Por trás da questão do mal uso dos cartões corporativos, e da estratégia do governo em acobertar sua investigação fazendo uso da sua maioria no Congresso, e de outros meios de caráter duvidosos do ponto de vista ético, existe uma linguagem comum para não dizer corriqueira utilizada como instrumentação política por aqueles novos modelos de líderes que surgem na América Latina. A nova instrumentação política, envolve estratégias de acessibilidade às massas via discurso com dialética de fácil entendimento regionalizada, e que passa por cima dos meios tradicionais e convencionais de comunicação.
É de se notar, que quando Lula fala aos trabalhadores em inaugurações de obras, existe mais do que a notoriedade midiática do evento, mas sim, um interesse em jogar palavras populares que repetidas são na sua essência, e de fácil concepção diante à grande massa que pouco tem acesso ou compreensão devida da intensidade dos atos de improbidade administrativa do governo. Assim quando se coloca uma questão de relevância, como o caso do dossiê, em que esbarra e se questiona a ética de membros da Casa Civil, pouca receptividade de cunho indignatório se obtém por parte da grande massa que não lê jornais, e pouco se interessa ou compreende de forma devida o que está ocorrendo.
Dessa forma, o circunspecto populacional participativo da questão nacional, se perde face a pouca cultura e ao baixo nível intelectual da grande maioria da população. Segmento este, que acaba servindo de esteio para num golpe estratégico, dar legitimidade aos líderes populares na manipulação das situações políticas de enfrentamento, sem ao menos saírem com a perda do apoio popular e seu devido prestígio.
Pude observar isso não só no Brasil como na Venezuela, quando lá estive o ano passado a convite para participar de um Congresso em Caracas. Chavez em seu programa de domingo à tarde, fala a linguagem do povo, através de parábolas de fácil entendimento e de palavras populares do dia-a-dia. Os jornais, por sua vez, inserem comentários cuja conceituação interpretativa exige certa reflexão sobre uma seqüencia de fatos, que com certeza o trabalhador Venezuelano não tem como acompanhar face ao nível de compreensão mais apurado dos textos, e muito, em função da digestibilidade mais fácil da versão popular chavista dos fatos, delineada de forma popular. Estaríamos então diante de uma questão crucial, onde a relevância dos escândalos e das questões éticas estão represadas apenas diante de certo contingente populacional, que por tradição, já de plano não aceitam o populismo na sua essência, e já possuem capacidade reflexiva.
O fim das concessões de TV na Venezuelana, a retaliação com as elites, por muitas vezes não são bem compreendidas pelas massas, que apenas acabam se apropriando da argumentação elaborativa revelada através do discurso popular. Tal explicação poderia ser dada ao fato de que, mais vale ao trabalhador pobre brasileiro entender que existe um complô contra Lula, do que entender o mecanismo dos cartões corporativos, e quem seria o culpado pela questão da confecção do dossiê contra FHC; esses problemas, na verdade, não mergulham na análise daquele que ganha um salário mínimo, contudo, um bom discurso agressivo, com um linguajar nordestino, onde se insinua uma luta entre os ricos e pobres, entre os poderosos e aqueles que como Lula lutam em favor dos desvalidos, acaba sim prosperando, em função da capacidade comunicativa identificatória.
Numa análise perfunctória, poderíamos dizer que uma insinuação sobre os evangélicos inserido na novela das oito, tem maior profundidade contestatória nas massas do que um comentário sobre a negativa de Dilma em assumir sua culpa na confecção do dossiê, ou na eventual possibilidade da Polícia Federal entrar no caso, para dar início a uma investigação.
Poderia finalizar afirmando que muito das estratégias neopopulistas contemporâneas observadas nos governos da América Latina, estão enraizadas numa tentativa de sobrevivência em função de que acreditam elas que as oposições, contam muitas vezes com informações estratégicas internacionais, e que, os governos populistas, apenas podem se valer em desqualificar a oposição, e fazer uso de uma dialética popular de empatia, para poderem a todo custo permanecer no poder atráves de novos mandatos com o apoio popular, e ter a necessária governabilidade. Aliás do ponto de vista política estratégico, isso tudo não é novidade, advém de uma velha lição leninista, e da antiga estratégia revolucionaria de Trotsky, nada mais do que isso, apenas implementada e apresentada com uma nova roupagem, e de forma velada.
Fernando Rizzolo