Uma questão humanitária, não tributária

*por Fernando Rizzolo

Ela estava lá, bem ao lado do corredor, envolta no cheiro típico dos grandes hospitais, um cheiro que lembra assepsia e tristeza. O movimento era intenso, pessoas passavam por ela, deitada naquela maca, e sem notá-la por certo, por entender que era apenas mais uma; dessa forma, mal podiam perceber sua dor, seu desespero, seu abandono. Com certo cuidado, tentei me aproximar da pobre mulher e constatei seu sofrimento na longa espera para ser atendida num dos maiores hospitais públicos do país.

Por um instante, como se fosse um filme daqueles de cunho documentário, me vieram inúmeras imagens de pessoas na mesma condição, e que naquele exato momento sofriam o desalento de ser obrigadas a sofrer no corredor frio de um hospital por um simples motivo: a insensibilidade do poder público com a saúde dos pobres. Questionei, então, onde estaria a dignidade humana quando milhares de pessoas humildes, hipossuficientes, sem recursos, agonizam por falta de uma estrutura digna da saúde pública? Quais argumentos tributários, econômicos, poderiam superar o sofrimento, o desespero de um pai ou mãe da periferia ao ver seu filho não ter assistência digna por parte de um hospital público nesse imenso Brasil?

Ao tomar conhecimento de que os governadores do PSB articulam a criação de um novo imposto para financiar a saúde, a CSS (Contribuição Social para a Saúde), pude refletir que existe nessa iniciativa algo muito maior do que a criação de um novo imposto (que não pode ser sonegado). Pude enxergar quão nobre seria todos nós nos unirmos para definitivamente oferecer uma saúde pública digna e próspera ao pobre povo brasileiro. Não há que se falar, ou questionar, de forma alguma, aspectos tributários, arrecadatórios, ou argumentações de cunho econômico numa visão mercadológica quando a questão é a saúde do pobre trabalhador e sua família.

Muito mais do que ajuda humanitária que arrebata nossa consciência nas tragédias no exterior, devemos nos consternar e nos voltar para o que ocorre com os doentes da rede pública no nosso país, com os seus familiares, com as pálidas crianças brasileiras que carecem de um atendimento humano e digno. Transformar o debate sobre a legitimidade da CSS é privilegiar o capital, o egoísmo, o individualismo e a indiferença, ignorando o sofrimento daqueles que – ao contrário dos defensores de uma “reforma tributária urgente” – não possuem planos de saúde que dão acesso aos melhores hospitais do Brasil e a todos os tipos de tratamento médico na esfera particular.

Cerrar fileira contra a CSS é chancelar o sofrimento do próximo, anestesiando a essência de um Brasil mais justo, mais humano, e mais atento aos que nos corredores dos frios hospitais públicos agonizam pela atenção do Estado – que deve ter uma visão mais humanitária e menos tributária para que todos passem a gozar de uma vida digna e menos sofrida. As bases de uma discussão sobre um imposto para a saúde dos pobres devem, acima de tudo, surgir num ambiente político humanitário, e não no alto dos prédios da Avenida Paulista, sob o comando de empresários que se dizem “socialistas”, exceto quando se trata de pagar impostos para o bem comum.

Dilma diz a bispo que aborto é questão de saúde pública

A candidata da PT à Presidência da República, Dilma Rousseff, respondeu hoje a um artigo publicado no site da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), assinado por d. Luiz Gonzada Bergonzini, bispo de Guarulhos, na Grande São Paulo, recomendando o boicote à candidatura dela por causa da defesa do aborto nos casos permitidos por lei. Em entrevista à rádio Marano, de Garanhuns (PE), concedida hoje de manhã, Dilma avaliou que o aborto não deve ser tratado como uma questão religiosa, mas de saúde pública.

O texto do bispo, intitulado “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, foi publicado na segunda-feira, mas não está mais disponível para leitura no site da CNBB. No artigo, d. Luiz diz não pertencer a nenhum partido, mas ressalta que, como bispo, “denunciamos e condenamos como contrárias às leis de Deus todas as formas de atentado contra a vida, dom de Deus, como o suicídio, o homicídio, assim como o aborto, pelo qual, criminosa e covardemente, tira-se a vida de um ser humano, completamente incapaz de se defender”.

“Já afirmamos muitas vezes e agora repetimos: não temos partido político, mas não podemos deixar de condenar a legalização do aborto”, diz o texto. “Isto posto, recomendamos a todos verdadeiros cristãos e verdadeiros católicos a que não deem seu voto à senhora Dilma Rousseff e demais candidatos que aprovam tais ”liberações”, independentemente do partido a que pertençam.”

Na entrevista, Dilma afirmou que a posição de d. Luiz não representava a da CNBB como um todo. “Até onde eu sei não é a posição da CNBB”, disse. Ela defendeu que o governo cumpra a lei e faça o procedimento em estabelecimento de saúde públicos nos casos estabelecidos por lei – estupro e risco de morte para a mãe.

“O que nós defendemos é o cumprimento estrito da lei, que prevê casos em que o aborto deve ser feito e provido pelo Estado”, afirmou a petista, ressaltando que mulheres com melhores condições fazem abortos em clínicas, enquanto as menos favorecidas acabam recorrendo a técnicas perigosas, como o uso de agulhas de tricô.

“Não conheço nenhuma mulher que ache aborto uma coisa maravilhosa. Não se deve tratar a questão como religiosa, mas de saúde pública”, afirmou. “(O bispo) parte de pressuposto incorreto. Tanto eu quanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não somos pessoas que acham que o aborto é algo para se falar que se defende. O aborto é uma violência contra corpo de mulher”, disse a candidata.
estadão

Rizzolo: Bem essa é uma questão controversa, pessoalmente sou contra o aborto, porem existem casos já previstos em lei que se autoriza fazê-lo. A grande questão é a população de mulheres pobres, que acabam se submetendo à clinicas clandestinas, muitas vezes contraindo infecções, e morrendo. Eu entendi muito bem a colocação da candidata Dilma Rousseff, não é que ela seja a favor do aborto, aliás só uma pessoa com um coração maldoso poderia apregoar e achar que o aborto é bom, sua colocação foi a de saúde pública, restrita a esse universo.

Em relação ao Velho Testamento o aborto é proibido, até porque ao meu ver, isso é um retrocesso espiritual, tanto é que dois grandes rabinos de Israel dirigiram uma carta às comunidades judaicas locais dizendo que os abortos no país “atrasam a chegada do messias”, informa a edição digital do jornal Yedioth Ahronoth. “A imensa maioria dos abortos é desnecessária e está proibida pela Halajá (lei religiosa judia)”, assinalam Yona Metzger e Shlomo Amar na carta.No escrito, o rabinato superior anuncia que estuda renovar a luta contra o aborto com a criação em seu seio de um comitê especial para tratar de impedir o “assassinato de fetos no ventre das mães”. Trata-se de uma “autêntica epidemia que leva a cada ano a vida de dezenas de milhares de judeus” e que “além da gravidade do pecado, atrasa a chegada do messias”.

Cidades: Lula diz que saneamento básico não será artigo de luxo

“Bem antes do que se imagina a gente vai acabar com o déficit habitacional e saneamento básico não será artigo de luxo”. Com essas palavras o Presidente Lula abriu a 4ª Conferência Nacional das Cidades, nesta segunda-feira (21), em Brasília. O evento, que tem como tema “Cidade para todos e todas com gestão democrática, participativa e controle social”, reunirá até quarta-feira (23), cerca de três mil pessoas, entre delegados, autoridades internacionais e servidores do Ministério das Cidades.

Durante o evento, Lula assinou o decreto de regulamentação da Lei do Saneamento Básico. A lei, sancionada por Lula em 2007, após dez anos de discussão no Congresso Nacional, é conhecida como o marco regulatório do setor.

O discurso do presidente Lula foi breve, assim como o evento, que durou menos de uma hora. Ele se despediu dos “companheiros e companheiras” do movimento social urbano, dizendo que essa era a última conferência de que participava com eles como presidente da República; agradeceu “a lealdade, sem submissão”, nesses oito anos de governo; e destacou os avanços conquistados no setor de desenvolvimento urbano.

“Nunca antes na história da Caixa Econômica Federal nós tivemos a quantidade de financiamento para moradia”, disse, acrescentando que “pouca gente acreditava que nós tivéssemos coragem de apresentar o programa Minha Casa, Minha Vida para construir um milhão de casa neste país.” E, diante da presidente da Caixa, Maria Fernanda Ramos Coelho, ele destacou que já foram contratadas 500 mil e até o final do ano serão contratadas as outras 500 mil.

E continuou: “Até 10 de janeiro, quem assumir a Presidência …”, sendo interrompido pelos gritos da platéia de “Dilma, Dilma”. Ao retomar o discurso, Lula disse que “feliz o presidente da República que tem os companheiros e a relação de amizade que construi ao longo da minha vida política com vocês”.

Acertar ouvindo

Ele demonstrou certeza de que “nas quatro conferências nós avançamos muitos, mas, no movimento social, a cada conquista, a gente precisa de nova conquista, e a sociedade vai evoluindo e nós construímos a democracia e criamos condições para que os governantes compreendam que é mais fácil acertar ouvindo o povo do que no silêncio dos nossos gabinetes.”

O discurso presidencial – informal – foi interrompido pelo próprio presidente, que pediu ao fotógrafo oficial que registrasse o momento com a foto dele com os membros do Conselho das Cidades reunidos no palco, tendo o público ao fundo. Lula também incluiu, em seu discurso, uma fala de destaque à sua amizade com Luiz Gonzaga da Silva (Gegê), líder do Movimento de Moradia do Centro de São Paulo e da Central de Movimentos Populares (CMP), que tem sido alvo de processos judiciais e perseguição política por causa de seu suposto envolvimento em um caso de homicídio até hoje não esclarecido.

“Nós queremos um julgamento digno e a defesa para tornar público o que aconteceu”, disse o presidente Lula, ao lado de Gegê. No dia 5 de abril de 2004, Luiz Gonzaga da Silva foi preso como co-autor de homicídio ocorrido em um acampamento na Vila Carioca, em São Paulo, capital.

O presidente Lula também pediu para que o público, de pé, prestasse uma homenagem às vítimas das enchentes ocorridas em Pernambuco e Alagoas. Após o minuto de silêncio, ele disse que o governo adotaria, com rapidez, as mesmas medidas adotadas para Santa Catarina e Rio de Janeiro.

Avanço nas conquistas

O evento foi aberto por Alcir Ferreira de Matos, representante da União Nacional por Moradia Popular, que disse chegar à quarta edição do evento com “a nítida impressão de missão cumprida”. Ele enumerou as conquistas na luta de 30 anos pela garantia da função social do solo urbano: a caracterização da moradia como direito social; o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social, a criação do Ministério das Cidades, a própria realização das conferências e a eleição do primeiro operário como presidente da República.

Ele também comemorou a regulamentação da Lei de Saneamento Básico como marco histórico da 4a Conferência, mas destacou a necessidade de fortalecer os movimentos democráticos e populares, “que dêem continuidade aos avanços que já conquistamos”. E defendeu a descriminalização dos movimentos sociais, maior controle social dos programas do governo e acesso aos recursos públicos pelas organizações populares.

Coube ao ministro das Cidades, Márcio Fortes, o terceiro orador do evento, falar sobre os preparativos da conferência e os assuntos que serão debatidos. “A Conferência Nacional vai juntar o conteúdo produzido nas 27 conferências estaduais e oferecer ao governo um conjunto de sugestões, que vai sentir o que ela deseja e oferecer a melhor resposta possível”, afirmou.

O Ministro aproveitou a ocasião para fazer o lançamento da campanha para a segurança nas estradas para o período das férias de julho, que tem como slogan “Tire férias, não tire vidas”.

Eixos temáticos

O Conselho das Cidades, promotor do evento, apontou quatro eixos temáticos que refletem os principais desafios para a implantação da política de desenvolvimento urbano:

•Criação e implementação de conselhos das cidades, planos, fundos e seus conselhos gestores nos níveis federal, estadual, municipal e no Distrito Federal;
•Aplicação do Estatuto da Cidade, dos planos diretores e a efetivação da função social da propriedade do solo urbano;
•Integração da política urbana no território: política fundiária, mobilidade e acessibilidade urbana, habitação e saneamento; e
•Relação entre os programas governamentais – como PAC e Minha Casa, Minha Vida – e a política de desenvolvimento urbano.

Esta conferência dá prosseguimento a um processo iniciado em 2003, ano em que foi realizada a 1ª Conferência Nacional das Cidades e criado o Conselho das Cidades, formado por 86 membros, representantes de segmentos da sociedade civil e dos poderes públicos federal, estadual e municipal, com mandato de dois anos.

De Brasília
Márcia Xavier

Rizzolo: O saneamento básico é um problema essencial de saúde pública, de nada adianta implementarmos construções de hospitais, formação de médicos e pessoas na área da saúde, se o que provoca as doenças não é atacado de forma incisiva. No Brasil a política de saneamento básico sempre foi preterida pelo Poder Público porque são obras que não aparecem, não podemos conceber que alem da miséria, as pessoas tenham que conviver com esgoto a céu aberto, sem o mínimo de higiene e dignidade, o decreto de regulamentação da Lei do Saneamento Básico vem ao encontro dessa necessidade imperiosa do povo brasileiro.

Jovens que saíram de escolas públicas comemoram bons resultados

Em época de divulgação das listas de aprovados nos principais vestibulares do país, jovens guerreiros comemoram a mudança de vida. Eles saíram de bairros pobres, estudaram em escolas públicas, se dedicaram e chegaram às melhores universidades do país.

Os livros pré-vestibulares agora são uma pilha no canto de casa. Foram aposentados, depois de seis anos de uso. Desde 2003, Priscila Bezerra da Silva tentava uma vaga de mecânica de projeto na Fatec, em São Paulo. E conseguiu. “[Me sinto] vitoriosa, nervosa, apreensiva, mas aliviada. Tudo isso junto, mas é uma questão de alivio por ter entrado em uma faculdade pública, uma faculdade que eu sempre quis”, comemora.

A manicure sempre estudou em escola pública e precisou se esforçar muito para ganhar da concorrência. “Foi estressante, puxado, corrido. Quase não saía, mal comia direito, ficava horas a fio acordada”, lembra a estudante.

Ada Geralda da Silva insistiu por quatro anos até que a universidade, que parecia tão distante, encheu os olhos desta jovem de alegria. “Não estou acreditando até agora. É indescritível, é inacreditável.”

Ela conquistou uma das 1,7 mil vagas de engenharia de uma universidade pública. Sem cursinho, com persistência. “Já era para eu estar me formando, mas devido à situação financeira, não consegui entrar na faculdade particular. Tive que estudar bastante para chegar aqui”, diz a estudante.

Nos canaviais de Pernambuco, Jonas Lopes da Silva ganhou cicatrizes e a força para querer outra vida. Com 24 anos, filho de um pedreiro e de uma cortadora de cana, ultrapassou 34 candidatos e entrou no curso de medicina da universidade estadual, um dos mais disputados de Pernambuco. “Não tenho como dizer a minha felicidade. Dá vontade de sair correndo nos quatro do mundo gritando”, diz a mãe de Jonas, Edileusa Maria da Silva.

“O sonho de ver meu filho estudando medicina é uma alegria”, completa o pai de Jonas, José Lopes da Silva.

Foram quatro anos de tentativas, morou em alojamento para estudantes, pagou o estudo com trabalho e passou até fome.

Futuro

Medicina, mecânica, engenharia – para cada um deles, a profissão escolhida é a melhor. É ela que vai ajudar a escrever o futuro. “Um futuro de várias amizades, uma boa educação, saindo formada de uma faculdade boa”, espera Priscila Bezerra da Silva.

“Eu pretendo estudar bastante e me tornar uma pessoa melhor, ter a formação que meu pai não conseguiu ter”, planeja Ada Geralda da Silva.

“Não suporto ver as pessoas sofrendo. Olho para elas e me vejo com um bisturi”, comenta o estudante Jonas Lopes da Silva. As aulas dele só começam em agosto. Enquanto isso, o estudante está trabalhando. Vai usar o dinheiro para comprar os livros do curso de medicina e também para reformar a casa dos pais.
globo

Rizzolo: Não há dúvida que estudantes pobres agora possuem uma maior oportunidade de ingressarem em universidades, mas é muito pouco, principalmente em cursos mais concorridos como medicina. Não é possível que num país pobre como o Brasil, ainda existam poucos médicos em relação à população, é inaceitável o corporativismo no bloqueio as novas faculdades de medicina, no não reconhecimento direto dos diplomas no exterior, e na dificuldade dos estuantes pobres pagarem os cursos em faculdades privadas, fazendo com que muitos façam o curso nos países da América Latina, obrigando-os a fazerem um exame quando os que aqui se formam, nem sequer são submetidos a qualquer avaliação. Não se trata de uma questão de nível, de grade, até porque em medicina não existe um exame como o da OAB, é puro corporativismo onde a vítima é a população, os estudantes pobres e a saúde pública. Vamos mudar isso!

Uma caminhada rumo à dignidade

Sempre compartilhei da ideia de que um dos maiores patrimônios que temos na vida é a nossa saúde. Assim, cumprindo as recomendações médicas, levantei cedo, coloquei meus tênis (anti-impacto) e fui caminhar e correr, ou correr e caminhar, como faço quase todos os dias quando estou na praia. Especialmente naquele dia havia muita gente cumprindo as mesmas recomendações e caminhando na orla do Guarujá, litoral paulista. A multidão era grande; enquanto uns iam, outros voltavam com seus trajes diferentes, tênis variados, com o olhar demonstrando cansaço, porém determinado.

Como sou daqueles que preferem pensar em vez de ouvir, não levei meu MP3. Preferi o silêncio das minhas observações à medida que caminhava junto ao mar, desviando vez ou outra das pessoas, muitas das quais não viam a hora de terminar o martírio esportivo. Caminhar e pensar desfrutando do trajeto, analisando a arquitetura dos prédios, observando as pessoas é algo fascinante que aguça nossa capacidade de reflexão, porque sempre há ao longo do caminho atores de situações diversas que acabam participando do percurso não como atletas, mas como vítimas do dia a dia da nossa sociedade.

Naquela manhã, naquele turbilhão de pessoas, observei que em determinado ponto havia um jovem deitado debaixo da pequena fachada de um prédio, provavelmente embriagado – ou drogado, se os leitores assim preferirem. Todavia, a questão é que ele estava bem ali, perdido, desbaratado, maltrapilho, abandonado – uma cena deplorável. Diminuí meu ritmo e tentei adivinhar sua idade, quando cheguei à conclusão de que ele devia ter uns 18 anos. Enquanto a grande maioria das pessoas exercitava sua consciência do ponto de vista da saúde, o jovem de origem humilde estava totalmente à mercê das consequências da miséria, da falta de formação e principalmente da falta de uma política de saúde pública.

Contudo, foi com imensa satisfação que, naquele mesmo dia, ao ler os jornais, tive conhecimento de que o governo federal vai instituir o Comitê Técnico de Saúde para a População em Situação de Rua, que contará com a participação de vários órgãos ligados à saúde, incluindo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Pastoral Nacional da População de Rua e a Organização Médicos Sem Fronteiras. O referido comitê vai propor ações e apresentar subsídios voltados à saúde da população em situação similar à do jovem e elaborar propostas de intervenção conjunta nas diversas instâncias e órgãos do Sistema Único de Saúde (SUS).

Essa iniciativa do governo federal faz parte da política nacional para a população de rua instituída pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva a partir de um decreto que busca promover todo tipo de direito dessa população. A coordenação do comitê será da Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde, e os responsáveis pela política serão a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, além de diversos Ministérios.

É fato que, quando falamos em inclusão social, não podemos deixar de ressaltar que muitas vezes incluir significa primeiro tratar, cuidar, e não apenas promover uma renda mínima imediata. Os jovens de rua, os pobres abandonados pelas famílias, os desvalidos, os alcoólatras necessitam de um plano de assistência médica que envolva programas de reinclusão social semelhantes a essa iniciativa do governo, que busquem promover os direitos humanos, civis, políticos, econômicos e sociais dessa população carente.

Desamarrar os tênis, relaxar as pernas já cansadas de correr e observar que estamos avançando na luta contra essa população jovem e perdida nos faz sonhar com o dia em que jovens como aquele estarão enfim valorizando sua saúde, assim como tantos que por ele passavam, muitos dos quais sem lhe dirigir sequer um olhar, talvez muito mais em razão de seus MP3 que pela falta de indignação de ver seres dormindo o sono da desesperança.

Fernando Rizzolo

Inclusão Social e a Saúde

Como sabemos, não há mais espaço na América Latina para as políticas que visam apenas ao desenvolvimento industrial, que beneficiam a especulação financeira ou que, de maneira indireta, socorram somente uma parcela da sociedade privilegiada, em detrimento de uma grande população carente em todos os sentidos. Os governos da atualidade, incluindo o dos Estados Unidos, pontuam a questão da inclusão social como forma de enfrentar os problemas da miséria – que atinge boa parte da população mundial – com programas específicos.

Não podemos nos referir à inclusão social apenas como uma questão de transferência de renda, mas devemos vinculá-la à participação dos meios de que dispõe o Estado na garantia dos direitos fundamentais previstos na nossa Carta Magna, como educação, saúde, trabalho, entre outros, como tem norteado alguns programas como o Bolsa-Família, que vincula o recurso à educação dos filhos. Contudo, numa visão mais abrangente, podemos verificar que, muito embora exista a boa intenção, alguns direitos acabam sendo preteridos pelo Poder Público, sob a justificativa econômica, os quais, na realidade, perfazem a essência do que chamamos de real inclusão social, como, por exemplo, a prestação adequada dos serviços de saúde pública à população necessitada.

Do ponto de vista meramente material, a referência à inclusão social, incidindo apenas na condição do poder de compra, é uma das más-formações conceituais de um programa real de inclusão. De forma prática, temos de margear a transferência de renda, dando o devido suporte aos demais direitos fundamentais do cidadão, como a saúde pública, otimizando de modo global a conceituação de inclusão, tendo em vista que, de nada adianta apenas aumentar o poder de compra, ou seu reflexo futuro na educação, se não adequarmos a esse aumento uma saúde pública de suporte, eficaz, àqueles que passam a integrar a sociedade, por intermédio dos notórios programas de transferência de renda.

Nessa esfera de pensamento, defrontamo-nos com a imperiosa necessidade de disponibilizarmos recursos à saúde como forma primordial de sustentabilidade dos programas inclusivos, valendo-nos de impostos como a CSS (Contribuição Social para a Saúde), que visa dar uma estrutura financeira direta ao desenvolvimento dos programas de assistência à saúde, tanto de adultos quanto de crianças. A abrangência conceitual da inclusão social passa cada vez mais pela visão plena da satisfação do cumprimento dos direitos fundamentais previstos na Constituição, sob pena de apenas estarmos avalizando o mero consumo, promovendo uma cadeia consumista de estrito cunho material, deixando de vincularmos o essencial, que é a inclusão da população carente num todo, exercitando as prerrogativas saudadas pela nossa Constituição, que, por excelência, é humana e progressista.

Fernando Rizzolo

IBGE: 18,5% usam planos privados de saúde no país

O número de beneficiários dos planos privados de assistência médica chegou a 18,5% da população do país em 2005, indica pesquisa divulgada hoje pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) – cujo objetivo é verificar como está estruturado o setor de saúde no País -, revelando dados da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).

De acordo com os números, em junho de 2005 existiam cerca de 34 milhões de vínculos de beneficiários a planos privados de assistência médica e 6 milhões de vínculos a planos exclusivamente odontológicos. Entre junho de 2000 e junho de 2005, o número de beneficiários no segmento de planos de assistência médica cresceu 11%.

A maior taxa de cobertura foi registrada em São Paulo, com 35,7% de sua população coberta por planos privados de saúde; e a menor em Roraima, com 2,3%. Entre 2000 e 2005, a receita dessas operadoras privadas médico-hospitalares, apurada pela ANS, passou de R$ 21,8 bilhões para R$ 36,4 bilhões. A pesquisa mostrou ainda que a saúde pública é a principal despesa de consumo final das administrações públicas, passando de 2,4% a 2,6% do PIB (Produto Interno Bruto) entre 2000 e 2005.

O estudo traz também dados sobre importações de bens e serviços relacionados à saúde, que chegaram a R$ 10 bilhões em 2005, ou o equivalente a 4% do total das importações brasileiras. Já as exportações de bens e serviços de saúde atingiram R$ 1,9 bilhão, ou 0,6% do total das exportações brasileiras em 2005.

Segundo o IBGE, a participação das importações na oferta total de bens e serviços de saúde é “especialmente alta” para os produtos farmoquímicos, ou insumos usados na produção de medicamentos. Em 2003, 93,9% da oferta de farmoquímicos no mercado brasileiro era de produtos importados, proporção que caiu para 83,2% em 2005.
Folha online

Rizzolo: Esta aí um assunto que eu gosto. Várias vezes eu debati este tema neste Blog, certas ocasiões motivado pela indignação, outras motivado pela reflexão sobre o que levou o povo brasileiro se transformar em reféns dos planos privados. Ao analisarmos de forma perfunctória, podemos observar que o aumento do lucro se deve a uma participação maior de brasileiros inseridos; mas o mais intrigante, é na sua origem, refletirmos porque o Brasil ou o povo brasileiro foi compelido a pagar por algo que na Europa, por exemplo, é totalmente gratuito. Não me venham dizer e dar exemplos como os EUA; nenhum Blog nesse País defende mais os EUA do que este, chegam a insinuar que estou a serviço dos EUA, face aos meus textos, mas se há algo nos EUA que eu conheço e desaprovo é a saúde pública.

A saúde é sim um dever do Estado, e ponto final. Precisamos enxergar a questão da saúde como um dever do Poder Público e molda-la nos termos da Inglaterra, França, Itália. Quem quiser pagar um plano de saúde particular, ótimo, mas o Estado tem que investir de forma maciça. É claro que tudo foi sucateado de propósito, é claro que hoje quem pode, até por segurança, prefere pagar um plano de saúde. Mas isso é correto? Não. As pessoas são compelidas porque o Estado brasileiro não oferece outra opção. Além de brasileiro, sou cidadão europeu, e conheço hospitais públicos ingleses e franceses. Vai você falar em plano de saúde para um inglês, um francês, para ver o que te acontece. Privatizem, ganhem dinheiro, mas não tornem a saúde, um bem de comércio, o povo brasileiro não merece.

A Nova CPMF e a Dignidade dos Pobres

Alan Lebowitz sempre foi um rapaz franzino de pouco peso e muitas indagações. Vivia numa cidade da Polônia e estudava numa Yeshiva (seminário judaico). Certa vez algumas horas antes do Shabbat (dia sagrado pelos judeus), Alan foi impelido a uma questão de alta indagação – como sempre surgiam elas antes de todo o Shabbat-, num canto da sinagoga vestido de preto e com um olhar distante, pensava ele de que forma formularia a questão que tanto o inquietava naquela tarde, tão logo o religioso Rabino chegasse.

Ainda meio constrangido, ao ver o Rabino chegar, tentou de forma inibida se aproximar; e num ato de heroísmo, meio que ruborizado, fez a pergunta que de certa forma o atormentava :

Perguntou ele: -Rabino, hoje é Shabbat, sei que muitas ações que pratico em dias comuns não posso executa-las hoje, de acordo com as Leis da Torá, mas se eu visse alguém em perigo de vida, na eminência de morte, transgrediria a Torá ao proceder tais atos proibidos no Shabbat ? O rabino olhou para Alan e disse: – Você viu alguém sofrendo, na eminência de morrer em algum Shabbat, e hesitou em socorrê-lo? Não. Disse ele. – Mas se eu visse, e tivesse que para socorrê -lo, infringirir a Lei ou questioná-la poderia eu fazê-lo ? Retrucou ele sem tempo para maiores indagações. O abaixou a cabeça e rabino respondeu: – Primeiro a vida, depois as discussões sobre o que é certo ou errado, terias que tentar de todas as formas salvar alguém na iminência de morte, e se abster das Leis sagradas, pois a vida está acima das discussões e questões sobre o que é certo ou errado.

Vivemos num Pais pobre, onde a maioria da nossa população não tem a quem recorrer a não ser à saúde pública, ao Estado. Filas de desesperados se amontoam aguardando nos corredores frios dos hospitais públicos, por um atendimento de urgência na tentativa de salvaguardar o único patrimônio que possuem, que é a sua saúde, seu corpo e sua dignidade.

Num País onde banqueiros e empresários nunca tanto lucraram, ainda se discute a legitimidade de recursos para a saúde da pobre população. Num País onde nenhum empresário ou banqueiro repassou o valor do fim da CPMF aos seus produtos e sim acabaram incorporando-os aos seus já poupudos lucros, discutem no alto de um pedestal, a questão do ponto de vista jurídico, ou de gestão, usando tal argumentação para negá-los àqueles que estão na eminência de sucumbir nos frios e sombrios corredores na precária assistência dos hospitais públicos do nosso Páis.

Discutir como, e porque não viabilizar a receita da nova CPMF para a saúde pública brasileira, é como não socorrer alguém face a uma questão religiosa. Articulá-la em função de uma postulação ideológica ou jurídica, ou justificá-la por entender que já há recursos demais, é submeter e sobrepor a ganância acima dos preceitos da vida, até porque quem os apregoa são aqueles que tudo do melhor possuem, a si próprios e a sua família. Não podemos jamais sobrepor os interesses mesquinhos sobre as virtudes humanas. O rabino tinha razão. Alan compreendeu. E você ?

Fernando Rizzolo

O pobre vendedor e a Saúde Pública no Brasil

Não faz muito tempo que num jantar junto ao empresariado paulista, o Dr. Jatene colocou seu dedo em riste, e fazia ali uma manifestação pessoal contra o fim da CPMF, dizia ele em bom-tom, que os ricos precisavam aprender a pagar impostos; com muita propriedade sustentou a contribuição, como essencial à saúde pública no Brasil. Foi derrotado.

Pouco mais de um mês, somos surpreendidos com um incêndio num dos maiores hospitais públicos do Brasil, o Hospital das Clínicas em São Paulo. Vítima do incêndio, falece um pobre vendedor que estava internado com câncer, desde novembro; segundo informações, o vendedor foi submetido a uma cirurgia para a extração de um tumor no esôfago, e desde então estava em estado grave no pós-operatório do centro cirúrgico.

Esse incêndio, uma fatalidade, desnuda a condição da nossa saúde pública, dos nossos hospitais, da falta de estrutura, da falta de manutenção, do desrespeito ao cidadão simples que não tem a quem recorrer, a não ser ao Estado raquítico brasileiro, como diz o economista Pochmann da Unicamp. O HC é uma autarquia, portanto autônoma para gerir os recursos. Dirigida por ” Catedráticos” que se posicionam em ” departamentos ducados “, fazem o que bem entendem na gestão pública do orçamento, lá impera a política, e não a excelência na gestão. Dos R$ 16,9 milhões orçados pelo governo do Estado para obras de adequação, ampliação e aparelhamento do Hospital das Clínicas neste ano, 17,83% – R$ 3.013.281,00 – foram empenhados, de 1º de janeiro até 18 de dezembro. E R$ 2.667.806,00 (15,79%) foram realmente pagos aos prestadores de serviços ou em compra de materiais e equipamentos. Todo o circo político que envolve a administração do HC já fora denunciado pelo médico Waldemir Rezende em seu livro Estação Clinicas.

Quanto ao problema principal, que é a saúde pública brasileira, o fim da CPMF nada significa, para o nosso presidente. Promete ele, ” dar uma volta por cima ” e ainda afagando os poderosos, menti ao dizer que não aumentará impostos, nem tampouco criará novos tributos. Nos resta uma perguntar: Porque Lula não diz a verdade? Repor R$ 40 bilhões que seriam destinados à saúde, apenas cortando gastos? Isso não é verdade, a reforma tributária prevê minimizar a quantidade de impostos, mas não a arrecadação. Não podemos apenas contar com a calmaria do mercado, na evolução das condições econômicas que por si só aumentam a arrecadação, precisamos de um Estado forte, que disponibilize infra estrutura para o desenvolvimento de uma política digna de saúde pública no Brasil.

O Senado rejeitando a prorrogação da CPMF, barganhou o que pode, e não outorgou aquilo que o pobre mais precisa, recursos. Precisamos ir além das mesquinharias políticas de ocasião, e enfrentarmos o problema da saúde pública de frente. O governo repete qual mantra os mesmos sofismas, fazendo acreditar que apenas com ” ajustes e cortes” resolverá o problema causado pelo rombo da CPMF.

Lula não quer um enfrentamento com as elites, e dessa forma, faz uso de todas as milongas para devagar desmentir o que jamais deveria ter dito, que está tudo bem, e que tudo se resolverá, num afago àqueles que por interesses políticos nunca consternaram com as crueldades infligidas ao povo pobre, que só ao Estado pode se socorrer. O vendedor morreu, no dia de Natal, e muitos nessa noite, no Hospital das Clínicas, se desesperavam ao som das sirenes das ambulâncias, enquanto a elite e os Senadores, brindavam de forma emblemática a essência do cristianismo, numa Noite Feliz.

Conheça os bastidores do HC – Estação Clínicas

Fernando Rizzolo