Coluna de quarta-feira, 5 de agosto
Vejamos a coisa pelo lado positivo: pelo menos, de agora em diante, as sessões do Senado serão movimentadas, animadas, e com tanta baixaria que não vão mais dar sono. E é divertido lembrar, também, que os cinco personagens principais do tiroteio – o presidente Lula, o senador Renan Calheiros, o senador Pedro Simon, o senador Fernando Collor, o presidente do Senado, José Sarney – foram alternadamente amigos e inimigos ao longo dos anos. Não, não lhes faça a injustiça de presumir que, diante de diferentes cenários políticos, tomaram posições diferentes (como a do inglês Winston Churchill, anticomunista convicto, que se aliou aos comunistas soviéticos para enfrentar o inimigo maior, o nazismo): as posições, aqui no Brasil, só variam por interesses pessoais.
Quando Sarney era presidente, Pedro Simon foi seu ministro da Agricultura e todos os outros eram oposicionistas radicais. Lula chamou Sarney de ladrão. Collor insultou até seus ministros (incluindo o chefe do SNI, a quem se referiu como “generaleco”) e acusou Lula de querer abortar a filha. Renan, principal aliado de Collor, não conseguiu seu apoio para se candidatar ao Governo de Alagoas e rompeu com ele. Mais tarde, apoiou-o, facilitando sua volta ao Senado.
Finalmente – como o amor é lindo! – todos se reuniram e são hoje amigos de infância. Houve época em que pelo menos Sarney e Lula gostavam de Pedro Simon. Hoje ninguém gosta. Para paladares do Planalto, é chato: honesto demais.
O futuro condena
E a situação não deve melhorar, não. Se Sarney continuar na presidência do Senado, não terá grande controle sobre a situação: PSDB, DEM e parte do PT dizem claramente que não mais aceitam seu comando. Se Sarney deixar a presidência, por qualquer motivo, boa parte do PMDB rejeitará o novo presidente – e acalmar os ânimos custará muito caro. Há uma CPI da Petrobras no forno. A Petrobras e suas fornecedoras têm um poder extraordinário, mas o lucro político de uma denúncia bem formulada pode fazer com que uma ala do plenário vá para o enfrentamento. O mais curioso é que políticos conciliadores, como Sarney e Lula, tenham ido à frente de combate sem a possibilidade de esboçar um acordo.
E o nosso está condenado
É claro que falamos de políticos experimentados, hábeis, sujeitos a surtos de amnésia seletiva. Podem esquecer que fizeram ameaças a Simon e a Arthur Virgílio, da mesma forma como os oposicionistas podem perfeitamente deixar a CPI em fogo brando. Mas, se houver acordo, o caro leitor é que vai pagá-lo.
Roteiro ensaiado
A primeira reunião do Conselho de Ética do Senado deve ocorrer hoje à tarde, com transmissão pela TV Senado. O presidente do Conselho, senador Paulo Duque, do PMDB fluminense, recebe as denúncias contra Sarney, Virgílio e outros e não se manifesta: pedirá prazo para estudá-las. Daí, na semana que vem, conforme a temperatura política, rejeita todas as denúncias, ou rejeita apenas as referentes a Sarney (e deixa Arthur Virgílio no fogo), ou aceita algumas, para que o Conselho de Ética possa se reunir algumas vezes, com TV, antes de rejeitá-las.
Petrobras em foco
E continua a enxurrada de emoções: amanhã, está marcada a primeira reunião da CPI da Petrobras. O relator da CPI é o senador Romero Jucá, líder do Governo no Senado (e que, coincidentemente, foi também o líder no Senado do Governo Fernando Henrique). CPI, como futebol, é uma caixinha de surpresas. Mas com um juiz ligado simultaneamente aos dois times, a coisa flui mais fácil.
O sacrifício da política
Ah, as eleições! O governador paulista José Serra, quando resolveu se dedicar à política, precisou dizer que gostava de futebol, teve de escolher um time e dizer-se torcedor desde criancinha (contam que, ao tomar um táxi para sua primeira partida como torcedor, disse ao motorista: “Vamos para o estádio!” E o motorista: “Qual deles?” Serra: “ué, tem mais de um?”) Agora, como candidato à Presidência, passou a gostar de Luiz Gonzaga, de baião e de forró desde que era menino (teve até de decorar a letra do Baião nº 1, para cantá-lo em dueto com Dominguinhos). E precisará lidar com mais uma novidade: na segunda, vai à Bahia para consolidar a aliança entre PSDB e DEM. Justo ele, de conciliador!
Símbolos de religião
O Ministério Público Federal iniciou ação civil pública, com pedido de liminar, para obrigar a União a retirar todos os símbolos religiosos de locais de ampla visibilidade e de atendimento ao público em repartições públicas federais em São Paulo. Na opinião dos promotores, as pessoas que se dirigem aos prédios da União têm sua liberdade de crença (ou de não ter crença) ofendida com a presença de símbolos religiosos não relacionados à sua fé; o Brasil, como Estado laico, sem vinculação entre Poder Público e religião, não pode optar por uma crença.
É uma questão complicada: a mesma Constituição cujo artigo 5º garante a liberdade religiosa (ou de não ter fé) se inicia com a frase “sob a proteção de Deus”. O dinheiro do país traz a inscrição “Deus seja louvado”. E quem aceitaria tirar do Rio o Cristo Redentor, uma das Sete Maravilhas do mundo moderno?
Carlos Brickmann é Jornalista, consultor de comunicação. Foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes (prêmios da Associação Paulista de Críticos de Arte, APCA, em 78 e 79, pelo Jornal da Bandeirantes e pelo programa de entrevistas Encontro com a Imprensa); repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S.Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.