“Investment”, continuidade de quê?

Embora não sejam os olhos de Capitu, os jornalistas brasileiros costumam produzir textos oblíquos e dissimulados. A decisão da agência de risco Standard & Poor’s de promover o país à condição de “investment grade” fez com que a grande imprensa se esmerasse na produção da sinuosidade tão apreciada pelo “leitor Bentinho” de todo dia. Aquele que tem ressaca cívica na retina e não percebe que o arrazoado conservador, para o qual dobram os sinos de todas as editorias, é o cemitério da ética.

Embaralhando fatos e datas, a elevação do Brasil a grau de investimento foi anunciada como coroamento de um processo iniciado nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso. O mérito de Lula teria sido apenas o de dar continuidade à política econômica tucana. É como se um suposto neoconservadorismo petista demonstrasse empenho e competência na gestão da velha ordem, aperfeiçoando-a em muitos casos. Nada mais farsesco.

Carlos Alberto Sardenberg, comentarista econômico da TV Globo e âncora da rádio CBN, escreveu em seu blog que “a classificação não depende de um ponto exclusivo, mas do conjunto da obra. E a obra é uma política econômica clássica, cujo construção começou com o lançamento do real em 1994, e seguiu com vários passos, sendo os principais: a introdução do regime de metas de inflação em 1999, do regime de câmbio flutuante também em 1999 e a definição de leis e normas que colocaram as contas públicas sob controle”. Ou seja estaríamos diante de um processo evolutivo, sem rupturas ou descontinuidades. Pura prestidigitação. O que se apresenta como registro jornalístico é uma peça ideológica que busca, através do falseamento, ocultar agendas totalmente distintas.

O que deve ser embaçado é o êxito que contradisse a certeza de tantos editoriais. Contrariando todos os prognósticos do campo neoliberal, Lula assumiu o governo, administrou uma política de transição necessária e, paulatinamente, priorizou o mundo do trabalho e o capital produtivo. Nesse 1º de maio, a prática como critério de verdade pede que se resgate o passado recente. E, nele, ao contrário do que apregoam articulistas, não há argamassa que sustente a construção de alvenaria que o tucanato pretende erguer.

Há seis anos o cenário era de terra arrasada. Renda estagnada, taxa de desemprego em patamares altíssimos e dívida pública de 58% em relação ao PIB compunham a aquarela de “uma política econômica clássica”. Em oito anos, o índice de inflação acumulada foi de 100,7%. Não esqueçamos que fez parte do “equilíbrio macroeconômico” do consórcio PSDB/PFL (atual DEM) um processo de privatização criminosa do Estado brasileiro que torrou, a pretexto de sanear a dívida pública, US$100 bilhões de ativos públicos. E, aos que hoje vociferam contra uma política fiscal expansionista, lembremos que nos tempos da insensatez tucana a carga tributária pulou de 28,3% para 35,7% do PIB. Nesse ponto cabe uma inflexão.

Um governo que, dialogando com os movimentos sociais, suspendeu o sucateamento do patrimônio público e recuperou o papel indutor do Estado guarda alguma relação com o que lhe antecedeu? A redução efetiva da dívida pública, o saneamento financeiro do Estado e uma política de crédito de inegável teor inclusivo é continuação da subordinação aos ditames do mercado? Se há linearidade, ela só ocorre na contrafação de velhas editorias. As mesmas que viram no patrimonialismo de FHC o acerto de contas com a modernidade e, hoje, vêem aparelhamento em um Estado recuperado.

Quando Fernando Henrique Cardoso diz que “já deveriam ter dado a nova classificação há mais tempo”, paira uma ambigüidade: há nessa afirmação uma autocrítica inédita ou ela revela uma privação de sentido? Com a palavra, os saudosistas do cassino.

Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Agência Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil e do Observatório da Imprensa“
Hora do Povo

Rizzolo: A agência de risco Standard & Poor’s promoveu o país à condição de “investment grade”, e isso é bom e ao mesmo tempo ruim; a tal ponto que a discussão ideológica jornalística pouco valor tem do ponto de vista prático. O embate no enfoque do discurso conservador jornalístico não é novidade, e não vejo o porquê de se relevar se de fato foi uma seqüencia da política iniciada no governo FHC que colaborou para a condição, ou se face ao esbulho da política do BC em detrimento ao empresariado nacional no arremesso dos juros às alturas, que os motivaram à nova condição.

Isto posto, o importante é inferir se isso não vai ao contrário do que se espera, ou seja, piorar o quadro exportador e a balança comercial, na medida em que o mercado pode receber uma grande entrada de dólares levando a uma maior valorização do real, sufocando a nossa indústria exportadora. Entender como mérito partidário uma condição ofertada por uma empresa privada, e leva-la a uma discussão a quem é devida a menção, com todo o respeito ao autor, acaba sendo um tremendo desperdício elocubratório. Muito embora o texto seja bem escrito.

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