Caminhando e Fazendo Amizade com Deus

Fazia muito tempo que eu não o via, afinal ele morava nos EUA e poucas eram as oportunidades de estarmos juntos. Mas naquele mês de julho ele viria para cá, e poderíamos enfim relembrar quando ainda éramos pequenos, os momentos de risadas incontroláveis quando escondíamos os chapéus dos religiosos naquele bairro judaico pobre do Brooklyn.

Como de costume juntei uns amigos e contei sobre meu primo Henry, disse-lhes que gostaria de fazer uma pequena reunião com ” luz estroboscópica” aos sons de Led Zeppilin, afinal tinha eu apenas 16 anos e nessa época o essencial era a “Luz Negra” o som estéreo do gravador AKAI de rolo, cuba libre e outras coisas que meus amigos fumavam, mas eu não.

Henry chegou num sábado de manhã, fomos buscá-lo no ” aeroporto internacional de Viracopos “, foi o máximo, meu amigo o Tuca já tinha carta e carro, e fomos rindo ao som de muito rock em direção à Campinas. Ao chegar Henry não tardou a aparecer, magro, tímido, completamente diferente de nós. Logo percebi que meus amigos o acharam ” careta” e o deixaram de lado. À noite a festa foi ótima, cheio de ” mina” muita cuba libre, e eu entretido com meus amigos e amigas, pouca atenção dei à Henry. Passaram-se os dias e percebi que aquele Henry já não era mais o mesmo, não existia mais o riso espontâneo, as conversas engraçadas, a espontaneidade.

Um dia antes de partir não resisti e perguntei a ele se estava tudo bem, e que eu o achava um pouco triste. Ele me olhou e disse Fer, estou com câncer, tenho um linfoma, não vou mais do que três meses viver, vim aqui apenas me despedir de você. Meus olhos encheram de lágrima, jamis poderia imaginar isso; mas não contei nada a ninguém, afinal era um pedido dele. Naquela noite pensei sobre as coisas que perdemos na vida, na fragilidade da na vida em si. Estava muito triste e transtornado, só me restava pedir a Deus pelo meu primo, que sozinho dormia no quarto de hóspedes envolto a sua bagagem e suas revistas.

Numa tentativa de entender pela primeira vez, o que é estar com uma pessoa e de repente perdê-la em função da morte, procurei falar com Deus. Mas por incrível que pareça naquela noite ele se ocultou de mim. Não conseguia visualiza-lo, o que era fácil para mim nos momentos felizes, naquela noite eu não o enxergava, não conseguia me conectar. Mergulhei então na solidão do meu quarto e tentei dormir. Henry partiu dois dias após, e realmente faleceu depois de 4 meses.

Na manhã em que soube de sua morte, fiquei chocado, decidi novamente encontrar Deus, afinal ele não podia ter desaparecido da minha mente, ele tinha que me dar uma resposta, ele tinha que me reconfortar, mas eu fechava os olhos e vinha tudo menos Deus. Foi quando então, olhei para a prateleira do meu quarto e vi o meu ” Keddis” que hoje chama-se tênis, algo dentro de mim, dizia que eu tinha que coloca-lo. Sim, colocá-lo e sair. Mas sair para onde? Perguntei-me, e logo algo me disse : apenas caminhar…. caminhe….

Assim então decidi fazer, num gesto rápido coloquei o tênis, um abrigo, uma camiseta e saí em direção a uma floresta de eucalipto que existia atrás da minha casa no Bairro de Indianópolis, São Paulo. Sozinho caminhava em passos firmes, e olhava a terra preta que se misturava ao cheiro de eucalipto margeando o famoso córrego da Traição. Foi ali então que ao olhar as árvores e um raio de luz do sol que cortava as folhas, percebi o que Deus queria dizer com aquilo tudo. Henry foi um amigo, que eu não fui capaz de reconhece-lo, veio de longe e muito antes de me contar sobre sua doença eu já o havia ignorado, o havia trocado pelos meus amigos mais divertidos. Só dei valor a sua amizade quando o perdi.

A resposta surgia de forma clara, Deus também por alguns dias desapareceu para mim, me deixou só para refletir, me mostrou a sensação da perda na mesma intensidade do sentimento que de uma forma ou de outra Henry sentiu sendo desprezado pelas minhas atitudes. A lição era clara, quando não retribuímos a amizade, a caridade, o amor, geramos o que a cabala refere-se como um “anjo mau”, e Deus quando olha para nós, para a nossa vida, também olha só para o nosso lado mau, se distanciando, desaparecendo.

Compreendi mais tarde que muito da presença de Deus nas nossas vidas, se dá pela vontade de não nos afastarmos dele através dos nossos gestos. Desde aquela época caminho muito sozinho principalmente quando Ele (Deus) foge de mim; aí coloco meu tênis, meu headphone, corro pelo Parque e tento fazer amizade com ele novamente, sinto que ele gosta dos que correm, dos que caminham, dos que procuram receber sua luz. Se você está triste, se perdeu alguém que amava, se não vê sentido mais na vida, tente isso, e lembre-se que existem muitas outras formas de expressar sua religiosidade, caminhar e tentar fazer amizade com Deus é uma delas. Boa caminhada para você neste final de semana, e fique com Deus.

Fernando Rizzolo