Shabat: contrapeso aos valores de mercado

*Pelo Rabino Chefe da Inglaterra, Professor Jonathan Sacks

Durante a atual crise financeira e econômica muita atenção tem sido dada à falta de regulamentacao dos serviços financeiros que ocorriam nos anos 1980. Aquilo abriu os portões para níveis mais altos, e até insustentáveis, de empréstimos e gastos. Pouca atenção tem sido dada a outra falta de regulamentação da mesma época, que desempenhou sua própria parte ao criar uma cultura super-aquecida de crédito e consumo: a consagração do domingo, em vez de um dia de descanso, num dia de compras.

Isso provavelmente era inevitável, dada a secularização da sociedade. Porém sob uma perspectiva judaica, duvido se o Judaísmo teria sobrevivido, muito menos prosperado, sem o Shabat. É nosso contrapeso às pressões e valores do mercado. É nosso oásis de repouso num mundo que parece estar se movendo depressa demais para que qualquer pessoa saiba aonde está indo. É nosso santuário no tempo, quando celebramos as coisas que têm valor mas não têm preço.

O Shabat é o tempo dedicado à família. Sentamo-nos ao redor da mesa, cantamos uma canção de louvor à “mulher de valor”, abençoamos nossos filhos e oferecemos hospitalidade a outros. Vamos à sinagoga e renovamos os laços da comunidade e da amizade. Estudamos nossos textos sagrados e nos reorientamos à luz dos nossos valores eternos. Rezamos, agradecendo a D’us por aquilo que temos, em vez de invejar os outros por aquilo que eles têm. É quando redescobrimos as verdadeiras raízes da felicidade.

Era isso que a Grã-Bretanha tinha quando usufruia do domingo. Era uma declaração coletiva de valores dizendo que há limites para os nossos esforços. Há coisas que você pode comprar, mas há outras, não menos valiosas, que podemos fazer apenas por nós mesmos: relacionamentos de amor e generosidade, um sentimento pelos ritmos e adágios do tempo, uma sensação pela espetacular beleza do mundo criado que apenas podemos vivenciar por completo quando paramos para inalar a beleza das coisas.

Por causa disso, a cultura britânica antes possuía uma pose e um equilíbrio interior. As famílias tinham tempo para fazer uma refeição juntas, conversar e partilhar, não sentar para assistir a uma tela que as remove da realidade. O Shabat era um dia no qual o dinheiro não importava, quando cada qual tinha a mesma dignidade, não importando quanto ganha ou quanto podia comprar. Era para o tempo aquilo que o parque público é para o espaço: algo que todos podemos apreciar com igualdade.”

Há alguns anos, quando fazia para a televisão um documentário sobre a família, levei Penelope Leach, uma das principais especialistas em programas infantis, a uma escola primária judaica numa manhã de sexta-feira para ver as crianças ensaiando para a refeição do Shabat que teriam à noite. Ela ficou encantada pela visão das mães de cinco anos e pais da mesma idade abençoando as velas, vinho e pão, e recepcionando os convidados de cinco anos. Ela quis saber mais sobre o que aquele dia sagrado significava para as crianças.

Ela perguntou a um menino de cinco anos: “O que você não gosta sobre o Shabat?” Ele respondeu: “Não podemos assistir televisão.”

“E o que você gosta sobre o Shabat?” O garotinho respondeu: “É a única hora em que papai não precisa se apressar!”

Voltando da escola, ela voltou-se para mim e disse: “Este Shabat de vocês está salvando o casamento dos pais.” Provavelmente ela estava certa.

Vinte anos de uma cultura consumista de sete dias por semana não tornou os britânicos sensivelmente mais felizes. Isso não é surpresa, porque o mundo da “salvação-via-compras” depende da propaganda comercial nos tornando conscientes daquilo que precisamos. Se pelo menos tivermos aquele relógio, aquela roupa, este carro, aquele celular, nosso prazer seria completo, pelo menos até amanhã, quando descobriremos o próximo objeto que ainda não possuímos.

A confusão financeira foi causada, pelo menos em parte, por pessoas gastando dinheiro que não tinham para comprar coisas que não precisavam a fim de encontrar uma felicidade que não dura. A cultura consumista é, na verdade, um sistema notavelmente eficiente para a produção e distribuição de pessoas descontentes.

Não podemos trazer de volta o Shabat para o domínio público, mas podemos trazê-lo de volta à nossa vida particular. Precisamos disso, porque nem o ambiente nem a economia podem ser baseados em crescimento ilimitado, alimentado pelo desejo artificial.

Um dia em cada sete devemos agradecer por aquilo que temos, e abrir os olhos para a radiância do mundo.
fonte: site Beit Chabad

Tenha um sábado de paz e uma semana feliz.

Fernando Rizzolo

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