O engenheiro Júlio Cerqueira César Neto, em entrevista neste domingo (20) ao site de notícias “Vi o Mundo”, desmontou os argumentos usados pelo governador do Estado de São Paulo, José Serra (PSDB), e pelo prefeito da capital, Gilberto Kassab (DEM), para justificar as grandes enchentes que devastaram a cidade nos últimos meses.
Serra disse que a culpa pelas enchentes foi do “lixo jogado na rua pela população”, já Kassab culpou a “quantidade anormal de chuvas no período”.
Mas de acordo com o especialista Júlio Cerqueira, que foi professor de Hidráulica e Saneamento da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo por 30 anos e é considerado um dos grandes especialistas dessa área no Brasil, “São Pedro e a educação sanitária não são os causadores das enchentes de 8 de setembro e 8 dezembro”. Segundo ele, “a inundação aconteceu porque o Tietê estava com mais da metade da sua capacidade obstruída por resíduos depositados no fundo do seu canal e que não foram limpos adequadamente pelo governo do estado”.
Cerqueira, que também foi, entre 2002 e 2006, presidente da Fundação Agência da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê – Região Metropolitana de São Paulo (BAT-RMSP), afirmou que “as duas chuvas [de 8 de setembro e 8 dezembro] foram moderadas. Aliás, sempre que acontece uma enchente dessas, o prefeito, o governador, os secretários aparecem dizendo que São Pedro foi o responsável. Nada deixa a população mais irritada do que essa desculpa esfarrapada.”
O professor explica que “entre a barragem da Penha [Zona Leste] e o Cebolão [Zona Oeste]”, são depositados “aproximadamente 1,2 milhão de metros cúbicos de terra” por ano, e “se você deixar isso no fundo do rio, a capacidade dele diminui”. De acordo com o Cerqueira, “o DAEE [Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo] faz a limpeza, mas tira apenas 400 mil metros cúbicos por ano”.
Para o especialista o assoreamento do Rio Tietê é uma das principais causas das enchentes, o que “consequentemente, diminui também a capacidade de transporte de água na hora da chuva”. “Em vez de ter espaço para passar, por exemplo, 1.000 metros cúbicos por segundo, só ‘cabem’ 500. Os outros 500 transbordam”. Por exemplo, “no dia 8 de setembro, às 16h30m, no Viaduto da Casa Verde, um engenheiro mediu a quantidade de água que passava no rio. Deu 735 metros cúbicos por segundo. Ali, naquele trecho, se o canal do Tietê estivesse limpo, poderia passar mais de 1.000 metros cúbicos por segundo. Se o Tietê já transbordou com 735 metros cúbicos é porque estava assoreado”, disse.
E lembra que na chuva de 8 de dezembro “nenhum engenheiro foi lá medir. Mas pelas consequências a coisa foi muito semelhante à de 8 de setembro. Se a vazão não foi 735 metros cúbicos por segundo, foi de 835, 800, ou algo parecido”.
O especialista alerta “se não houvesse assoreamento, a cidade não teria inundado. Houve inundação, porque o Tietê estava ainda mais assoreado do que em setembro. As causas que levam às enchentes são principalmente o assoreamento e a má limpeza do rio”.
Outro fator que agrava a situação do assoreamento, segundo o especialista, é o problema da calha do Tietê. “A calha do Tietê foi projetada há 20 anos. Na época, previa-se que a vazão de 1.000 metros cúbicos por segundo seria adequada para os nossos dias. Dez anos depois de iniciada a obra [que levou 20 para ficar pronta], verificou-se que os 1.000 metros cúbicos já não seriam suficientes. Eram necessários 1.400. A urbanização foi muito mais intensa e mais rápida do que o imaginado. Ampliar o tamanho da calha não dá mais”.
Mas ressalta que “mesmo que a calha do Tietê estivesse limpa, ela seria insuficiente para uma capacidade de 1.300 metros cúbicos por segundo, por exemplo, que são vazões que ocorrerão daqui para frente, no período chuvoso, que vai principalmente de janeiro a março”.
Cerqueira ainda denunciou que “na quarta-feira, a Câmara Municipal [de São Paulo] aprovou o orçamento da Prefeitura”. E que “para 2010, a verba de córregos e galerias para o sistema de drenagem pluvial da cidade foi cortada pela metade. E olha que provavelmente nem o orçamento inicial seria suficiente”.
O especialista afirma que mesmo que construir mais 91 piscinões, além dos 43 que existem, seja a única solução hoje em dia, “na prática, os piscinões são verdadeiros esgotos”. “Ainda mais quando a água fica parada. Daí, sim, ela decanta, formando um lodo no fundo. É uma situação sanitária extremamente desfavorável. Esse é um dos aspectos pelos quais eu não gosto dos piscinões. Na sequência, eles se tornam um tremendo problema; são foco de proliferação de doenças na cidade”.
Hora do Povo
Rizzolo: Não há a menor dúvida que o assoreamento do Rio Tietê é uma das principais causas das enchentes. O fato do governo de SP não assumir a devida responsabilidade é algo preocupante. A grande questão, é que obras como piscinões e limpeza dos rios não promovem votos, e por incrível que pareça, toda pseudo capacidade de gerenciamento do governo, essa empáfia administrativa e ao mesmo tempo fria, de nada serve quando os problemas surgem. Enchentes sempre ocorreram na cidade de São Paulo como no Estado, porém as devidas medidas nunca são implementadas. Uma vergonha que desnuda a falta de capacidade administrativa . Sinceramente, ouvindo opiniões de técnicos, de especialistas chegamos a conclusão que o governo do Estado é apenas uma “embalagem de boa competência” que não é a prova de água, tampouco de chuva forte.