Abertura dos arquivos e a dignidade dos mortos

Muito se fala sobre a questão dos mortos no regime militar e sobre o aspecto de revanchismo contido nas propostas de revisão da Lei de Anistia. Contudo, pouco se fala de um aspecto puramente ético, que quase chega a ser religioso, que ultrapassa os limites ideológicos do passado e presente, que é a dignidade dos mortos. E quando me refiro à dignidade daqueles que já se foram proponho-me a invadir não só a seara do sentimento abstrato da relação entre um ser que se foi e seus familiares, mas essencialmente a do conteúdo espiritual, humano, que deve permear a cidadania num pleno Estado Democrático de Direito.

Não há que se falar em revanchismo, ou amplitude da Lei de Anistia, quando se quer resgatar a dignidade de um morto. Seja ele quem for – sua raça, sua ideologia, seu credo –, deve o Estado dar às famílias dos desaparecidos o direito de saber sobre o seu paradeiro e ao país o direito de conhecer sua história. Por bem, a seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) lançou nesta sexta-feira, dia 16/4, uma campanha em defesa da abertura dos arquivos da ditadura militar. O presidente da entidade, Wadih Damous, diz querer o reconhecimento público de que a ditadura não é uma página virada da história. “Temos cidadãos brasileiros que desapareceram como se nunca tivessem existido”, afirma.

Toda história tem um passado, atores de ambas as partes que participaram desse momento histórico, mas o aspecto da dignidade dos mortos, dos locais onde estes se encontram, da necessidade de se oferecer um sepultamento digno a essas pessoas transcende as paixões e os embates de outrora e restabelece uma postura de Estado ético, presente e, acima de tudo, reconhecedor de suas fragilidades, injustiças e excessos. Desse modo, jamais podemos nos omitir em fornecer os instrumentos de que dispomos para concretizar esse intuito, como a abertura dos arquivos da repressão política na ditadura militar.

Todo esse resgate não é apenas político, revanchista, de caráter ideológico, mas saudosista. Alguns sabem e podem ajudar a tornar real a tão sonhada dignidade do descanso a que qualquer ser humano tem direito, não pelo que pensou ou lutou, mas apenas porque viveu e sem ninguém notar desapareceu.

Fernando Rizzolo

A Amplitude dos Direitos Humanos

Não é de hoje que a questão dos direitos humanos suscita debates apaixonantes entre estudiosos e adeptos de uma política mais abrangente e parte da sociedade conservadora. Talvez o cerne da questão esteja na análise conceitual. Na verdade, no Brasil, os avanços nas garantias individuais sempre ocorreram de forma gradual, em especial no que se refere à proteção à pessoa. Nesse quesito, sempre houve uma estigmatização dos defensores desse nobre direito, que forçosamente passa pela defesa dos mais humildes e desassistidos.

Numa análise perfunctória do tão polêmico 3º Programa Nacional de Direitos Humanos, podemos inferir que sua questão conceitual, tão pertinente na essência, provocou as mais diversas reações em vários segmentos da sociedade, que se sentiram direta ou indiretamente afetados em seus interesses. Por bem, esse conceito amplo de direitos humanos vem sendo adotado internacionalmente há décadas, e prova disso são as concepções elaboradas sobre o tema, já acertadas em 1993, em Viena.

O grande ponto a ser discutido não é a validade do Programa, que é pontual e vem ao encontro dos anseios daqueles que devem ser tutelados pelo Estado, mas a promoção de uma discussão mais “afinada”, para que haja um consenso maior das partes envolvidas no caso. Não resta a menor dúvida de que existem pontos conflitantes, como a questão agrária, em que se priorizam os debates antes do encaminhamento da lide ao Judiciário, ensaiando juízos de admissibilidade, e a criação da Comissão da Verdade, que tem por objetivo punir agentes de Estado por tortura diante de uma situação político-jurídica já contemplada, em função dos efeitos da Lei de Anistia.

Contudo, descaracterizar os demais pontos do Programa, cujos debates democráticos foram alvo da Conferência Nacional de Direitos Humanos, realizada em dezembro de 2008, com a ampla participação da sociedade, precedida de conferências estaduais, como a que houve em São Paulo, organizada pelo governo José Serra, é desvalidar o caráter humanitário de suas propostas amplas, modernas e abrangentes nos mais variados segmentos da sociedade.

As reações contrárias ao Programa têm origem em interesses corporativos, econômicos e institucionais, cujas atuações, via de regra, violam diretamente aquilo que chamamos de tutela e proteção dos direitos da pessoa humana, que, na visão dos opositores, deve ser preterida e pouco discutida, dando lugar a seus próprios e “legítimos interesses”, estes, sim, sempre maquiados pela dúbia interpretação da nobre e antiga palavra denominada “liberdade”.

Fernando Rizzolo

Ex-ministros da Fazenda defendem ação do Estado na economia

O ex-ministro da Fazenda Delfim Netto defendeu a participação do Estado no desenvolvimento do país. Segundo ele, não existe desenvolvimento econômico sem um Estado indutor. “Essa idéia idiota de que o mercado é capaz de produzir crescimento é a coisa mais falsa do mundo. Não existe nenhum exemplo histórico em que o estado tenha ficado de fora olhando o país crescer”, afirmou.

Delfim Netto, que foi ministro da Fazenda entre 1967 e 1974, durante o regime militar, disse que seu governo utilizou métodos, como a redução da taxa de juros e ampliação de prazos para o recolhimento de impostos, para aumentar o capital de giro e retomar o crescimento econômico.

Segundo ele, não existiu nenhum milagre econômico durante sua gestão. “Não houve milagre, milagre é efeito sem causa. O crescimento do Brasil teve causas muito objetivas, que foi o trabalho dos brasileiros. Nada caiu do céu”, afirmou.

Ele contou também que, quando foi convidado pelo então presidente Costa e Silva para ocupar o Ministério, propôs recuperar o suprimento de energia e reduzir a importância do café na economia nacional que, na época, representava 70% da receita cambial brasileira.

O também ex-ministro da Fazenda Ernane Galvêas lembrou que, em outras ocasiões, o governo lançou mão dos subsídios do Estado para recuperar o crescimento econômico e promover o equilíbrio na balança comercial.

“Foi o financiamento do BNDES para a infra-estrutura que fez com que todo o governo do presidente Médici, agredido pelo primeiro choque do petróleo, mantivesse um crescimento econômico de 6%”, disse.

Galvêas, que foi ministro da Fazenda durante o governo João Figueiredo, entre 1979 e 1985, disse que, durante sua gestão, o Brasil sofreu o segundo choque do petróleo, que fez o preço do barril disparar de US$ 12 para US$ 36.

Além disso, a economia brasileira foi atingida pela alta da taxa de juros no mercado mundial, o que resultou em uma retração de 6% no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. “Tivemos que redobrar os esforços para conter as importações e fazer com que as exportações crescessem”, disse.

Os dois ex-ministros participaram do primeiro painel do “Seminário Desenvolvimento Econômico: Crescimento com Distribuição de Renda”, realizado pelo Ministério da Fazenda em comemoração aos 200 anos da instituição.

Fonte: Agência Brasil

Rizzolo: Uma das características da economia do regime militar, era a forte presença do Estado como um indutor ou provedor das políticas de investimento. A reboque, a iniciativa privada participava com presença expressiva. As argumentações de que o mercado por si só resolve as questões econômicas, estão desacreditadas até nos EUA, onde por falta de uma regulamentação do Estado surgiu a crise das ” subprimes”. Não resta a menor dúvida que a saúde de uma economia moderna, deve se basear na dosimetria da participação do Estado, o que não significa que o tom e a indução aos investimentos da iniciativa privada sejam por conta de “arranjos do mercado”, mas sim através de um Estado cauteloso, provedor e norteador destes investimentos.