Fidel Castro: Não creio que alguém tenha sido mais caluniado que os judeus

LA HAVANA (CJL) – “Não creio que alguém tenha sido mais caluniado que os judeus” refletiu Fidel Castro em uma entrevista concedida a um jornalista norte-americano, na qual falou, entre outras coisas, sobre Irã, Israel e Estados Unidos, sua percepção sobre os judeus e o antissemitismo.

“Castro iniciou nosso primeiro encontro contando-me que havia lido meu artigo e que este confirmava sua opinião de que Israel e Estados Unidos se dirigiam precipitada e gratuitamente a um enfrentamento com o Irã. Esta interpretação não é de se surpreeender: Castro é o ?avô? do anti-americanismo global e tem sido um duro crítico de Israel. Sua mensagem a Binyamin Netanyahu, o primeiro-ministro israelense, disse, era simples: Israel somente terá segurança se renunciar o seu arsenal nuclear, e o resto das potências nucleares do mundo somente terão segurança se elas também renunciarem as suas armas.

Mas a mensagem de Castro a Mahmoud Ahmadinejad, o presidente do Irã, não foi tão abstrata. Ao largo desta primeira conversa de cinco horas, Castro repetidas vezes voltou a sua crítica ao antissemitismo. Criticou muito a Ahmadinejad por negar o Holocausto e explicou que para o governo iraniano seria mais útil à causa da paz se reconhecesse a história “única” do antissemitismo e tratasse de entender o porquê os israelenses temem por sua vida.

Começou seu discurso descrevendo seus primeiros encontros com o antissemitismo, mesmo sendo ainda um menino. “Recordo-me de quando era pequeno -há muito tempo-, quando tinha cinco ou seis anos, e vivia no campo”, disse, “e lembro da Sexta-Feira Santa. Que clima respirava um menino? ‘Silêncio, Deus foi morto’. Deus morria todos os anos entre a quinta-feira e o sábado da Semana Santa, e isso deixava uma profunda impressão em todos. O que aconteceu? E me diziam: ‘Os judeus mataram Deus’. Culpavam os judeus de matarem Deus! Você se dá conta disso?”

E prosseguiu: “Pois bem, eu não sabia o que era um judeu. Conhecia um pássaro que era chamado ?judeu? e então, para mim, os judeus eram esses pássaros. Essas aves tinham um grande nariz. Nem sequer sei por que os chamavam assim. Isso é o que me recordo. Assim, de ignorância, e o mesmo ocorria com toda população.”

Explicou que o governo iraniano devia entender as consequências do antissemitismo teológico. “Isso durou cerca de dois mil anos”, disse. “Não creio que alguém tenha sido mais caluniado que os judeus. Eu diria que muito mais que os muçulmanos, porque os culpam e os difamam por tudo. Aos muçulmanos de nada os culpam.” O governo iraniano deveria compreender que os judeus “foram expulsos de sua terra, perseguidos e maltratados em todo o mundo, por serem os que mataram a Deus. Ao meu ver, isso é o que aconteceu: seleção inversa. O que é seleção inversa? Ao longo de dois mil anos, foram submetidos a uma terrível perseguição, e logo, aos pogroms. Poderia haver quem supusesse que desapareceriam. Creio que sua cultura e sua religião os mantiveram unidos como nação.? Castro continuou: “Os judeus tem levado uma vida muito mais difícil que a nossa. Não há nada que possa se comparar ao Holocausto.” Perguntei-lhe se diria a Ahmadinejad o que estava me dizendo. “Digo isso para que você possa comunicá-lo”, respondeu.

Castro então, passou a analisar o conflito entre Israel e Irã. Disse entender os temores iranianos ante a uma agressão de Israel e Estados Unidos e agregou que, pelo seu modo de ver, as sanções estado-unidenses e as ameaças israelenses não dissuadiriam a dirigência iraniana de intentar possuir armas nucleares. “O problema não vai se resolver porque os iranianos não vão retroceder ante as ameaças. Essa é mina opinião”, assinalou. Logo destacou que, a diferença de Cuba, Irã é um “país profundamente religioso” e disse que os líderes religiosos estão menos dispostos a fazerem concessões.”

No final da entrevista, Fidel demostrou que realmente estava semi-retirado. O dia seguinte era segunda-feira, quando se supõe que os máximos líderes estejam ocupados trabalhando sem a ajuda de suas economias, prendendo dissidentes e coisas desse estilo. Mas, a agenda de Fidel estava aberta. Perguntou-nos: ?Gostariam de ir ao aquário comigo e assistir o espetáculo com golfinhos?”

Não estava seguro de haver entendido bem. E isso ocorreu varias vezes, durante mina visita. ?O espetáculo com golfinhos?”

“Os golfinhos são animais muito inteligentes”, disse Castro.

Disse-lhe que tínhamos uma reunião programada para a manhã seguinte, com Adela Dworin, presidente da comunidade judaica de Cuba.

“Que venha”, disse Fidel.

Alguém à mesa, mencionou que o aquário estava fechado às segundas. Fidel falou: “Amanhã estará aberto”.

E assim foi. Na manhã seguinte, bem cedo, depois de buscar Adela na sinagoga, nos encontramos com Fidel na escada do aquário. Ele deu um beijo em Dworin, não por acaso em frente a câmeras (outra mensagem para Ahmadinejad, talvez).

Fonte: Clarín – Pelo Jeffrey Goldberg. The Atlantic Monthly

Tenham um sábado de paz !

Fernando Rizzolo

Os dois lados de Fidel Castro

19fidel1.jpg

Como um atleta que abandona sua carreira, o líder cubano Fidel Castro anunciou nesta terça-feira que não voltará a ocupar a presidência do país. A renúncia foi divulgada por meio de uma carta publicada no jornal oficial do país, o “Granma”. O líder cubano foi eleito recentemente como membro do Parlamento mas não aceitou e não deseja mais participar do cargo de Presidente do Conselho de Estado e Comandante Chefe.

Nenhum estadista até hoje foi tão diversamente interpretado; as mais variadas leituras do ponto de vista pessoal, ideológico e filosófico foram exaustivamente discutidas quer pelas esquerdas do mundo, quer pelas direitaa quase sempre impiedosas com o líder cubano. Talvez, para não cometermos excessos, ou até por nos precavermos de uma análise unilateral, Fidel Castro deve ser compreendido numa outra dimensão, desta feita despojada do conteúdo ideológico que sempre foi alvo.

Até poderíamos pensar que a política deve ser baseada na qualidade das idéias e na sua densidade contributiva em trazer à sociedade bem-estar, justiça social, e oportunidade, mas o enfrentamento da questão em si se dá na forma da condução e como atingi-los via regime político; e talvez aí, os enfrentamentos ocorrem. A relação entre a política e as receitas marxistas, sempre estiveram presentes nas idéias de Fidel, o início da revolução cubana e sua essência deu-se em função do marxismo. Alvo de críticas, mesmo em alguns segmentos da esquerda, Fidel sempre valeu-se da defesa intransigente dos preceitos marxistas na tentativa de se fazer prevalecer, até para na época contar com a simpatia e auxílio dos países socialistas.

O embargo americano à ilha provocou danos irreparáveis, a queda da União Soviética o abalou do ponto de vista material e ideológico; era o monento, bastava naquele naquela ocasião uma revisão, ou uma reflexão sobre os destinos do socialismo numa visão mais distanciada dos dogmas marxistas, mas Fidel não o fez, preferiu por amor ao debate insistir em sua colocações empobrecendo a discussão, e levando alguns grupos de esquerda e filósofos no mundo, a tê-lo como um romântico não disposto a questionamentos.

É nessa visão romântica que me atenho a Fidel Castro, um homem pouco dado a democracia. Na verdade, nunca foi um democrata, como também é discutível sua postura de ditador como tantos gostam de apregoar. Era mais um filósofo que começou uma história e não sabia como termina-la. Deveria, de fato, tê-la conduzido como os chineses a conduziram, estabelecendo um relação com o capitalismo, elaborando um socialismo de mercado latino-americano, contudo, preferiu escrever, falar, continuar com seus trajes, e olhar o mundo já aos seus 81 anos com os olhos de um profeta que sonhou um mundo de justiça e igualdade, mas não discutindo a essência do fracasso, esvaziando o debate.

É esse lado então romântico de Fidel Castro, que encanta o mundo, sua ética aos pobres, suas intervenções nos chamando às reflexões, a pensar, um combatente que perdeu a guerra mas ficou apenas com as idéias. O socialismo de cunho estritamente marxista não prosperou e não irá prosperar em Cuba assim como em todos os países que o experimentaram. Talvez abandonando o comando, e saciando o desejo daqueles que sempre o odiaram, seus ideais de justiça social ao povo cubano poderão surgir através de uma democracia participativa, através de um adeus, de uma partida digna, de um aceno, como a de um atleta que muitas emoções ao povo brindou. Assim, quem sabe, apenas uma lição poderá um dia nos deixar : a de que a luta pela justiça social tem quer alcançada, nem que seja apenas um sonho distante, um sonho difícil de ser realizado.

Fernando Rizzolo