INSEGURANÇA ALIMENTAR E AS NOVAS DOENÇAS

Um grande problema do Brasil atual é o fato de ter que lidar com as novas doenças ao mesmo tempo em que o país atravessa uma situação de insegurança alimentar que atinge parcela significativa da população. Assim foi com a Covid-19, em consequência da qual mais de 620.000 pessoas morreram, grande parte em razão da precariedade no atendimento básico oferecido à época, que foi alvo de políticas ideológicas e outros problemas de gestão, principalmente pelo descaso por parte do governo no início da pandemia no tocante à estrutura de vacinação e atendimento.

O mapeamento do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar, no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil aponta que a pandemia agravou a fome no país, que soma atualmente 33,1 milhões de pessoas que não têm o que comer. Em comparação com 2020, são 14 milhões de brasileiros a mais em situação de insegurança alimentar grave em 2022, sendo as regiões do Norte e Nordeste as mais impactadas, segundo dados revelados pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional.

Ao analisarmos o número de cidadãos vulneráveisno contexto da Saúde Pública, não nos resta a menor dúvida de que estamos fragilizados em termos estruturais e impossibilitados desalvaguardar o atendimento médico através do SUS àqueles que não têm acesso aos planos de saúde. A fome, com efeito, propicia um aumento das doenças de base, além das que estão ainda afetando a população em geral, como a Covid-19 e, mais recentemente, a varíola dos macacos.

Em relação a essa última, a OMS decretou emergência de saúde, e o próprio Ministério da Saúde já confirma mais de 696 casos da varíola dos macacos até o dia 23 de julho de 2022. Só em São Paulo já temos 506 infecções confirmadas, o que faz o estado liderar o “ranking”. O Rio de Janeiro aparece na sequência, com 102 registros. Desde maio o mundo enfrenta o maior surto do vírus fora da África. Segundo estudo publicado esta semana no New England Journal of Medicine, a doença provocou até agora cinco mortes e é transmitida principalmente pelo sexo, mas pode também ser transmitida por meio de qualquer tipo de contato físico. Como se não bastasse, a OMS alerta para um novo tipo de hepatite: a aguda, que causa inflamação do fígado.

Isto posto, resta-nos esperar a atenção devida àSaúde Pública no Brasil, mantendo todas as políticas já adotadas anteriormente, durante a pandemia de Covid-19, e ampliando osinvestimentos em saúde, valorização do SUS, melhoria na gestão dos estoques de vacinas,formação e valorização dos profissionais da saúdee, acima de tudo, o combate à miséria e a implementação de projetos visando minimizar a insegurança alimentar, ao mesmo tempo informando a população sobre as novas doenças e formas de preveni-las; afinal, mais importante doque as eleições que estão por vir é a saúde do povo brasileiro, neste momento de imensa vulnerabilidade imunológica e econômica.

Fernando Rizzolo é advogado, jornalista, mestre em Direitos Fundamentais.

Na história da humanidade, podemos incluir diversos conceitos que passam pelo bom senso do ponto de vista ético. Assim foi através da filosofia, das religiões, das lutas pelo poder, mas algo em especial, independente dos fatores advindos dessas conceituações, esbarra numa esfera em que o julgamento pessoal deve ser levado a uma reflexão humana do ponto de vista pragmático, sem paixões ou influências políticas.Longe de mim ser um crítico do capitalismo em si, até porque o capitalismo ou o liberalismo tem sido a saída para os regimes totalitários, de tal sorte que não me atenho neste momento a apregoar uma cruzada contra os ricos ou bilionários. Sabemos que no regime capitalista cada um faz o que quer com seu dinheiro, mas isso também ocorre em qualquer regime político do planeta. No entanto, a questão crítica, e eu poderia até dizer a questão que aborda os conceitos judaicos de ética e filosóficos acadêmicos, é que o mundo caminha para uma pandemia que parece sem fim, uma desestabilização dos países mais pobres, que os leva em direção à miséria, sendo, portanto, pertinente uma análise, mesmo que perfunctória, do que está ocorrendo neste cenário mundial.No Brasil da pobreza, tive notícia, por exemplo, de que recentemente em Cuiabá, capital do estado de Mato Grosso, milhares de desempregados, doentes, órfãos, sem teto e desvalidos se juntaram numa verdadeira luta corporal em frente a um açougue para conseguir o que chamam de “ossinho”, um pequeno osso com mínimos filamentos de carne que serve para, quando cozinhado no carvão, ser acrescentado, uma vez por mês, ao pouco feijão que existe para alimentar uma família inteira.Para não me ater apenas ao Brasil, depois de mais de um ano de pandemia, milhares de pessoas no mundo não têm sequer o direito a alimentação, saúde pública e dignidade.Diante desse cenário, o bilionário americano Jeff Bezos, o homem mais rico do mundo, dono de uma fortuna estimada em 188 bilhões de dólares, decolou para fazer “turismo no espaço”, numa época em que cerca de 780 milhões de pessoas que vivem com menos de US$1,90 por dia buscam algum tipo de alimento para não passarem fome na Terra.E alguém poderá dizer: “mas o dinheiro é dele”. Sim! Contudo, existe algo que falta ser cultivado na mente dos bilionários, que é a ética capitalista. Com efeito, até para ser um grande capitalista é necessário ter a consciência de que não é correto gastar ostensivamente enquanto milhões de pessoas foram jogadas nas valas da fome e da pobreza extrema atualmente. Enfim, “o dinheiro é dele”, mas a ética é da humanidade.Talvez, do espaço, sem a gravidade e com a leveza dos corpos, bilionários vejam um mundo melhor, mas acredito que, ao chegarem, vão se deparar, mais dia, menos dia, com o peso na consciência. Aliás, consciência não se compra no mercado. Assim sendo, fecha-se os olhos e decola-se, pois isso, na realidade, é um problema dos astronautas da fome.

A fome, a morte e a economia

É bem verdade que inúmeras discussões e análises têm concluído que a liberação ou o afrouxamento das medidas sanitárias alavancam a economia, mas também é verdade que ao mesmo tempo em que se abre o comércio, principalmente em cidades menores, a pandemia aumenta. E, diante dessa discussão sanitarista, que extrapola o bom senso e migra para a economia, em cujo cenário a direita tenta encontrar ou justificar sua responsabilidade, surge o grande desenlace que,não só no Brasil, mas no exemplo das grandes nações como os EUA, confirma, seja na economia, seja nos números de mortes e infecçõesda população: o agravamento ou a solução de grande parte do que vem ocorrendo nesse cenário é diretamente proporcional ao fator vacinação.

Com efeito, o governo Bolsonaro nunca teve interesse ou apostou nas vacinas. Como podemos inferir na CPI da Pandemia, ou CPI da Covid, a postura do governo federal foi negligente com a compra das vacinas a tempo, uma decisão cujoprincipal efeito foi a morte de milhares de cidadãos brasileiros e impacto significativo na economia, nos investimentos, trazendo muita tristeza, angústia e indignação no que diz respeito à imagem do Brasil no exterior. 

Surpreende saber que, mesmo com o recrudescimento de uma terceira onda, ou ainda numa extensão da segunda onda, o governo continue a insistir em ofensivas contragovernadores, entrando com uma nova ação noSupremo Tribunal Federal (STF) a fim de derrubar medidas restritivas para conter o avanço da pandemia impostas pelos estados.

Ora, se já verificamos que existe uma relação entre vacinados e evolução pandêmica, e se no Brasil houve negligência, descaso, nos colocando na posição de segundo país em número de mortes,o que nos resta, diante de uma escalada pandêmica, senão nos socorrer em um“lockdown”, nos moldes do que foi implementado em nações como a Inglaterra e outros países europeus?

É difícil compreender a postura do governo federal ao insistir na abertura total do comércio e demais serviços quando se sabe que o próprio governo não demonstrou o empenho necessário no que se refere à vacinação, uma vez que está bastante comprovado que, quanto maior o número de vacinados, mais segura estará toda a população.

Essa parcela da direita brasileira precisa, com urgência, se conscientizar de que, com políticas desse tipo, prejudica o próprio empresariado, que já descobriu quem foi o grande causador de toda sequência de tragédias econômicas e sanitárias, com um saldo de 450.000 morte e 14,8 milhões de desempregados. 

Outra questão a ser observada com atenção é que, ao se constatar uma queda brusca da popularidade e aceitação do governo, o mercado interno se aqueceu, as bolsas subiram e o real se fortaleceu. 

Talvez alguém veja esta análise como um equívoco, mas, diante de tanto erro, vale a pena pensar, afinal, uma reflexão não faz mal a ninguém, e certamente fará muito bem aos empresários.

Para se ler no frio

“Gosto dos dias frios, dos dias úmidos, daqueles que você se aquece ao sair. Se tiver então caminhando sozinho com este tempo numa rua de paralelepípedo é ainda melhor, a cada passo podemos ver e sentir as pedras já gastas pelo tempo com a face brilhante uma ao lado da outra.
Isso sempre me lembra uma antiga rua chamada Dona Eugênia em Porto Alegre, uma rua de paralelepípedo, tranquila, e que podia-se ver até “alguns ensaios “ de mato crescendo entre uma pedra e outra. Hoje existem poucas ruas de paralelepípedo, elas foram trocadas pelo asfalto sem graça, sem poesia, que não brilha, que não escorrega, que não há pedras iguais, tornaram-se para mim “ruas baseadas na meritocracia capitalista”, ruas onde o “piche gestor” determina o caminho mais rápido.
Saudades das ruas de pedras, que te faziam olhar para os pés, que te encantavam com sonhos, estas eram as ruas de verdade, por onde a água da chuva permeava como quem bebe da natureza.
Vamos fazer da nossa vida uma rua daquelas antigas, onde cada pedaço e cada trajeto nos aquece e nos inspiram a sermos iguais, uma pedra ao lado da outra, eternizando o passado , reafirmando o solidário … gosto dos dias frios, dos dias úmidos eles me fazem sonhar”

Poema de madrugada

Esta noite eu acordei depois de ter sonhado com aqueles sonhos que nada dizem….acordei pensando em você.

Ao lado da minha velha cabeceira com dezenas de remédios inócuos e inocentes, que me acompanham desde a minha adolescência , como aspirinas, omeprazol, e alguns para eventualmente controlar minha velha asma companheira, olhei fixamente para eles na escuridão. Essa noite eu acordei de madrugada, troquei o travesseiro, olhei para o teto, e então comecei a pensar em você….

Não era daqueles pensamentos que te abraçam e te levam de volta para o sono, era maior, o suficiente para manter meus olhos parados e docemente lembrar de você, por entre tantos remédios inocentes na cabeceira, você meio que me parecia a um bálsamo perdido, que me abraçava na fria madrugada, mergulhado no silêncio da noite, onde de longe ouvia os ônibus subindo as ladeiras da Vila Madalena.

Foi então que eu tentei uma aspirina, numa pequena dose, mas você insistiu em ficar dançando no meu pensamento , era enfim o começo de uma história que meu coração me escondia, uma leve sensação de amor como que se uma fruta não estivesse ainda madura.

Então antes de adormecer, novamente dei o nome deste poema de “poema da madrugada ” , apaguei a luz do meu velho “criado mudo ” e ele então calou-se de forma súbita. Então, bem então, fui dormir e nunca mais pensei em você , talvez foi a única coisa boa que o criado que era mudo repleto de remédios inocentes me aconselhou…….esta noite eu acordei…….mas voltei a dormir…

Brasil, o celeiro da Covid

 

Uma das correntes que explicam a transmissão do vírus no Brasil não é propriamente científica, mas ideológica. É bem verdade que o governo brasileiro sempre agiu em desacordo com a proteção social em relação a essa questão epidemiológica, abrindo a discussão como uma farsa, bem ao estilo do então presidente dos EUA, Donald Trump. A essência do negacionismo, do simplismo no tratamento através de medicações inócuas, as demonstrações públicas das aglomerações sem máscara, a falta de coordenação do planalto, sempre justificada pela decisão do STF que delegava a governadores e prefeitos o combate à pandemia o que não é verdade, pois a Corte não eximiu o governo federal de responsabilidade, pelo contrário, reforçou a competência dos executivos , fizeram do Brasil preocupação internacional na proliferação de novas variantes ante o descontrole do governo.

Um fato incontestável é que Bolsonaro sempre apostouque a população não iria aderir às vacinas, pois várias vezes afirmou que jamais a tomaria, e que a economia era,sim, vítima de uma “epidemia fabricada”, em que o vírusera um agente político para promoção de governadores e oposicionistas. E tal pensamento de certa forma acabouimpregnado na mente dos negacionistas, grande parte dos seus eleitores, muitos dos quais, diga-se de passagem, já faleceram em virtude da Covid-19. 

Diz um ditado alemão que “se há 10 pessoas sentadas numa mesa, um nazista se senta e ninguém levanta, então há 11 nazistas sentados”, e é exatamente nessa linha de pensamento que se pode avaliar a influência exercida poruma corrente ideológica que alimenta a contaminação pelo vírus. 

Hoje no Brasil o grande problema são as variantes, o que torna a contaminação e a virulência duplicadas, atacando, portanto, os jovens, ao contrário de outrora, em que eram apenas os mais idosos as vítimas fatais. 

A questão de saúde pública é complexa, ainda mais se tratarmos de lockdown, uma vez que de nada adianta restaurantes cumprirem as exigências de segurança, sebares, festas, igrejas e aglomerações em geral não o fazem.Aliás, essa é a queixa de determinados setores da economia, e com razão.

Isto posto, resta-nos apenas uma esperança, a vacinação em tempo ágil, o que até agora não demonstra que pode ocorrer, já que o governo não acompanha a produção e a compra destas no mesmo ritmo das contaminações. Para constatar o terrível desprezo por mais de 250.000 mortes, atualmente quase 2.000 mortes por dia, nada melhor e mais triste do que uma frase de Jair Bolsonaro em relação a essa tragédia dita esta semana: “Chega de frescura e mimimi. Vão chorar até quando?. Pobre Brasil, um país que realmente não é para principiantes. Prova disso é ologístico General Pazuello…

Assim, enquanto a tristeza e o abandono nos empurram às lágrimas, grandes infectologistas e países oferecem seu apoio, talvez para enxugar o choro doído dos desamparados…

 Fernando Rizzolo é advogado, jornalista, mestre em Direitos Fundamentais.

 

Amazônia: a outra face de D’us

* por Fernando Rizzolo

Não sei realmente por que, mas naquele dia, caminhando por aquele bosque que mais parecia uma floresta de pínus, fixei os olhos nos meus pés. A terra um pouco umedecida e o ar frio que soprava não me intimidavam, ainda que o sono quisesse me levar de volta à minha casa.

Sempre gostei das florestas, das matas, dos bichos que vivem daquilo, e todas as vezes que estou envolto às árvores, mantendo meu ritmo de caminhada, onde ouço apenas meus passos e os pássaros, penso em Baruch Spinoza (1632-1677), um filósofo do século XVII. Nascido em uma família judaico-portuguesa, seus familiares vinham, havia algum tempo, fugindo da Inquisição. Filho de um rico comerciante, viria a se tornar, posteriormente, um dos maiores pensadores racionalistas dentro da chamada filosofia moderna. Spinoza acreditava que Deus era a engrenagem que movia o Universo, e que os textos bíblicos nada mais eram que símbolos que dispensam qualquer abordagem racional.

Contudo, o mais interessante em Spinoza era sua visão una de natureza e Deus – a natureza como um reflexo da expressão divina. Por certo, com base nesse ponto de vista, podemos, sim, nos conectar com Deus quando estamos em sintonia com a natureza. Não há por que negar que não existem diversas maneiras de orar; pensar nas questões ambientais, na luta pela sua preservação também é uma forma de oração. Caminhar pela manhã sentindo o orvalho no rosto e o cheiro das folhas de eucalipto é mais do que exercitar os passos firmes em direção ao alto da montanha – é reaver o conceito panteísta de que Deus é naturante e a natureza, naturata (gerada).

Ainda me lembro de quando sobrevoava a Amazônia vindo de um Congresso de empresários na Venezuela dois anos atrás. A imensidão do verde me fez pensar em todas as formas de vida que ali habitavam; era como se eu avistasse de cima a expressão divina da criação. A preocupação com a preservação da Amazônia é uma constante em todos nós, e tudo o que lá habita pertence a nós brasileiros. Por consequência, deve existir um nexo causal, de cunho filosófico-espiritual, entre Deus e a obrigação cívica do nosso povo em tutelar aquela área.

Sempre que caminho nas minhas manhãs penso na grandiosidade divina e em nossa responsabilidade ambiental como brasileiros. Imagino a expressão de gratidão daqueles seres da floresta, à imagem divina, que nada possuem em sua defesa a não ser enxergarmos a natureza como a via Spinoza. Caminhar pelos campos verdes, na luta contra a destruição das florestas, é sair em defesa contra as serras afiadas do lucro que rasgam a face verde de Deus e lutar contra os que jamais caminharam na mata sentindo o orvalho no rosto ou souberam que natureza e Deus nada mais são que uma mesma oração.

Inclusão social e a saúde

Como sabemos, não há mais espaço na América Latina para as políticas que visam apenas ao desenvolvimento industrial, que beneficiam a especulação financeira ou que, de maneira indireta, socorram somente uma parcela da sociedade privilegiada, em detrimento de uma grande população carente em todos os sentidos. Os governos da atualidade, incluindo o dos Estados Unidos, pontuam a questão da inclusão social como forma de enfrentar os problemas da miséria – que atinge boa parte da população mundial – com programas específicos. 

Não podemos nos referir à inclusão social apenas como uma questão de transferência de renda, mas devemos vinculá-la à participação dos meios de que dispõe o Estado na garantia dos direitos fundamentais previstos na nossa Carta Magna, como educação, saúde, trabalho, entre outros, como tem norteado alguns programas como o Bolsa-Família, que vincula o recurso à educação dos filhos. Contudo, numa visão mais abrangente, podemos verificar que, muito embora exista a boa intenção, alguns direitos acabam sendo preteridos pelo Poder Público, sob a justificativa econômica, os quais, na realidade, perfazem a essência do que chamamos de real inclusão social, como, por exemplo, a prestação adequada dos serviços de saúde pública à população necessitada. 

Do ponto de vista meramente material, a referência à inclusão social, incidindo apenas na condição do poder de compra, é uma das más-formações conceituais de um programa real de inclusão. De forma prática, temos de margear a transferência de renda, dando o devido suporte aos demais direitos fundamentais do cidadão, como a saúde pública, otimizando de modo global a conceituação de inclusão, tendo em vista que, de nada adianta apenas aumentar o poder de compra, ou seu reflexo futuro na educação, se não adequarmos a esse aumento uma saúde pública de suporte, eficaz, àqueles que passam a integrar a sociedade, por intermédio dos notórios programas de transferência de renda. 

Nessa esfera de pensamento, defrontamo-nos com a imperiosa necessidade de disponibilizarmos recursos à saúde como forma primordial de sustentabilidade dos programas inclusivos, valendo-nos como na distribuição em massa das vacinas, na luta contra o negacionismo, na implementação de um programa de vacinação abrangente para vencermos a desafiadora pandemia do coronavírus, com a devida responsabilidade sanitária . A abrangência conceitual da inclusão social passa cada vez mais pela visão plena da satisfação do cumprimento dos direitos fundamentais previstos na Constituição, sob pena de apenas estarmos avalizando o mero consumo, via auxili emergencial, promovendo uma cadeia consumista de estrito cunho material, deixando de vincularmos o essencial, que é a inclusão da população carente num todo, exercitando as prerrogativas saudadas pela nossa Constituição, que, por excelência, é humana e progressista.

Pandemia, religião e imunidade

No tocante a pandemia que vivemos, gostaria de abordar um estudo interessante realizado em Israel sobre a questão da relação entre as doenças em geral e a fé.

Estudos científicos realizados nas últimas quatro décadas têm demonstrado o papel do ponto de vista público e pessoal da religiosidade e seus efeitos na saúde e na longevidade. Tais pesquisas têm evidenciado que a prática da fé e da religiosidade, aumenta, de certa forma, a imunidade geral dos pacientes. Alguns dos resultados citados foram pesquisados durante 16 anos em Israel, em comunidades com o mesmo perfil, porém vivendo espiritualmente de forma diversa: uma num kibutz secular não-religioso e outra num kibutz religioso.

Apesar de ambas as comunidades serem demograficamente iguais, contendo o mesmo nível de estrutura médica e social, o número de óbitos era o triplo no Kibutz secular, comparado-se em relação ao religioso. Pesquisas nesta área também foram realizada na Inglaterra. Através de estudos semelhantes foram constatado os efeitos da fé na superação dos problemas de saúde.

Verificou-se, por exemplo, num estudo sobre os efeitos das doenças meningocócicas em adolescentes, que a religiosidade, a fé e a espiritualidade, tinham o mesmo efeito preventivo que as vacinas para as doenças relacionadas a esta bactéria ( Tully J, Viner RM, Coen PG, Stuart JM, Zambon M, Peckham C, Booth C, Klein N, Kaczmarski E, Booy R. 2006. Risk and Protective Factors for Meningococcal Disease in Adolescents: Matched Cohort Study. BMJ 332: 445-450.)

O mundo vive um aumento da pandemia do Covid -19 apesar dos esforços dos governos, das vacinações em massa, e de toda sociedade, os procedimentos de higiene preconizados devem continuar sendo amplamente difundidos pela imprensa. Contudo, por tratar-se de uma doença que provavelmente tem no seu âmago, indevidas violações do ser humano contra natureza – no seu característico desrespeito especista, no triste confinamento antinatural de grandes quantidades de animais – temos que refletir e rever nosso estilo de vida e os nossos conceitos em relação aos hábitos alimentares que jamais deveriam ser baseados na violência.

O sofrimento dos animais e a incessante busca de lucro pelos grandes abatedouros escondem, com certeza, um baixo conteúdo espiritual-energético no contexto desta doença. Muito mais do que um vírus, encontramos uma forma de “virulência espiritual”; assim, a razão e a nossa espiritualidade nos levam a lançarmos mão de uma busca religiosa como uma forma complementar de proteção de seus efeitos nefastos.

Pouco importa a religião, a origem ou a forma de se conectar com Deus. Talvez, no silêncio da noite, numa reflexão sobre a procedência desta pandemia e de outras que poderão um dia surgir, ou então numa oração, encontraremos, enfim, uma forma de nos apaziguarmos com toda a natureza e nos harmonizarmos com um elo perdido. Descobriremos também que nos relacionarmos com Deus é respeitarmos os seres vivos por Ele criados que aqui vivem e compartilham conosco essa jornada terrena. Afinal, uma oração ou uma reflexão espiritual é também uma forma de perdão e de harmonia que sempre leva à cura os que têm fé.

Fernando Rizzolo

Garoa na praia

Existe às vezes, uma moldura diferente na vista da praia de cima do prédio. A chuva fina molha a praia vazia, e talvez por estar vazia nos remete às lembranças passadas. A chuva molhando a praia em dia nublado, cheira a whisky, cachaça, bossa nova, e lembra aquele amor. Tem cheiro de saudade, cheiro de mar, de olhos nos olhos.. E caminhar então, quem não caminhou ao lado de alguém que um dia amou, ama, ou ainda vai amar. 

Olhar a praia do alto prédio, não é para qualquer um. Se chovendo então, prepare uma boa bebida; a chuva caindo é o tempero do som da bossa nova, e a melhor companheira no passeio pela calçada da saudade, na lembrança das caminhadas, dos pés molhados pela água fria dos desencontros. O mais engraçado: as praias combinam o enredo. A moldura na praia chuvosa é sempre a mesma, pode ser Copacabana, Ipanema, Pitangueiras, e outras tão belas; aquele ar de tristeza, uma musica de Cayme, alguém que se foi para nunca mais voltar.

Cuidado nos dias chuvosos ao abrir a janela e dares de cara com a praia. Se notares o tempo chuvoso, a moldura do mar poderá te jogar no sofá da saudade, e então terás a lembrança de tudo que vivenciastes na areia, principalmente ao som dos Desafinados, envolto ao cheiro de mar e ao gosto do scotch. Se coragem tiveres por fim, terás então a oportunidade de descobrir, através de um olhar longínquo, que muitas coisas na vida nascem, e outras morrem na praia; se desfazem no vento, ou se perdem nas ondas que não voltam jamais. Cuidado, garoa na praia provoca sempre uma pneumonia de saudade, prepares então uma boa bebida…

Fernando Rizzolo

Fim do Auxílio Emergencial e a Fome

Hoje temos no Brasil 15 milhões de desempregados, com230.000 mortos pela pandemia e um Bolsa Família que não acompanha a inflação. Como se não bastasse, agoratemos o fim do auxílio emergencial, acompanhado peloolhar desesperado das mães que são a maioria das chefes de família em todas as comunidades ou favelas do Brasil. Segundo o Datafolha, 69% dos brasileiros atendidos pelo auxílio emergencial ainda não conseguiram outra fonte de renda.

Ontem, ao assistir uma reportagem na televisão, fiquei realmente consternado, para não dizer triste, quando ouvi uma criança de determinada comunidade dizer que,quando tem fome, come “farinha com açúcar”. Temos definitivamente que mudar o rumo da condução econômica do Brasil, e de nada adianta colocarmos a culpa na pandemia, como faz o governo, e mais precisamente o Sr. Paulo Guedes, que só está preocupado com o “teto fiscal” e poucos olhos tem para os que vivem em situação de extrema pobreza, na solidão, e para a angústia das mães chefes de família das favelas deste imenso Brasil.

Se não temos vacina por negligência do Poder Público, ou “picuinha da Anvisa”, não podemos ser negligentes com o fim do auxílio emergencial. Sabemos que o benefício de 600 reais chegou a atingir mais de 126 milhões de pessoas, o que representou 60% da população brasileira, entrepobres, negros, desalentados, pessoas para as quais a única saída foi, sim, o auxílio emergencial. E mais uma vez repito, de nada adianta culparmos a pandemia, pois fomos um dos últimos países a demonstrar preocupação com tal problema do ponto de vista sanitário, encarando-o com descaso, chacota, falta de organização e negacionismo.

Infelizmente o auxílio emergencial terminou e sabemostambém que, em 2020, somente a inflação de alimentos,de acordo com o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), foi de 14,09%, e o último reajuste do Bolsa Família foi de 5,6%, concedido ainda no governo Temer, em 2018. Portanto, diante desse quadro desesperador, em que o liberalismo insiste em promover ajuste econômico em vez de assistencialismosocial em época de crise, podemos nos aprofundar na miséria e tornar mais grave a fome que já assola o país. 

O governo Bolsonaro conta agora com o chamado Centrão, que por sua vez também vai pressionar o Sr. Guedes a flexibilizar a renovação desse auxílio, como que num grande “Plano Marshall”, para que a “farinha e o açúcar” não alimentem a desesperança, as doenças, o desagregamento familiar, a criminalidade, típicas de governos liberais, nos quais a economia ignora a tragédia da fome, tornando-se uma pandemia existencial ideológica, mais letal que o vírus, pois atinge uma população em especial, a mais vulnerável, a sem esperança, afinal, razões econômicas não dão ouvidos aquem de fome morre.

A diplomacia do ataque e seus efeitos colaterais

Certa vez, li um provérbio que dizia: “O general que usa a diplomacia em vez da espada poupa mil vidas no campo de batalha”, e de pronto me lembrei do que estamos passando no Brasil atualmente diante dessa pandemia provocada pelo vírus chamado SARS-CoV-2, ou coronavírus, que causa a doença Covid-19. Já perdemos mais de 200.000 pessoas, que foram mortas pela ineficácia do Poder Público, mas o que eu gostaria de refletir neste texto é a potencialidade de uma ideologia e a sua influência na área diplomática num contexto de saúde pública.

O Brasil talvez seja o único país de dimensão continental a ser vítima duplamente, quer dos efeitos da doença, quer dos efeitos da irresponsabilidade ideológica recheada de preconceitos, animosidades, arrogância e paranoia por parte do governo Bolsonaro. Senão vejamos. Em novembro de 2020, um dos filhos do presidente Bolsonaro criou um forte atrito com o governo chinês numa narrativa em que acusava o perigo de se fazer negócios com a China na área tecnológica, alegando que o país asiático poderia nos “espionar” caso optássemos pela tecnologia 5G. 

Na verdade, os atritos começaram na própria campanha à presidência em 2018, do então deputado Jair Bolsonaro, inspirado e completamente alinhado às ideias ridículas no tocante às políticas defendidas pelo presidente Donald Trump, que hoje, enfim, sabemos que nunca passou de um extremista perigoso.  

Outro protagonista de ataques à China foi o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, que afirmava na época que o país asiático se beneficiaria com a crise da Covid-19. Além disso, debochou do sotaque chinês, comportamento que a embaixada chinesa rechaçou e classificou como “fortemente racista”. Portanto, poderia aqui me ater a inúmeros ataques do governo Bolsonaro não só à China como a outros países e órgãos internacionais, sempre achando que o presidente Donald Trump o apoiaria e socorreria em momentos de dificuldade, o que denota forte ingenuidade e falta de visão política, pois seria possível prever sem muito esforço que Trump poderia não ser eleito, o que fatalmente ocorreu.

Internamente houve uma disputa política com relação à iniciativa do governador Dória de negociar com a China para receber a vacina, o que na verdade ocorreu, e com êxito. Contudo, sem insumos, sem números de vacinas disponíveis, sem um médico sequer à frente do Ministério da Saúde, e com milhares de pessoas morrendo até por falta de oxigênio, temos a dimensão do problema que uma diplomacia “capenga” promovida pelo governo federal em todo seu mandato foi capaz de fazer. Isso evidentemente nos coloca numa situação de vulnerabilidade sanitária, em que a população mais pobre, hipossuficiente, sofre com a falta de leitos, além do desemprego, que já existia bem antes da pandemia.

Talvez, como diz o ditado acima mencionado, a espada vinda de palavras cortantes está cortando e ceifando vidas inocentes de pobres, negros, idosos, profissionais de saúde que inadvertidamente votaram num grupo ideológico para evitar a volta do PT, como eu mesmo fiz, mas jamais poderíamos imaginar que a inabilidade diplomática poderia matar muito mais do que a fome, num pobre Brasil abandonado, afinal, “o general que usa a diplomacia em vez da espada poupa mil vidas no campo de batalha”. Precisamos encontrar esse tipo de general que não traz, enfim, “efeito colateral”…

Fernando Rizzolo é advogado, jornalista, mestre em Direitos Fundamentais.

Tornozeleira de Concreto

Por Fernando Rizzolo

Enquanto se discute no Supremo Tribunal Federal a implementação do “Juiz das Garantias”, eu aquisentado na minha poltrona, com uma pilha de livros de Direito e Medicina ao meu lado,comemoro, enfim, nove meses de reclusão dentro do meu apartamento. Faço isso por determinação de um vírus chamado SARS-CoV-2, ou coronavírus, que causa a doença chamada Covid-19, e por consciência de que, se eu me expuserpor aí, vou me dar mal. 

Na verdade, foram nove meses de confinamento e de entendimento de que o Brasil nunca foi tão triste, e que o povo nunca foi tão mal aconselhado por um governo negacionista que xinga, grita, maltrata jornalistas, e que dá o mau exemplo em termos de epidemiologia, sociologia, levando,portanto, milhões a se infectarem, assim comomilhares à morte. 

Segundo Bolsonaro, a culpa não é dele, mas a responsabilidade é, sim, do seu governo, que,após ter comprado o povo brasileiro pobre com uma ajuda financeira, o que foi bom e devemosreconhecer sua importância, o jogou para a esteira da irresponsabilidade sanitária, levando muitos a minimizarem o risco da contaminação e tantos outros a negarem os efeitos da contaminação.

Muitas vezes tento entender como o Brasil se tornou perigoso, e quanto sinto falta daqueleBrasil de Tom Jobim, da melodia que acompanha as ondas do mar, em vez das investidas raivosas de uma parte da população extremista, egoísta, sem a menor empatia com o outro.

Perdemos na verdade o senso de “cuidar do outro”. Tudo que foi proposto na nossa Constituição de 1988, elaborada por homens de bem, se tornou questionável aos olhos dos homensque deveriam perpetuá-la, ficando então a cargo do STF o dever de constantemente observá-la, e,mesmo assim, ainda temos que, enclausurados, lutar pelos direitos fundamentais e pelos avanços já concretizados, como a figura do Juiz dasGarantias. Temos hoje uma população carcerária de mais de 750.000 presos, muitos deles cumprindo prisão preventiva, e mesmo assim no pobre Brasil se discute algo já votado econsagrado pelo Congresso.

Que tempos estes em que o discordar recheado de maldade e pouca solidariedade com os pobres assolou o país. Que tempos são estes que me fazem ter uma tornozeleira de concreto, para que,não induzido pelo pouco caso em relação a uma doença contagiosa, me jogue no discurso delirante que faz a população pobre se infectar e promove a superlotação dos hospitais, principalmente os do SUS, que os amantes de Adam Smith querem destruir.

Quando se começa a acreditar que chegou a vacina, o presidente afirma que não vai tomar,ignorando a ética e a responsabilidade do cargo que ocupa e de certa forma induzindo a população ao mau caminho em termos sanitários. 

Foram meses me dedicando a proteger minha saúde, pensando sobre o Brasil, um Brasil mais humanizado e mais imunizado, torcendo para que tudo um dia volte ao normal, e que este conjunto,concreto, precaução e indignação, seja libertado por uma vacina, que nos liberte de um vírus eprincipalmente de uma ideologia contagiosa.

A ética de Aristóteles e as eleições


* por Fernando Rizzolo

Temos visto atualmente um crescente interesse por filosofia. Muitos são os filósofos que surgem a cada dia, uns mais conhecidos e aplaudidos nos programas de televisão, outros menos conhecidos pela população, mas mais discutidos na Academia, como foi e sempre será Aristóteles, que dizia que a “a virtude está no meio”. Mas por que, então, a nossa sociedade brasileira, de uns tempos para cá, se polarizou tanto? Uma explicação seria o desencanto com a política, que trouxe à tona o atual presidente, Jair Bolsonaro, um personagem radical, nada político, com ideias que chocam, e que acima de tudo sempre se espelhou no presidente não reeleito dos Estados Unidos, Donald Trump. 

Encantou milhares e desencantou outros milhares de admiradores. Seu jeito “sincerão” se esgotou no seu próprio “script”, pois, com a derrota de seu ídolo Donald Trump, passa a falar sozinho, num discurso que não mais entusiasma seus fervorosos eleitores. Foi na realidade um golpe na social-democracia, tão habitual aos líderes europeus e que mais se aproxima dos ideais democráticos dos Estados Unidos, haja vista as pontuações feitas pelo novo presidente americano, Joe Biden. 

Hoje não há mais lugar para extremismos, e a maior democracia do mundo já provou isso com a vitória do democrata Biden, que revisa os valores sociais, elevando-os e promovendo uma respeitosa visão social sob todos os aspectos.

Já no Brasil a social-democracia foi substituída por um discípulo de Trump que agora passa por um revisionismo eleitoral perigoso, pois surge de outro lado o extremo desta feita socialista, o filósofo Boulos. Seu partido, o PSOL, é de esquerda, de matiz trotskista, pelo menos era o que afirmavam no início de sua formação. A receita de bolo de Boulos é mesclar os ganhos democráticos de Joe Biden, suas estruturas na defesa dos pobres, dos negros, com um discurso que imita o do ex-presidente Lula, com toques de articulação filosófica que acabam mitigando um esquerdismo virtuoso aos olhos dos incautos. 

Portanto, ao lado da minha velha poltrona, e entre um gole e outro do meu café amargo da tarde, recorro aos velhos filósofos, como Aristóteles, que dizia: “a virtude está no meio”. Talvez preferindo redescobrir a social-democracia responsável e experiente a me lançar nas novas antigas ideias dos que fizeram filosofia e que jamais concordaram com a verdade oriunda do centro. Jogando-nos para outro extremo, com palavras doces e com discurso populista, acabamos ficando na mesma ao passar da extrema direita para a extrema esquerda. Antes de mais nada, é melhor pensarmos e refletirmos sobre o que é bom para o Brasil, na esperança de fazer renascer o bom senso.

E cabe aqui um questionamento: Estaríamos prontos para sair de um extremo e migrar para outro?

A “Vacina Chinesa” e o Preconceito

Na história do Brasil, é recorrente certa admiraçãopelas ideias vindas dos EUA, seja do ponto de vista econômico, seja das concordâncias com aspolíticas externas daquele país, ou, então, pelas interpretações mais estapafúrdias de líderes cujas atitudes se distanciam do bom senso, como é o caso de Donald Trump. E no Brasil da direita de Bolsonaro isso ficou mais patente, na mumificação dos trajetos ideológicos que o presidente Bolsonaro traz para o Brasil numa versão tupiniquim, sempre aguardando aprovação ou reconhecimento da grande potência mundial.

Na exegese do inconsciente brasileiro, principalmente daqueles de maior poder aquisitivo, as marcações estereotipadas permanecem se impondo ao bom senso e a uma discussão científica séria com a finalidade de desqualificar algo que entendem depreciativo na sua origem, a China, mormente com a postura do nosso presidente Bolsonaro, que despreza a ciência nos moldes de Donald Trump, levando milhares à morte por um vírus que afirmam de origem chinesa, ou oriundo de um país comunista, portanto, “de um país inimigo”.

A ideação deliroide de uma “conspiração comunista” elaborada por fanáticos de extrema direita no Brasil nos afastou, enfim, de uma maiorpercepção científica, prejudicando o debatesaudável em termos de saúde pública e, por consequência, conduziu a uma depreciação e desqualificação da “vacina chinesa”, a Coronavac,produzida pela empresa chinesa Sinovac, em parceria com o Instituto Butantan. E aí vale a pena ressaltar que não há vacinas licenciadas para uso humano que não passem pelos rigores científicos que as tornam extremamente seguras. Além disso,é mais segura devido ao fato de ter sido desenvolvida por meio de uma técnica antiga (vírus inativado), pois já existem outras vacinas licenciadas que usam vírus inativados para uso humano que realmente demonstramfuncionalidade, portanto, é uma vacina absolutamente promissora segundo testes clínicose que deverá ser avalizada por institutos responsáveis, como a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aqui no Brasil.

E gostaria de me ater aqui, não à questão científica propriamente dita, pois para isso temos competentes cientistas brasileiros, mas a umareflexão sobre os motivos dessa resistência. Não acredito em uma disputa Bolsonaro versus JoãoDória, mas, como disse acima, parte da extrema direita tentou jogar uma faísca desqualificadora que passou para o inconsciente popular a ideia deque a “vacina chinesa” estaria em breve sendo vendida na Rua 25 de Março, o maior ponto de venda de produtos chineses localizado na capital paulista. Há a oferta de produtos que vão de guarda-chuvas, lenços, óculos, brinquedos a uma infinidade de artigos chineses de origem duvidosa, e é aí que nasce essa ideia infundada sobre a “vacina chinesa”, que lhe causa um impacto triste, ofegante, infectado, em que se misturam ideologias, mentiras e disputas políticasnuma verdadeira infecção ideológica epreconceituosa que não leva a lugar algum,enquanto milhares morrem nos frios corredores dos hospitais, sendo socorridos por respiradores, luvas, máscaras, aventais, seringas, todos vindos da China, mas isso não se conta na velha 25 de Março…

A solidariedade e a pandemia

 Artigo publicado no Estadão

                             

 *por Fernando Rizzolo

O mundo já foi mais solidário. Para entender essa afirmação, basta revermos alguns fatos da históriarecente e poderemos inferir a postura dos EUA logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, com a implementação do Plano Marshall – conhecido oficialmente como Programa de Recuperação Europeia. Naquela época, para se ter uma ideia, os EUA deram uma ajuda econômica de 14 bilhões de dólares, o equivalente a cerca de 100 bilhões de dólares em valores atuais, com o intuito de recuperar os países europeus que se juntaram àOrganização Europeia para a Cooperação e oDesenvolvimento Econômico.

Muitas são as formas pelas quais a humanidade é testada em termos de solidariedade, e constatamosque nos últimos dez anos houve um declínio mundial do que poderíamos chamar de “consternação com o outro”, provavelmente a questão primordial da valorização do individualismo sobre o coletivismo nos levou a uma percepção dissociativa do egocentrismo em detrimento da solidariedade, haja vista o teor dos discursos da direita, muito embasados nas relações individualistas, talvez oriundas da nova ordem líquida descrita por Bauman, em que a fluidez nas relações interpessoais se depreciou, exercitada no mundo digital em que o eu está acima do coletivo. 

Neste contexto, a pandemia do Coronavírus veio corroborar com a percepção à qual me referi anteriormente, uma vez que os EUA comandadospor Donald Trump minimizaram o contágio, posteriormente compraram a maior parte dos equipamentos de ventilação ofertados pelo mercado, culparam os chineses e agora consolidam a maior parte da compra de vacinas em desenvolvimento, prejudicando a maioria dos países e imensas populações.

A grande reflexão seria sobre o porquê de uma potência econômica e militar, com um governo de extrema direita, desprezar o passado e o fato de haver sido protagonista de algo tão grandioso como o Plano Marshall.  

Apesar de sabermos que essa ajuda não foi totalmente desinteressada, uma vez que um de seus objetivos era conter o socialismo da antiga União Soviética, causa certo espanto perceberque, se fosse hoje a tragédia da guerra na Europa,os EUA virariam as costas para os países europeus, assim como viraram para o mundo. 

Iniciativas como as do cientista Albert Sabin, que renunciou aos direitos de patente da vacina que criou contra poliomielite, facilitando a utilização dessa vacina pelo mundo, já não existem mais.Hoje o lucro com as doenças, com as pandemias,é fruto da insensibilidade política ligada ao poder do capital, o que nos remete ao que disse o filósofo norteamericano Noam Chomsky:“Competição para lucrar com vacina é ultrajante”.

No Brasil, muito embora existam opositores do Sistema Único de Saúde (SUS), soubemos dar o devido valor à grandiosidade desse Sistema Estatal nesta pandemia, o que nos faz lembrar das ideias que percorreram a Europa após a Segunda Guerra Mundial: a noção de que o ser humano possui direitos inalienáveis, como a saúde, e que, portanto, devem ser garantidos pelo Estado.

Temos um compromisso com as gerações futuras no alicerçar os conceitos de mútua ajuda entre os povos, retomar o princípio de globalização, de sustentabilidade, de nos rebelarmos com o desmatamento e seu impacto climático, muito mais do que adular países nos quais prevalecem a segregação e a desarmonia entre os povos, o individualismo e a indiferença com os pobres, negros e desalentados. Enfim, é urgente que todo este cenário atual mude.

Assistencialismo na saúde e na doença

 

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*por Fernando Rizzolo

Ainda me lembro, como se fosse hoje, das desvirtudes que o “lulopetismo” amargou quando a classe média e a direita – que nem sabia que pertencia à direita – acusavam o Bolsa Família de ser um “projeto assistencialista”, que induzia o povo pobre a não trabalhar, pois o petismo não “ensinava os pobres a pescar”, dando-lhes o “peixe pronto”.

Em um dos meus artigos de meados de 2019, já previa que a sobrevivência do bolsonarismo dependia da virada à esquerda, mesmo se portando e posando de liberal conservador. Dizia também, e com muita sobriedade, que as formas tácitas de apropriação política do petismo deveriam ser angariadas e cooptadas pelo bolsonarismo, uma vez que sobreviver ao capital eleitoral apenas com patriotismo e combate à corrupção seria impossível por não alcançar a densidade populacional pobre deste país.

A grande verdade é que estrategicamente o governo Bolsonaro, até como inspiração militar de técnicas de contenção ao inimigo, se apercebeu de que a população pobre, mormente vivenciando uma crise econômica, pouco se interessa por palavras, por ideias de luta de classes, a não ser que tenha dinheiro e a renda mensal garantida, assim como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez.

Portanto, ao que parece, um novo “pai dos pobres” pode estar a caminho, afinal Bolsonaro aprendeu com Lula que passar quatro anos dando 120 reais todo mês beneficiou cerca de 14 milhões de famílias, atingindo 57 milhões de brasileiros, e fez dele o “mito da esquerda”. Atualmente o valor médio do benefício é de 191 reais.

Assim, a estratégia para o aumento da densidade eleitoral por parte do governo Bolsonaro é no mínimo inteligente. Senão vejamos: o auxílio emergencial deverá injetar 300 bilhões na economia, e já beneficiou 66,2 milhões de brasileiros, multiplicando a renda dos atendidos. Dessa forma, em eventuais ameaças de queda em sua popularidade, estabelecerá Bolsonaro metas e estratégias fiscais que viabilizem sua perenidade.

O Bolsa Família custou 34 bilhões ao erário público. Se houver uma ampliação do benefício médio para que possa abranger um número maior de beneficiários e se tal benefício se tornar contínuo, o avanço da esquerda pode ser contido, além de capitalizar votos para a reeleição. Até mesmo o ministro Paulo Guedes entendeu a equação política e luta por novos tributos, como a volta da CPMF, desta feita disfarçada.

A chegada consagrada do Programa Renda Brasil, nos moldes melhorados do Bolsa Família e mais generoso, põe os liberais como guardiões dos pobres e nada sobrará para a atual esquerda. Vamos então, quem sabe, abandonar Celso Furtado, furtando seus ideais através de uma tática estrategista militar, e restará ao PT e à esquerda, se quiserem sobreviver, apenas dar as mãos ao bolsonarismo.

Celso Furtado, foi, portanto, vítima de um furto ideológico baseado na figura jurídica que chamamos de “estado de necessidade”… de o bolsonarismo voltar ao poder.

Democracia a serviço da ideologia

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artigo publicado no Estadão dia 12 de julho de 2020

por Fernando Rizzolo

Não há que se questionar que a nossa democracia passou a ser muito mais ideológica do que pluralista. Diriam então os defensores de Bolsonaro que anteriormente ou desde sempre, após o regime militar, fomos “comunistas” ou, como dizem, que os partidos moderados de centro-esquerda ou os social-democratas foram e sempre serão “comunistas disfarçados”.

O que mais me intriga no governo do Presidente Bolsonaro é o caldeirão extremista que transita entre o militarismo e o evangelismo, entre intolerantes e ditatoriais de faixa amarela, detentores do radicalismo antidemocrático que sonham em destruir as instituições e ameaçam sem hesitar membros do Supremo Tribunal Federal. A grande pergunta é: Por que antes esses radicais não se expunham? Ou será que foram induzidos por membros apoiadores do radicalismo com certa anuência subliminar do governo a agirem desta forma perigosa?

Por bem o STF conseguiu minimizar na hora certa, através do inquérito das “Fake News”, os extremistas filhotes da ideologia tacanha de certa ala do governo que insistem em ver no modelo pluralista de ideias um perigo a sua própria ideologia. Para corroborar nesse esteio de pensamento, vemos o esvaziamento de ministérios, como o da Saúde e o da Educação, uma vez que o governo não é capaz de encontrar um ministro que agrade a ala “olavista” conspiratória, os militares cuja mentalidade permanece ainda na caserna e os evangélicos que querem manipular os ministérios a seu favor, e mais, o centrão, que quer apenas o poder pelo poder.

Portanto, vivemos um desgoverno, regado a cloroquina, em que os pobres, os miseráveis, os desalentados são totalmente esquecidos diante de uma pandemia de virulência sanitária e econômica, incapaz de nortear o governo para uma política econômica desenvolvimentista, uma política sanitária baseada na ciência e uma vertente educacional de inclusão aos mais pobres.

A grande verdade é que caímos numa cilada democrática, e a democracia é hoje um instrumento de grupos radicais, pois a imensa população pobre deste país nem sequer é mencionada em breves tweets por membros do governo ou pelo próprio presidente. Perdemos o rumo certeiro de outrora, que havia nos governos social-democratas, pois ali tínhamos um norte, em que o Estado definia os investimentos e propunha uma proteção às minorias. Hoje o que vemos é a cloroquina à base de olavismo, rodeada de grupos evangélicos e observada por militares que querem seu quinhão. Tudo porque acreditei no “mito”, vivendo hoje uma democracia mitômana, desorganizada, um país esfarelado por ideias estranhas, enfim, o Brasil hoje é um grande Wassef dando explicações de como vamos sair dessa… Acho que deu para entender, não é?