país “não vai parar” de crescer. Uma taxa alta de otimismo, especialmente porque colhida logo depois do intenso noticiário negativo decorrente da crise financeira americana.

Quando abriu seu mandato, em 2003, Lula disse que iria trabalhar para aumentar a auto-estima nacional. Parece que conseguiu. Sob Lula, pelo menos seis em cada 10 brasileiros esbanjam otimismo em relação ao futuro do país. E, se a economia e os programas sociais são o capital presente do governo, esse otimismo é o seu grande capital futuro.

Pois eleições são invariavelmente apostas sobre isso, o futuro. Currículo é pré-requisito, mas não decide. O que amarra o voto é a capacidade de liderança, de encarnar a habilidade e a força necessárias para transformar sonhos em realidade, para alcançar dias melhores. O suadouro que Barack Obama está aplicando em Hillary Clinton deveria servir de lição a esse respeito.

Lula conseguiu transformar o brasileiro médio num otimista. Se o estado de espírito persistir, o presidente da República será o principal eleitor em 2010. Mas isso não significa que a oposição vá necessariamente caminhar para o matadouro. Se ela for inteligente, poderá tentar emplacar um discurso em que estejam conectadas as realizações positivas do governo do PT e a necessidade de renovação política, sem grandes rupturas.

Até o momento, a aposta da oposição parece residir em outros lugares. Em uma suposta superioridade gerencial e administrativa que só existe na cabeça dos marqueteiros dela. Ou na tentativa de levantar o país numa cruzada moral “contra a roubalheira”, conforme o conselho de Fernando Henrique Cardoso. Os números do Sensus são a enésima evidência de que, por aí, a oposição brasileira caminha mais uma vez para a derrota. Ainda que hoje possa saborear confortáveis — e enganadores — índices de intenção de voto.

Coluna (Nas entrelinhas) publicada (19/02/2008) no Correio Braziliense.
Por Alon Feuerwerker

Rizzolo: Concordo com o Alon, não há dúvida que a imagem de Lula hoje está distanciada do PT. Ao privilegiar banqueiros, e aumentar a capacidade de renda da imensa população pobre, fez o presidente uma mistura ideal (mas pouco moral) nesse momento histórico. É inocência acreditar que a elite financeira lucrando nesse patamar vai por em risco, as espetaculares rentabilidades do setor, e os pobres que agora tem ao menos mais dinheiro no bolso e oportunidades de emprego face à situação econômica, vão descer o morro rufando seus tambores de guerra por de gastos públicos de uma ministra em free shop. Falta no momento uma consciência ética, e isso se faz com tempo, condições de vida adequadas, e educação. Caso contrário surgirão vários “Lulas” quantos for necessário, na preservação dos interesses dos poderosos em troca de algumas esmolas aos desvalidos que nada tiveram e que por pouco se tornam otimistas e gratos a quem ao menos lhes estendeu as mãos.