Conteúdo Publicitário e a Sociedade

*por Fernando Rizzolo

O prédio era moderno, daqueles que por fora mais parecem um espelho. Logo na entrada suntuosa uma recepção típica dos grandes prédios, em que o cidadão deve identificar-se e posar para a famosa foto para obter o crachá de acesso. Era mais uma visita médica de rotina, e a sucessão de atos que culminavam na consulta em si – que mais parecia um protocolo urbano – iniciava-se com o estacionamento, depois o crachá, a passagem pela catraca, e a entrada no luxuoso elevador.

Marcado estava o sexto andar, e lá cheguei mais uma vez me identificando, desta feita no consultório, que por sinal estava simplesmente repleto de pacientes no aguardo de uma consulta. Como consumidor de serviços médicos, pus a sentar-me e aguardar meu horário. Que horário? Pensei. Consulta médica tem horário definitivo? Com um olhar à mesinha do meio com muitas revistas para amenizar a dor da espera, resolvi ler uma publicação que estava bem à minha frente, daquelas que vendem as receitas de saúde, mas que nos impelem também a ter saúde para usar nosso querido cartão de crédito nos grandes shoppings.

O que me surpreendeu, no entanto, não foram os artigos sobre como emagrecer ou as dietas mágicas, mas uma específica propaganda. Não havia como deitar os olhos na fotografia publicitária, sem sentir uma mistura de indignação, constrangimento, e se colocar de pronto numa longa reflexão sobre o papel da publicidade em nosso país. Como pode uma propaganda de jeans utilizar-se de uma cena insinuante entre um rapaz e uma moça, a ponto de me deixar “sem graça” entre os consumidores de serviços médicos sentados ao meu lado. Por bem, tentei, como um menino que lesse revistas proibidas, direcionar a fotografia apenas para mim; sim, daquela forma que fazíamos na escola de modo a não deixar o colega colar. Tudo, na verdade, para não causar um mal-estar nas pessoas, muitas delas de idade, que estavam ali bem próximas, numa postura de respeito.

Muito se tem falado em regulação, e parece que quando mencionamos tal palavra, a parte não interessada em regulação alguma, rechaça com o argumento de que regulação é sinônimo de autoritarismo ou falta de liberdade. Ora, inúmeros avanços tivemos com legislações regulatórias. O próprio Código de Defesa do Consumidor, instituído pela Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, veio a regular as relações de consumo, e trouxe à sociedade segurança jurídica, beneficiando os consumidores. Portanto, aquela publicidade com cena reprovável, com o objetivo de vender a marca de jeans, estava sim, a fazer mais do que uma propaganda, estava induzindo o consumidor a um engano de comportamento social, não em relação ao produto em si, mas na atitude social inapropriada. O artigo 37 do Código do Consumidor é claro ao definir que é enganosa qualquer publicidade que divulga informação total ou parcialmente falsa, capaz de induzir o consumidor a erro de julgamento. Com efeito, o erro de julgamento poderia ser considerado não só em relação à coisa vendável, mas também aos costumes que legitimariam a compra do tal bem.

Na verdade, o consumidor, sujeito mais fraco na relação de consumo, não recebendo tutela necessária do Estado, carrega o ônus da publicidade que foge aos padrões éticos, a publicidade ilícita. Repensar as formas de controle responsável da publicidade, respeitando a liberdade de expressão, mas praticando o bom senso nas coisas que promovem os bons costumes da nossa sociedade, é o caminho para que, além de exercitarmos a sutileza argumentativa dos grandes gênios da propaganda, caminhemos em direção a uma saudável relação de consumo, com protocolos socialmente aceitáveis, como aqueles aos quais me submeti ao entrar naquele lindo prédio, aos quais dei o nome de “protocolos urbanos de bons costumes”: iniciando-se com o estacionamento, depois a identificação, a fotografia, o crachá, a passagem pelo obstáculo da catraca, e a ida, enfim, em direção a alguém que me respeita: o meu médico.