Nos anos 60, era comum ouvirmos dos professores de geografia que o Brasil seria o ” celeiro do mundo”. Não estavam de todo errado. Temos terras, mão-de-obra barata, qualificada e disponível, clima que ajuda e forte presença de capital do exterior interessado na possibilidade territorial que temos, bem como nas políticas favoráveis do agronegócio. Contudo, o cenário produtor, mais especificamente o do Etanol, vai, de forma insidiosa, modificando-se, à medida que os biocombustíveis começam a ser contestados por órgãos como o Banco Mundial e que seu presidente, Robert Zoellick, considerou que a produção de biocombustíveis nos Estados Unidos e na Europa é um fator importante da disparada dos preços dos alimentos no mundo.
Com efeito, o preço do milho utilizado na produção de álcool dobrou nos dois últimos anos devido à forte demanda, e essa demanda em biocombustíveis tem um impacto em todos os preços dos produtos alimentícios. Porém, a questão é mais complexa. Há, na realidade, uma somatória de causas distintas que empurram esses preços, como a alta nos preços do petróleo, a frustração de safras por causa das condições climáticas adversas e o aumento da demanda por alimentos em países como China e Índia, como possíveis responsáveis pelo aumento dos preços dos alimentos. Temos de entender que os países da Ásia passaram a consumir mais alimentos, promovendo uma pressão inflacionária nos preços das commodities.
Ao que parece, nos defrontamos mais uma vez com uma questão política que tem uma falsa argumentação de cunho econômico, não se discutindo os aspectos globais do problema, evitando-se, principalmente, confrontar as políticas referentes aos subsídios agrícolas. De acordo com a Oxfam, organização não-governamental, os Estados Unidos dão até US$ 3,9 bilhões aos seus 25 mil produtores de algodão todos os anos. Isso, segundo a organização, seria equivalente a mais de 3 vezes a ajuda financeira dada pelo governo americano à África.
O fato é que os agricultores dos países ricos produzem muito para o próprio mercado, sendo que o excesso é “jogado” em países pobres a preços muito baixos, com os quais os produtores locais não podem competir. Além disso, quando os produtores dos países em desenvolvimento tentam exportar para os países ricos, estão na verdade competindo com agroindústrias subsidiadas. Isso portanto, é altamente desestimulante e faz com que, como afirma o ministro Mantega “muitos pequenos agricultores sejam empurrados para fora do negócio por causa de distorções criadas pelos subsídios agrícolas”.
Ao observarmos que a questão protecionista é manobrada por meio de um discurso que visa os interesses de diversos grupos, segmentos e lobbies agrícolas, temos de nos voltar ao que realmente interessa ao Brasil, e qual é, na verdade, a nossa vocação produtiva. Hoje, no Brasil, cerca de 200 milhões de hectares são destinados à pecuária. Uma realidade: temos entre 50 milhões e 60 milhões de hectares de áreas degradadas, ou seja, áreas sem vegetação de pastagens, ou escavadas, que de certa forma precisam ser recuperadas. Para tanto, o governo pretende incentivar o plantio de cana nessas localidades, o que é lovável. Esse projeto faz parte do “zoneamento para cana-de-açúcar” que deverá ser divulgado pelo governo federal.
Atualmente, o Brasil tem 7 milhões de hectares de cana cultivada, sendo 3,6 milhões para produção de etanol, o que corresponde a uma área pequena destinada para esse fim, ou seja, cerca de 5% da área cultivada brasileira. Ademais, a cana-de-açúcar não entra na cadeia alimentar animal, como no caso do milho, que é destinado a comida humana ou animal. Do ponto de vista territorial, isso já não ocorre nos EUA, onde um quarto da safra de milho é comprometido para fazer etanol, via subsídios elevadíssimos.
Não há dúvida de que a questão da produção de alimentos, assim como a expansão da cultura de cana-de-açúcar dirigida para a produção de açúcar e álcool, o etanol, passa, na verdade, por uma necessária planificação. Por todo país, centenas de centrais ou usinas sucro-alcooleiras estão sendo construídas. Novos problemas surgirão tais como poluição, péssimas condições de trabalho, de moradia, de alimentação, baixos salários e o comprometimento em determinadas áreas na eliminação da produção de alimentos.
O celeiro do mundo, na viabilização dos interesses da produção e da sociedade, terá, com certeza, que regulamentar o setor sucro-alcooleiro, não o confrontando com a produção de alimentos e minimizando os efeitos sociais que já são por demais conhecidos por todos nós.
Fernando Rizzolo
Artigo do autor publicado pela Agência Estado Broadcasting dia 30 de abril de 2008.