Humoristas protestam contra censura a piadas com políticos

Lei Eleitoral prevê multa de até R$ 100 mil a programas que ‘degradem ou ridicularizem candidato, partido político ou coligação’

RIO – Algumas das figuras mais engraçadas da TV e dos palcos de teatro se concentraram no domingo, 22, à tarde em frente ao Copacabana Palace, no Rio, para protestar contra a censura ao humor. “Os humoristas não podem fazer rir, mas os políticos podem fazer chorar”, dizia um dos cartazes do ato, que reuniu nomes como Bruno Mazzeo, Maria Clara Gueiros, Marcelo Madureira, Sérgio Malandro, Sabrina Sato, Claudio Manoel, Helio de La Peña e Nelson de Freitas, entre outros, além de muitos curiosos, responsáveis por providencial agito em busca de autógrafos e fotos.

Certo de que nunca é tarde para empunhar o megafone, o movimento Humor Sem Censura cobra uma revisão do trecho da Lei Eleitoral (9.504) que prevê aplicação de multas de até R$ 100 mil a programas que usem “trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido político ou coligação”.

O texto é de 1997,e a iniciativa de trazê-lo a discussão é do humorista Fábio Porchat, redator de humorísticos da Globo e integrante do grupo Comédia em Pé. “Em 1997, eu tinha 13 anos e ia ser muito difícil eu organizar uma coisa como essa”, explica Porchat, com galhofa. “Só agora que faço parte da nova geração de humor, que está na internet, na TV e no rádio é que podemos nos organizar para fazer esse protesto. A lei só tomou luz agora porque só agora é que temos tantos programas de humor tão contundentes em relação à política.”

Porchat se refere a programas como CQC (Band) e Pânico (Rede TV!), que frequentam os corredores de Brasília à caça de alvos para piadas. Da geração anterior à dos jovens humoristas, Hélio De La Peña, diz que o Casseta & Planeta (Globo) teve de queimar os miolos para falar não esbarrar na Lei Eleitoral. “A gente inventa, para tratar do milagre sem tratar do santo”, explicou.

Seguidos por um pequeno grupo de simpatizantes, cabos eleitorais de candidatos com senso de oportunidade e um batalhão de repórteres, os humoristas seguiram pela orla de Copacabana em direção ao Leme, num percurso, digamos, simbólico. “Os comediantes finalmente estão na primeira divisão e estão sendo bem tratados e reconhecidos. Nada mais justo do que rever uma lei que vai totalmente contra a democracia e nos atinge em cheio”, resumiu o ator Lúcio Mauro Filho, o Tuco do seriado A Grande Família, da Globo
estadão

Rizzolo: Entendo que eleição é coisa séria. Se os candidatos nada sérios, a convite de partidos não prestigiam a democracia, e se lançam de forma jocosa, é outra história, mas isso não justifica humoristas se aterem a chacotas com candidatos a eleição. Temos que restituir de uma vez por todas a seriedade do momento político, a começar por eleger pessoas sérias, preparadas, com propostas e com passado límpido. Se segmentos da imprensa pretendem desqualificar a nossa democracia, isso não deve ser endossado pela sociedade. Esse protesto é sem sentido, e um desserviço à democracia. Eleição é coisa séria, pelo menos para mim, podem me chamar de sonhador.

Um jovem no circo da vida

Ainda me lembro de quando, numa entrevista pela televisão, um delegado de polícia informava dos perigos de andar em São Paulo e de ser assaltado no trânsito. Dizia ele que, através de estudos de especialistas, o correto seria o motorista nunca se posicionar na fileira da esquerda nos faróis, pois, segundo ele, a probabilidade de ocorrer um assalto é maior nessa faixa por causa da posição dos automóveis.

Como tudo que se relaciona à segurança, tentei memorizar o tático conselho, mas naquela noite chuvosa, na avenida Brasil, em São Paulo, me descuidei. Lá estava eu na fila da esquerda – e dessa vez sem nenhuma conotação ideológica – me expondo bem diante do brilhante farol vermelho. Minha preocupação naquele momento era olhar para os lados, como a procurar pelo agente delituoso, mas o que eu não esperava era ver o brilho de um jovem malabarista de 16 anos que soltava fogo pela boca e fazia ali, no pretenso campo de batalha, um maravilhoso espetáculo circense.

Como num teatro, assisti durante alguns instantes a uma apresentação profissional, cronometrada e com direito a agradecimento que me remeteu aos espetáculos dos circos russos de antigamente. Ao terminar sua apresentação, o rapaz passou ao meu lado e ofereci a minha modesta contribuição pela dedicação ao seu amor à arte. Em seguida, perguntei: “Parabéns, você é ator?”. O jovem me olhou e com um sorriso amável agradeceu meu gesto respondendo: “Não, senhor. Estudei na Escola Nacional de Circo e nas horas vagas ofereço um pouco de arte às pessoas no trânsito. Obrigado pelos ‘parabéns’”.

Eu pouco sabia sobre iniciativas educativas como esta. A Escola Nacional de Circo da Fundação Nacional de Arte (ENC/Funarte) é a única instituição de ensino diretamente mantida pelo Ministério da Cultura. Foi criada em 13 de maio de 1982, pelo artista circense Luiz Olimecha, para realizar cursos regulares de formação profissional e de reciclagem de artistas, atendendo a uma antiga reivindicação dos profissionais de circo de todo o país.

Hoje, quando passo pela avenida Brasil, não encontro mais o malabarista – talvez ele tenha se arrumado melhor num grande circo -, mas daquela experiência descobri que existem surpresas no trânsito quando se observam as pessoas com bondade e sem medo. Constatei ali que a insistência em andar na fila da esquerda não passa a ser tão perigosa quando se vive num ambiente de inclusão social. Inúmeros jovens pobres ainda são, na verdade, os malabaristas do circo da vida e apostam num Brasil mais justo. Num simples farol, sempre existem talentos – alguns esquecidos, outros perdidos e um tanto sem rumo. Mas pensando nos jovens e apostando na educação teremos talentos despertos em todas as avenidas da cidadania do nosso Brasil, incluindo naquela em que inadvertidamente insisti em andar do lado esquerdo. Uma avenida chamada Brasil.

Fernando Rizzolo