Em Defesa ao Direito de Defesa

Tempos conturbados os nossos, mais fácies eram quando aos gritos dos jovens e de toda sociedade se ecoavam pelas ruas do centro, figuras da advocacia exaltavam as liberdades democráticas, o direito aos cidadãos de se expressarem, e o direito ao contraditório. Vivíamos num regime de exceção, a mobilização dos operadores do direito, dos políticos, era uníssona em torno das garantias individuais, e do intransigente direito defesa.

O conceito do “due process of law”, ou o devido processo legal pairava nos ares e todos sem exceção, bebiam da água inspiradora do respeito às garantias individuais. Mas tudo mudou, o que vemos no Brasil hoje é uma inversão dos valores mais sagrados do cidadão, nos questionamentos sobre o papel do advogado no pleno exercício da advocacia, da defesa, do contraditório, isso tudo em pleno regime democrático.

Passaram a desprezar, a não justificar, a minimizar o que a altos brados rechaçávamos na época da ditadura, quando o Estado pouco respeitava o pleno exercício do direito. Fizemos sim uma volta ao encolhimento conceitual do direito mais nobre de defesa, e da materialização deste direito expresso no escritório do advogado.

É no escritório do advogado que o amplo exercício da cidadania se revela, é no escritório do advogado que a aflição daquele que se desviou das normas, ou que injustamente sofre uma acusação, finalmente encontra o rosto da Constituição. Talvez passasse aqui, noite adentro neste texto, narrando as passagens, as histórias intercaladas pelo choro ou desespero que já vivi e presenciei daqueles que um dia a procura de defesa bateram na porta do meu escritório, e ali, como se num confessionário estivessem, se sentiam como num espaço neutro, seguro, onde cidadania estava assegurada respaldada pelo estado de direito.

Ao contrário daqueles que apregoam o atropelamento da cidadania, a invasão dos escritórios de advocacia tendo como finalidade a fácil busca de provas, minimizando o direito de defesa, tornando o Estado um ente acima dos direitos do cidadão, jamais poderá ser chancelada pelo Poder Público, tampouco ser alvo de espionagem, de se tornar local inseguro, e acima de tudo confortável e cômodo na busca da produção de provas, golpeado num gesto policialesco e ditatorial, constrangendo e maculando o espaço físico que abriga o amplo direito de defesa. O escritório do Advogado.

Se existem ou poderá existir maus advogados que poderão fazer uso da prerrogativa, sabemos melhor do que ninguém, que a Ordem dos Advogados do Brasil saberá agir, como sempre soube, na depuração e na condenação daqueles que poderão macular essa nobre prerrogativa. Não podemos consentir que por eventuais deslizes de alguns, toda essência e luta pelo direito democrático de defesa, que habita nas modernas sociedades, seja minorizada dando lugar a arbitrariedade e ao desmando.

O presidente Lula participou das lutas do Brasil, viu com os seus próprios olhos a que ponto um Estado sem lei corrói e constrange aqueles, que como cidadãos, esperam sua dose de justiça que por um golpe fora aviltada. Tão nobre seria a visão estadista e humana do presidente Lula em não vetar o projeto, até porque pouco serviria aos poderosos, e abrigaria sim o pleno exercício da advocacia respaldado no respeito ao direito daqueles que mais dela necessitam, os pobres.

Chancelar as invasões, o fim dos diálogos entre advogados e clientes, transformando escritório de advocacia em local inseguro e de fácil e confortável produção de provas, é acabarmos com o estado de direito, e transformarmos o Estado naquele Estado que um dia o senhor lutou para torna-lo mais justo!

Fernando Rizzolo

Lei sobre busca e apreensão em escritórios de advogacia opõe juízes e OAB

Sem alarde, o plenário do Senado aprovou no início de julho projeto de lei que torna invioláveis os escritórios de advocacia do país. O texto, que modifica o estatuto da advocacia brasileiro, estabelece que escritórios de advogados não podem mais ser alvo de busca e apreensão mesmo que por ordem judicial. A lei também veta a utilização dos documentos e objetos de clientes do advogado investigado, assim como outros instrumentos de trabalho que reúnam informações sobre os clientes.

O projeto foi encaminhado à sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta terça-feira. Se o presidente não vetar o projeto, os escritórios de advocacia não poderão mais ser alvo de mandatos de busca e apreensão em operações policiais –como freqüentemente ocorre em operações da Polícia Federal.

O projeto foi aprovado pelos senadores em um mutirão realizado no plenário do Senado no dia 9 de julho, antes do recesso parlamentar. Para adiantar o início das férias, os senadores aprovaram mais de 20 matérias até a madrugada –entre elas o projeto que torna invioláveis os escritórios de advocacia.

O texto prevê a quebra da inviolabilidade dos escritórios se houver indícios da prática de crime por parte do advogado. A Justiça, no entanto, deverá expedir mandado de busca e apreensão que deve ser cumprido na presença de um representante da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

Contrárias à mudança, associações de juízes federais, procuradores da República e de membros do Ministério Público argumentam que a lei permite que advogados ocultem indícios de crimes cometidos pelos clientes dos advogados —uma vez que os escritórios se tornam invioláveis.

Em nota conjunta, a Ajufe (Associação dos Juízes Federal do Brasil), a ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) e o Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público) argumentam que a lei fere a Constituição Federal.

“Não poderiam ser decretadas a busca e a apreensão em escritório de advogado mesmo se surgissem indícios veementes de que o local estaria sendo utilizado para ocultar a arma, um revólver ou uma faca, utilizada para a prática de um homicídio”, argumentam as entidades.

A OAB, em contrapartida, sustenta que a mudança garante o sigilo na relação entre o cliente e o seu advogado –uma vez que impede que os instrumentos de trabalho do advogado sejam usados para a acusação dos seus clientes.

“Permitir que o estado-polícia, o estado-ministério público e o estado-juiz espionem, vasculhem, invadam e destruam a defesa é fortalecer a lógica autoritária que a Constituição Federal expressamente revogou há vinte anos. Querer revogar o direito de defesa sob a ótica de que alguns advogados cometem deslizes éticos é o mesmo que querer acabar com a vitaliciedade da magistratura porque alguns magistrados compactuam com a corrupção”, disse o presidente nacional da OAB, César Britto.
Folha online

Rizzolo: Não é possível conceber que um escritório de advocacia seja invadido, muito embora com mandado de busca e apreensão, para fins de coleta de provas; ou seja o estado de polícia, passa a ser um braço do Ministério Público sem limites. A defesa representada pelo advogado e seu escritório devem ser sagrados, o escritório do advogado é um santuário da defesa; as alegações de que os advogados poderiam fazer uso das suas prerrogativas para ocultar e cometer ilicitudes, com todo o respeito, é por demais leviana, e denota a que nível policialesco o conceito do direito de defesa de transformou-se neste País.

Os avanços no desprezo aos conceitos e aos ideais do direito de defesa, bem como da figura do defensor e seu escritório, nos causam espanto. O sigilo profissional baseado na relação entre advogado e seu cliente, materializado no escritório do advogado deve ser preservado e respeitado. Acredito que o direito de defesa expresso na Constituição prevalecerá ao bom senso do presidente Lula, que não vetará o projeto. O exercício pleno da defesa é a essência da Justiça !