Proteção do sistema falhou, diz Eletrobrás sobre blecaute

Para especialistas, ‘evento climático’ não se justifica

O dia posterior ao blecaute foi muito estranho. Somente quase ao final da noite, o presidente da Eletrobrás, José Antônio Muniz, disse algo que, enfim, tinha sentido:

“… perdemos a capacidade de transmitir metade da energia gerada por Itaipu. Deveria ter acontecido o ilhamento [isto é, o isolamento] do problema para possibilitar o religamento do sistema. Mas como isto não aconteceu, aí o problema se estendeu para as duas linhas de corrente contínua que ligam Itaipu a São Paulo. O que é preciso levantar é porque não entrou em operação o sistema chamado ERAT que existe exatamente para levar ao ilhamento”.

ERAT significa “Estação Remota de Aterramento”, um sistema de proteção da rede elétrica. Sucintamente, ao “ilhar”, por exemplo, um curto-circuito numa via principal de transmissão elétrica, ele permite que a eletricidade flua por outras vias, evitando a interrupção do fornecimento.

A pane de terça-feira atingiu 18 Estados brasileiros e o Paraguai. Em São Paulo e no Rio, a eletricidade somente voltou às 4 da manhã de quarta-feira.

No entanto, a entrevista coletiva desse dia, encabeçada pelo ministro das Minas e Energia, Edson Lobão, foi penosa. Com a oposição – que levou o país ao desastre na questão energética, mas padece de permanente insuficiência de caráter – ensaiando mais uma presepada, Lobão disse que não houve nada de errado no comportamento do sistema elétrico.

“Fatores climáticos”, disse o ministro, foram os responsáveis por tudo, isto é, fatores externos ao sistema elétrico, fatores que, segundo Lobão, são muito raros de acontecer. Quando acontecem, presume-se, não tem jeito. Uma “fatalidade”, disse ele, que consistiu em “descargas atmosféricas, ventos e chuvas muito fortes na região de Itaberá, em São Paulo”. E citou apagões ocorridos nos EUA, na Itália “e alhures” para provar que o Brasil não era exceção – o que, evidentemente, era apenas a exposição da duvidosa tese de que devemos igualarmo-nos aos outros naquilo que eles têm de pior.

“Houve um acidente”, disse o ministro. “Uma das máquinas perfeitas que o homem fez é o avião, mas o avião também cai”.

Realmente, cai. E, quando cai, há hipóteses, investigações e angústias enquanto não se sabe o que houve de errado, pois o homem não fez o avião para cair. Certamente, para descobrir o que falhou, é preciso partir do princípio de que algo falhou.

MODELO

Portanto, não nos adianta em nada apontar a Natureza, Deus ou o Capeta como culpados, sobretudo quando qualquer leigo vê que não são, para sacramentar o sistema como perfeito. Aliás, isso é tudo de que não precisamos. Principalmente quando Fernando Henrique submeteu esse sistema a um modelo que só não é mais anárquico porque o governo Lula fez nele alguns reparos – mas que necessita ainda mudar em sua essência. Lula recebeu o sistema elétrico que havia sido o maios integrado do mundo, aos pedaços, sem hierarquia, sem administração, à mercê das Enron, AES e outros abutres. Hoje o sistema está outra vez integrado, ainda que com as limitações oriundas do pouco peso do Estado em alguns setores, principalmente na distribuição. O próprio Lobão falou em 22 bilhões em investimentos do governo no setor elétrico. A questão é que isso não é tudo. A encenação de competição – na verdade, especulação – por parte de empresas monopolistas continua a ser uma fonte cotidiana de instabilidade.

Segundo o Operador Nacional do Sistema (ONS), o avião que caiu foi 40% da eletricidade produzida no Brasil (28.800 megawatts), num horário (23 h) em que o consumo não é máximo. O ONS, que faz a monitoração meteorológica do sistema, não mencionou fatores climáticos: “foi identificado o desligamento das três linhas de 750 kV e do elo de corrente contínua associados à usina de Itaipu Binacional, com o consequente desligamento (por ação dos sistemas de proteção) de suas unidades geradoras. Para mitigar os efeitos dessa perturbação, os sistemas de proteção atuaram de forma a minimizar a extensão”.

Como disse o engenheiro Ildo Sauer, diretor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP, “falar que foi um evento climático não justifica nada, porque os componentes do sistema são feitos para aguentar”.

Sauer acrescentou que era preciso um furacão, ou outro sinistro de porte semelhante, para que a causa do blecaute fosse um “evento climático”, sem mais problemas no sistema. E lembrou o apagão de abril de 1999, no governo Fernando Henrique: “foi o apagão da mentira do raio. Dizia-se que tinha sido um problema em Bauru, segundo o ministro, a Aneel e o CMSE [Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico]. Era o trio Pinóquio, que não falou a verdade para o povo”.

Tenha existido ou não uma alteração “climática”, o que importa é que 18 Estados do Brasil não poderiam ser atingidos sem que haja algum problema no sistema. Exceto se considerarmos normal que um raio no interior de São Paulo apague a luz no Rio Grande do Norte, como aconteceu.

Na entrevista coletiva, o representante do ONS, o diretor de operações, Eduardo Barata, disse que o sistema funcionou bem, ao isolar a área atingida. Depois, em debate na televisão, Barata concordou com o engenheiro Roberto Schaeffer, professor da UFRJ, segundo o qual “aparentemente houve um problema para desviar a energia para as linhas secundárias. O sistema elétrico brasileiro é muito robusto e nele a energia pode passar por vários caminhos, ele é feito para isso. Mas houve algum problema”.

Rogério W. A. Tuma, mestre em engenharia elétrica e gerente da área de proteção do sistema da Copel, afirmou que o modelo elétrico atual abre campo para problemas como o de terça-feira à noite porque as empresas – inclusive as estatais após a privatização de parte das empresas do sistema – estão submetidas a uma lógica que “favorece os interesses individuais das empresas em detrimento do sistema elétrico como um todo. Some-se a isto, reduções e postergações sistemáticas em investimentos de instalações, enfraquecendo o sistema e deixando-o à beira de um colapso”.

O engenheiro relata que “a obrigação das empresas, estabelecida pela legislação, consiste em preservar seus equipamentos, mesmo em situações em que o risco é conhecido e admitido. Por outro lado, esta mesma legislação complexa, contraditória e equivocada estimula a falta de manutenção em equipamentos e leva os elementos do sistema elétrico ao limite, expondo a população ao risco de apagões elétricos e energéticos”.

CARLOS LOPES
Hora do Povo

Rizzolo: A discussão sobre o fato gira em torno de aspectos da natureza e os de origem técnica. Pessoalmente acredito na questão técnica desde falta de apropriados cuidados por parte das empresas até uma eventual invasão por hackers. Se pautarmos o fato sobre os aspectos climáticos chegaremos à conclusão de que só estando mesmo despreparados tecnicamente poderíamos ficar vulneráveis com tão pouco, vez que a “tempestade” foi extremamente fraca para causar tal estrago. Bom texto este do Carlos Lopes.

Brasil quer importar mais energia da Venezuela, diz Lobão

BRASÍLIA – O ministro de Minas e Energia, , Edison Lobão, disse nesta quinta-feira, 19, que o Brasil pretende ampliar a capacidade de importação de energia elétrica da Venezuela. Para isso, será preciso ampliar a malha de transmissão entre o país vizinho e a Região Norte do Brasil. A ideia é ampliar a capacidade de intercâmbio entre os dois países dos atuais 250 megawatts (MW) para algo entre 3 e 4 mil MW. “Começaremos quando os linhões (de transmissão de energia) forem construídos. Hoje há somente uma pequena linha, que não suportaria carga tão intensa. Teremos de construir essa linha em território brasileiro e a Venezuela faria o investimento em seu território”, disse Lobão, sem citar o valor dos investimentos necessários.

Lobão explicou que a ideia seria “trocar” energia com a Venezuela, a exemplo do que já é feito com a Argentina. Atualmente, o Brasil manda megawatts para a Argentina na época do inverno e recebe depois a mesma quantidade de energia de volta.

Jirau

O ministro de Minas e Energia também defendeu o empréstimo de R$ 7,2 bilhões liberado ontem pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a construção da hidrelétrica de Jirau, no Rio Madeira (RO). “O empréstimo foi negociado diretamente pelo banco com o consórcio, é uma operação segura para o BNDES, não vejo nada de anormal”, disse.

A usina, de 3,3 mil MW será construída pela empresa Energia Sustentável do Brasil, que tem como sócios o grupo Suez (50,1%), Camargo Corrêa (9,9%) e as estatais Eletrosul e Chesf, cada uma com 20%.

Geladeiras

Lobão disse também que o programa de incentivo à troca de geladeiras, estudado pelo governo federal, poderá, quando implementado, gerar uma economia no consumo de energia equivalente a uma usina de 550 megawatts (MW). “E uma usina desse porte exigiria investimentos de R$ 2 bilhões”, disse.

Lobão reiterou que o plano do governo é viabilizar a troca de 10 milhões de refrigeradores em todo o País em 10 anos. Os equipamentos antigos, que consomem mais energia, seriam trocados por novos, mais econômicos. O plano foi discutido no início do mês em reunião no Palácio do Planalto. Segundo Lobão, uma nova reunião deverá ocorrer depois do carnaval para concluir os detalhes do programa.

Em palestra, hoje, para integrantes do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), Lobão reconheceu que já pensou em por em prática um plano amplo para incentivar o consumo mais racional de energia. Mas, segundo ele, desistiu da ideia, pelo menos por enquanto, por temer que o plano fosse interpretado como um sinal de que o País pudesse correr algum risco de falta de energia. Edison Lobão.

Agência Estado

Rizzolo: Aí existem duas questões, primeiramente a do aumento da demanda de energia que é uma realidade; não há que se falar em desenvolvimento sem energia, e para isso é necessário ampliar a malha de transmissão entre o país vizinho e a Região Norte do Brasil. Aumentar o intercâmbio para algo entre 3 e 4 mil MW, é um desafio.

Outra questão de suma importância, é a integração da Venezuela com os demais países do Mercosul; mesmo aqueles mais refratários ao ingresso da Venezuela no Mercosul, sabem que a questão econômica se sobrepõe à política.

Argumentar e fundamentar o não ingresso da Venezuela no mercado da América Latina face às questões políticas, é uma tolice sem tamanho, o ingresso é algo natural e economicamente interessante. Em relação ao projeto da troca de geladeiras realmente vai promover impacto no consumo de energia, contudo isso é a longo prazo.