Brics dão o exemplo para reduzir pobreza

“Os mais recentes indicadores a respeito da evolução da pobreza global revelam uma crescente desconexão entre o que o mundo poderia ser e o que realmente é. Em grande medida, a maior fragilidade da governança global conduzida pelas nações ricas durante as duas últimas décadas tem apontado para maior polarização social entre riqueza e pobreza”, afirma o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcio Pochmann, no artigo “Os Bric e a globalização da pobreza”, publicado no Valor Econômico.

De acordo com o economista, “em parte, essa polarização se deve ao agravamento da questão social em quase dois terços da população do planeta. Não fosse o desempenho de alguns poucos países como Brasil e China, por exemplo, na redução da quantidade de miseráveis e pobres, o retrocesso poderia ser ainda mais grave”. Ele apresentou dados que comprovam essa assertiva. O número de miseráveis no mundo – com renda per capita atual de até R$ 61,20 – passou de 1,9 bilhão em 1981 (52,2% da população) para 1,4 bilhão em 2005 (25,7% da população). A diminuição de meio milhão de pessoas (26,8% na quantidade de miseráveis) se deveu “fundamentalmente” à China. Nesse país, saíram 627,4 milhões de pessoas da condição de miseráveis entre 1981 (835,1 milhões) e 2005 (207,7 milhões).

Para Pochmann, “essa fantástica queda de 75,1% no número de miseráveis chineses foi acompanhada pelo aumento da quantidade de pessoas na condição de miseráveis no resto do mundo. Ou seja, sem a China, o mundo apresenta uma adição de 114 milhões de pessoas miseráveis, tendo em vista o aumento de 1,1 bilhão de pessoas nessa condição em 1981 para 1,2 bilhão em 2005”.

Analisando o conceito de pobreza mundial – que tem como parâmetro a insuficiência de renda per capita para viver com até R$ 122 ao mês, atualmente -, o número de pobres saltou de 2,7 bilhões em 1981 (74,8% da população) para 3,1 bilhões em 2005 (57,6% da população). No período, a taxa de pobreza no mundo caiu 23%, mas a quantidade de pobres aumentou em cerca de 402 milhões.

“O esgotamento do padrão de desenvolvimento do segundo pós-guerra foi acompanhado pela desgovernança mundial. O fim da bipolaridade (EUA e URSS), a queda do muro de Berlim e a decadência mais recente dos Estados Unidos foram acompanhados simultaneamente pela expansão inédita do poder econômico da grande corporação transnacional e pela perda de eficiência do sistema das Nações Unidas (ONU, Bird, FMI, OMC) na administração dos conflitos e construção de grandes e efetivas convergências globais. Por consequência, há maior polarização entre ricos e pobres”, argumenta o economista.

Segundo ele, “o ciclo de expansão econômica, comercial e tecnológica parece ter sido muito bem aproveitado por grandes corporações transnacionais e pela superelite global. Enquanto as 500 maiores corporações já respondem por mais de 40% do PIB mundial, com força econômica superior à de países, 1,2 milhão de clãs de famílias apropriam-se de 55% da riqueza do planeta”.

“A medida de miseráveis e pobres não deixa de ser um indicador que poderia ser perfeitamente revertido, dados os ganhos fantásticos de riqueza, conforme a experiência de países como a China e, mais recentemente, o Brasil”, afirma Pochmann.
hora do povo

Rizzolo: Fica patente que os países em desenvolvimento contribuem em maior proporção para a diminuição da desigualdade social no planeta. O artigo de Pochmann é extremamente interessante quando ressalta que a diminuição de meio milhão de pessoas (26,8% na quantidade de miseráveis) se deveu “fundamentalmente” à China, um país socialista que se apropriou em parte de conceitos capitalistas para desenvolver seu mercado interno e externo.

Márcio Pochmann: a difícil transição paulista

Quando se completa a primeira década do século 21, o Estado de São Paulo demonstra viver um de seus maiores desafios históricos, qual seja, o de continuar sendo a locomotiva econômica que dirige o país. Na perspectiva recente, isso parece estar comprometido diante de importantes sintomas de decadência antecipada.

Por Marcio Pochmann

Entre 1990 e 2005, por exemplo, o Estado paulista registrou o segundo pior desempenho em termos de dinamismo econômico nacional, somente superando o Rio de Janeiro, último colocado entre os desempenhos das 27 unidades da Federação.

Atualmente, o Estado paulista responde por menos de um terço da ocupação industrial nacional – na década de 1980, era responsável por mais de dois quintos dos postos de trabalho em manufatura.

Simultaneamente, concentra significativo contingente de desempregados, com abrigo de um quarto de toda mão de obra excedente do país – há três décadas registrava somente um quinto dos brasileiros sem trabalho.

Em consequência, percebe-se a perda de importância relativa no total da ocupação nacional, que decaiu de um quinto para um quarto na virada do século passado para o presente.

Se projetada no tempo, essa situação pode se tornar ainda mais grave, com São Paulo chegando a responder por menos de 20% da ocupação nacional, por um terço de todos os desempregados e apenas por um quinto do emprego industrial brasileiro no início da terceira década do século 21.

Essa trajetória pode ser perfeitamente revertida, uma vez que não há obstáculo econômico sem superação.

A resposta paulista, contudo, precisaria vir da montagem de uma estratégia inovadora e de longo prazo que não seja a mera repetição do passado.

Na visão da antiga oligarquia paulista, governar seria fundamentalmente abrir estradas, o que permitiria ocupar o novo espaço com o natural progresso econômico. Por muito tempo, o Estado pôde se privilegiar dos largos investimentos governamentais em infraestrutura, o que permitiu transitar das grandes fazendas produtoras e exportadoras de café no século 19 para o imenso e diversificado complexo industrial do século 20.

Em apenas duas décadas, o Estado paulista rebaixou a concentração de quase dois terços de sua mão de obra no setor primário para menos de um terço, dando lugar ao rápido crescimento do seu proletariado industrial.

Com isso, a ocupação em manufatura convergiu para São Paulo, passando a representar 40% de todos os empregos industriais do país na década de 1960, contra um quarto em 1940.

Em virtude disso, o protagonismo paulista reverberou nacionalmente por meio do ideário de que seria a locomotiva a liderar economicamente o Brasil grande. Tanto que não era incomum à época que as lideranças de outros Estados sonhassem com a possibilidade de repetir o caminho paulista. O principal exemplo se deu com a implantação de uma “mini-São Paulo” no meio da Floresta Amazônica, por intermédio da exitosa implantação da Zona Franca de Manaus.

Para as décadas vindouras, o futuro tende a exigir a ampliação predominante do trabalho imaterial, cujo principal ativo é o conhecimento.

Não significa dizer que as bases do trabalho material (agropecuária e indústria) deixem de ser importantes, pois é estratégico o fortalecimento das novas fontes a protagonizar o dinamismo econômico do século 21.

Se houver força política nesse sentido, o Estado de São Paulo poderá transitar para a continuidade da condição de liderança econômica da nação, passando a responder por 40% do total do trabalho imaterial do país.

Os esforços de transformação são inegáveis, pois, além da necessária oxigenação de suas instituições, os próximos governos precisariam inverter suas prioridades, com a adoção, por exemplo, de um gigantesco e revolucionário sistema educacional que assegure as condições necessárias do acesso de todos ao ensino, do básico ao superior, ademais da educação para a vida toda e com qualidade.

Na sociedade do conhecimento em construção, a liderança econômica não surgirá da reprodução de sistemas de ensino comprometidos com o passado, tampouco de relações governamentais com profissionais da educação compatíveis com o século 19.

Ainda há tempo para mudanças contemporâneas, sobretudo quando a política pública é capaz de romper com o governo das ideias ultrapassadas. Sem isso, o fantasma da decadência reaparece, fazendo relembrar as fases de liderança econômica de Pernambuco durante a colônia e do Rio de Janeiro no império.

Marcio Pochmann, 47, economista, é presidente do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o artigo foi publicado originalmente na Folha de São Paulo (30-3)

Rizzolo: Realmente a lógica do desenvolvimento paulista perdeu-se com o Estado mínimo, o interessante notar é que não só a perspectiva de desenvolvimento econômico sucumbio, mas o abandono da construção do edifício cultural, da memória do Estado do ponto de vista humano, das condições precárias no investimento na educação, na falta de um olhar próprio cujo ator deveria ser o Estado, propiciou sim a privatização em massa do ensino médio e universitário, rebaixando o nível educacional e transformando a educação como a saúde em “bem de comércio”. Parabéns a Pochmann pela lucidez do texto.

Banco Central insiste na pista da direita

As bombásticas declarações de cunho heterodoxo do diretor gerente do FMI, Dominique Staruss-Kahn, levou os conservadores que apregoavam uma linha de austeridade econômica, a uma triste realidade às avessas. Simplesmente além de estarem fora de moda no ” cutting edge ” econômico internacional, seguem uma receita que há muito todos desconfiam errada; a do Consenso de Washington, a do Estado mínimo.

O caminho desgastado com ênfase na revisão do papel do Estado, no corte do gasto, no ajuste fiscal em em outras receitas de contenção, entrou definitivamente num ciclo de esgotamento. A receita heteroxa da maior potência econômica do mundo, com a preconização do aumento do gasto público para combater a recessão, ratifica o repensar a política econômica que os amantes do neoliberalismo representados pelo Copom e o BC insistem em mante-la, direcionando o investir no financeiro e na especulação face a altas taxas de juros, preterindo os investimentos na produção, dificultando as exportações, e e estrangulando o desenvolvimento do mercado interno.

Como que numa rodovia, insiste o BC brasileiro em andar na pista da direita, não acelerando, aumentando o tráfego, não deixando a economia fluir, represando o desenvolvimento sob a batuta dos velhos argumentos, como a inflação, e o aquecimento do mercado interno, esmerando-se na defesa apaixonante de teorias que nem os próprios inspiradores nelas não mais acreditam. Logo após a notícia sobre o novo posicionamento do FMI, rapidamente, como numa força tarefa, surgiram economistas conservadores fornecendo dados frágeis na tentativa de dar sustentabilidade na argumentação política – econômica de Meirelles, com alegações de toda sorte, como ” elevar os gastos talvez não seja idéia boa nem para os EUA”, ou então, ” poucos países em dificuldade teriam condições de ampliar fortemente seus gastos “.

O problema do Brasil é demanda superaquecida ” tentando enfim, todos, promover justificativas, para prosperar um “apóio” para a política recessiva implementada pelo BC. Pouco são os economistas com lucidez como Márcio Pochmann, presidente do IPEA, que já vinha há tempos defendendo políticas desenvolvimentistas baseadas na aceleração da economia, que hoje são chanceladas pelo próprio FMI, numa cabal demonstração que as instituições econômica multilaterais, optaram pelo paulatino abandono da cartilha neoliberal.

A verdade é que hoje, vivemos um ciclo de expansão da economia fundada nos investimentos. Temos, sim uma dívida pública de 43% a 44% do PIB (Produto Interno Bruto), por outro lado, essa dívida, também representa um crédito vez que esse dinheiro está em circulação. Como afirma Pochmann ” O nosso desafio para sustentar o crescimento, é fazer um deslocamento. Com cuidado, do que está hoje na ciranda financeira para o investimento produtivo “. Isso se faz reduzindo os juros, aumentando o mercado interno, e claro, propondo um estímulo fiscal responsável, para elevar a demanda agregada dando sustentabilidade ao consumo em fases críticas. Como apenas não é dão aos mortos o direito a mudar de idéia, talvez Meirelles, ou outro que o suceda, acelere a economia e passe enfim para a pista da esquerda. Conselhos não faltam…

Fernando Rizzolo