Devastação Premiada

Muito já se falou sobre o instituto da delação premiada que é o ato de um acusado, em troca da redução ou até isenção da pena, denunciar outros participantes do crime, indicar a localização da vítima em caso de seqüestro ou contribuir, de alguma forma, para a resolução do caso. Para os cristãos, a delação lembra a traição de Judas Iscariotes. Entregou Jesus a Pilatos em troca de 30 moedas de prata. Para nós que vivemos no Brasil sob o jogo da omissão do governo em relação as questões ambientais, temos em vista agora, uma nova modalidade de incentivo a beneficiar transgressores, desta feita, em versão ambiental: a devastação premiada.

Na tentativa em reduzir e compensar o desmatamento na Amazônia Legal, o governo planeja dar uma anistia a quem ilegalmente derrubou a floresta. É isso mesmo que o leitor leu: anistia. Em estudo nos Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente empresas e agricultores poderão manter 50% das fazendas desmatadas, voltar à legalidade e ter direito ao crédito agrícola oficial se aceitarem recuperar e repor a floresta dos outros 50% das propriedades. Assim sendo, se a decisão for adotada, o governo vai legalizar em torno de 220 mil quilômetros quadrados de Amazônia desmatada ilegalmente, uma área correspondente à soma dos Estados do Paraná e Sergipe.

Ao que parece, e isso já comentei várias vezes, o governo demonstra-se totalmente perdido, face aos problemas internos nos Ministérios envolvidos na questão ambiental; por um lado, tenta comtemplar os davastadores que não são promovidas por pequenos agricultores, mas por especuladores. Está comprovado, que devastação requer capital e interesses de maior calibre. Já o Ministério do Meio Ambiente, procura culpados, alega o preço das commodities como o maior inimigo, para se eximir da culpa pelas “trapalhadas” indicativas nos números da devastação, ou seja, uma total contrariedade de interesses, de desinformação, um verdadeiro problema de gestão ambiental. Fala-se em tudo, menos sobre a necessidade imperiosa da presença ostensiva de uma fiscalização com rigor do Estado na Amazônia.

Não há dúvida que uma anistia a esses infratores, induzirá a novos desmatamentos, mas ao que tudo indica, parece que o governo com esse estudo, pretende criar um novo polo de produção agrícola, chancelando e premiando os infratores. É um triste caminho em direção à liberalidade visando interesses maiores. Aliás tutelar os interesses do capital, parece a especialidade desse governo, na sua imitigada propensão em privilegiar os poderosos. Atrás de invólucro de socialista, o governo ceifa a esperança e os interesses dos mais humildes, que como diz D. Cappio, insiste em ” oferecer-lhes esmolas “, ao mesmo tempo que induz aos infratores, à devatação clandestina e a extinção da fauna amazônica, demonstrando um desprezo aos seres da floresta e ceifando a esperanças daqueles que um dia lhes deram um voto de confiança .

Fernando Rizzolo

Devastação rima com gestão

Muito tem se falado no problema do índice de desmatamento na Amazônia, que saltou 107% na comparação de junho/setembro com o mesmo período de 2006. Não há dúvida que o preço das commodities contribuiu para esse efeito, bem como os programas de financiamento, a juros subsidiados, do Banco da Amazônia, do PRONAF e do FNO. A partir do estudo realizado pelos Amigos da Terra – Amazônia, constatou-se que é, nessa região, que se encontra, hoje, 94% do crescimento do número de cabeças registrado no país entre 2003 e 2006. Um número extremamente alto.

Numa análise realista, podemos inferir que o problema se torna mais complexo, na medida em que temos que manter o desenvolvimento da agricultura familiar e do agronégócio, e para tanto, contamos com os já existentes projetos de infra-estrutura em rodovias, investimentos de peso no binômio ” energia e asfalto”, alem das hidrovias que eliminarão barreiras para essa atividade naquela região e da sua transformação em via de acesso a mercados internacionais de produtos de outras regiões. Encontrar um denominador comum, entre o desenvolvimento representado na infra-estrutura e nos incentivos ao pequeno agricultor e ao agronegócio, e um equilíbrio sustentável no manejo das áreas ambientais, é o atual desafio do Ministério do Meio Ambiente.

O Brasil só poderá ser um grande exportador de produtos oriundos da agricultura, se desenvolvermos condições que irão contribuir para uma melhor competitividade no mercado externo, ademais, a agricultura e pecuária tem um peso importante para o equilíbrio da balança comercial. Mas é necessário equacionar o problema de forma regional, um exemplo é a região do semi árido, que necessita de políticas que resgatem e dêem alternativas de manejo de solo e água de encontro às necessidades das populações, com projetos simples, como as cisternas, que foram abandonadas pelo governo federal, que optou pela transposição do Rio São Francisco, privilegiando apenas o agronegócio. Como então equacionar o desenvolvimento, do pequeno agricultor e do agronegócio com a tão importante questão ambiental?

Na verdade, o governo se mostra perdido entre os dados sobre desmatamento, e demonstra incapacidade em gerenciar o problema. Ora se apressa em medidas de contenção, suspendendo o crédito concedido para os agricultores e pecuaristas dos municípios mais afetados pelo desmatamento, transformando os pobres e pequenos agricultores familiares, inseridos no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, sustentáculos da reforma agrária petista em culpados e vilões pelo desmatamento. Logo após decide sobre o recadastramento de 80 mil propriedades numa área que totaliza 100 milhões de hactares. Um despropósito, não seria muito dizer, que o último recadastramento foi um fracasso, alem de ter representado um custo altíssimo a cada proprietário.

A grande questão da devastação, é que não há como deter o desenvolvimento, e de nada adianta de forma indiscriminada culpar exclusivamente o agronegócio e os pequenos agricultores pelo problema ambiental. O que falta é gestão em fiscalização. As empreitadas no sentido de rigorosamente se fiscalizar e acompanhar de perto as atividades dos agricultores pecuaristas e madeireiros não existem, e se existem são ineficazes, até porque o desmatamento na região é feito, sim, de forma clandestina e velada.

A promessa de enviar apenas 780 homens da Polícia Federal, Força nacional, de Segurança Pública, e Polícia Rodoviária Federal para combater os crimes ambientais, denota a pura incapacidade de gestão, face ao tamanho da área comprometida. O próprio Ibama conta apenas com três fiscais para cobrir uma área de 92 mil kms quadrados, por aí pode-se ter uma idéia da falta de eficiência, e do purismo no discurso da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.

Isto posto, o combate a devastação se faz não com contenção e recursos aos projetos de desenvolvimento, mas com um aumento substancial na fiscalização, proporcional à área que esta sobre vulnerabilidade ambiental. O famoso alarde que o presidente criticou, já deveria ter sido dado dentro dos ministérios envolvidos na questão, na implementação de uma severa e eficaz fiscalização, não com 780 homens e três inspetores do Ibama, isso nada significa. O problema passa pela falta de gestão, que infelizmente rima com a palavra devastação.

Fernando Rizzolo

O meio ambiente não é (só) caso de polícia

O problema, entretanto, é quando as pessoas de bem precisam se transformar em malfeitores para garantir um amanhã melhor para si e sua família

Enquanto o presidente da República dava ontem tratos à bola no difícil tema do desmatamento recorde da Amazônia, o mundo tomava conhecimento de que a economia chinesa cresceu estonteantes 11,4% em 2007. E o Brasil descobria que o desemprego interno despencou para 7,4% em dezembro. O que o primeiro assunto tem a ver com os dois últimos? Tudo. O avanço do Brasil sobre a Amazônia não ocorre porque os brasileiros são maus ou não gostam da natureza. A exploração econômica da região progride porque a demanda por alimentos está aquecidíssima. Árvores são derrubadas para criar gado e plantar soja. Com um agravante: a expansão da cana-de-açúcar para produzir etanol na porção meridional do país empurra ainda mais outras culturas para o Brasil setentrional.

A principal ficção difundida pelo presidente da República em seu novo papel de garoto-propaganda do etanol brasileiro no mundo é que há terra sobrando aqui para plantar cana. E que, portanto, podemos muito bem expandir a oferta de álcool sem pressionar o preço dos alimentos ou cortar árvores. É a teoria palaciana das terras infinitas. Tese que não agüenta um sopro. Já perguntamos nesta coluna e repetimos a indagação: se está sobrando terra degradada (improdutiva) para plantar cana, por que falta terra para a reforma agrária? O pessoal do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) pede há anos que o Palácio do Planalto autorize a portaria que moderniza os índices de produtividade, para aumentar o estoque disponível para a democratização da propriedade rural. E nada de o Planalto se mexer.

A explosão do desmatamento é responsabilidade exclusiva do governo Lula e de quem o comanda. A administração federal divide-se entre os adeptos incondicionais do agronegócio e os militantes de um preservacionismo amazônico radical e utópico. Esses dois vetores, aparentemente opostos, na verdade potencializam-se. Ao não se lançar com ímpeto e determinação numa empreitada para tornar viável a exploração econômica racional da Amazônia, o governo petista aparece nos primeiros capítulos como o mocinho da novela. Mas, visto que é impossível ludibriar todos o tempo todo (já advertia Winston Churchill), um dia os números frios vêm à luz e a realidade se impõe: em resumo, a Amazônia brasileira está à mercê do latifúndio do século 21.

E assim continuará, enquanto o presidente da República estiver mais preocupado com o que pensam dele em Paris do que em Roraima. Quantas vezes Lula foi a Roraima desde que tomou posse em 1º de janeiro de 2003? Alguém sabe? Ontem, a cúpula do governo reuniu-se em palácio para discutir o aumento da repressão ao desmatamento ilegal. Ótimo. Mas será que o governo imagina solucionar o problema unicamente com o uso de força policial? A questão ambiental não é somente caso de polícia. Enquanto a árvore derrubada representar a criação de um valor maior do que mantê-la de pé, as estatísticas prosseguirão sua caminhada cruel. O homem se move pela busca da riqueza. Bloquear esse movimento sem oferecer opções é como construir um barragem de rio sem vertedor. Chega uma hora em que a força da água leva tudo de roldão.

Para evitar uma catástrofe na Amazônia, o Brasil precisa escapar do discurso catastrofista. Veja-se, por exemplo, o caso do aquecimento global. Se as teorias a respeito do assunto estiverem corretas, é provável que a elevação da temperatura no planeta acabe contribuindo mais para a extinção das florestas tropicais do que o contrário. O catastrofismo também preocupa por outra razão: do jeito que a coisa vai, daqui a pouco aparece alguém propondo um “Plano Brasil”, nos moldes do Plano Colômbia. Ali, justifica-se a presença de tropas americanas em nome do combate ao narcotráfico. Aqui, certamente haverá quem proponha chamar os marines para tentar salvar o ecossistema amazônico.

A Amazônia tem salvação. Ela está na expansão civilizada do homem, com base na agricultura e na pecuária familiares, no zoneamento ecológico-econômico e na produção científica com o aproveitamento da biodiversidade. A ação policial será sempre importante, como em todo lugar, para combater as ilegalidades e separar os malfeitores das pessoas de bem. O problema, entretanto, é quando as pessoas de bem precisam se transformar em malfeitores para garantir um amanhã melhor para si e sua família.

Por Alon Feuerwerker
Blog do Alon

Rizzolo: A política de incentivo do agronegócio faz com que a desmatamento de lugar a produtos relacionados aos commodities que estão em alta no mercado internacional. Uma política que não seja a policialesca como diz o texto poderia, uma vez bem planejada, conter esse desmatamento. Como apregoar o agronegócio, e ao mesmo tempo detê-lo? Eis a questão. Com crise americana e internacional a questão do ” afrouxamento” dos subsídios agrícolas perpetrados pelos países ricos parece potencializar essa questão. O perigo, é que quando falamos em meio ambiente, em Amazônia, os mariners ficam excitados, e os republicanos esperam o pretexto se cristalizar, para enfim, um dia darem o bote.